Rafael ergueu os olhos, tomado de choque.
— Eu juro... eu nunca... tio, eu sou leal! Sempre fui! O senhor sabe disso. Sempre trabalhei com fidelidade, sempre fiz tudo certo!
Lúcios soltou uma risada breve, seca. Soava mais como um aviso do que como deboche — como se já esperasse por aquela resposta.
— Leal? — ele se inclinou para frente na cadeira de rodas, os olhos afiados como lâminas. — Você é leal a si mesmo. E isso, meu caro, é o primeiro passo rumo à cadeia. Eu te dei todas as chances. Tudo o que precisava era mostrar um mínimo de responsabilidade, em vez de continuar agindo como um moleque mimado, acostumado a ter tudo sem esforço. Já imaginou se tudo tivesse ficado nas mãos da sua mãe? Lívia não tem um pingo de discernimento.
Ele se recostou na cadeira, tranquilo como um juiz prestes a decretar sentença.
— Ainda não tenho provas. Mas elas virão. E quando surgirem... você não vai herdar um centavo. Vai herdar uma cela.
— Lúcios! — a voz de Lívia cortou o clima carregado como um trovão. Ela correu até Rafael, ajoelhou-se ao lado dele e o abraçou com a fúria protetora de uma leoa ferida. — Isso é um absurdo!
Ela apertou o filho com força, indignada.
— Ele nunca te roubou! Rafael tem se matado por essa empresa! Ele deu tudo de si enquanto você... você fica aí, sentado, tratando todos como inimigos! É por isso que você apodrece um pouco mais a cada dia! Sem mulher, sem filhos... acha mesmo que isso tudo vai ficar com quem?
Lúcios a observou por longos segundos, impassível. Então arqueou uma sobrancelha com um leve desprezo.
— Está bem, Lívia... — disse ele, com a voz amarga, envenenada de ironia. — Vamos fingir que eu acreditei. Só por hoje. Mas a esposa dele está desaparecida. Não que eu me importe, mas acordo é acordo.
O silêncio caiu pesado na sala. Rafael ofegava, tentando manter a compostura. Lívia ainda o segurava firme, como se pudesse protegê-lo do golpe que já havia sido dado.
Lúcios girou lentamente a cadeira e começou a sair da sala. Na porta, parou.
— Ainda é cedo... — murmurou, olhando o relógio. — Que tal um café? Ainda somos uma família, certo? Devíamos acalmar os nervos. Quem sabe... até conversar um pouco.
Lívia piscou, surpresa com a mudança repentina de tom. Lúcios, então, lançou um olhar rápido ao assistente, que logo assentiu, como se compreendesse uma mensagem silenciosa.
— Claro... sim. Vou preparar agora mesmo.
— Não por prazer — Lúcios virou o rosto levemente, lançando um olhar gélido para Rafael. — Apenas para continuar a conversa com o seu filho.
Rafael sabia: não havia escapado. Lúcios podia não ter provas... mas tinha algo ainda mais perigoso — convicção. Ele e Kellen se encararam, trocando um olhar de alerta, como quem pressente a tempestade antes do trovão.
O aroma do café recém-passado se espalhava pela sala, mas, ao invés de conforto, apenas intensificava a tensão no ar.
Lúcios, agora à cabeceira da mesa de madeira escura, mexia o açúcar em sua xícara com lentidão calculada. Os anéis em seus dedos tilintavam contra a porcelana fina. Seus olhos, no entanto, não perdiam um único movimento à sua frente.
— Agora que estamos mais... calmos — começou ele, com a voz baixa e cortante — me diga, Rafael: por que, exatamente, a minha futura sobrinha-neta desapareceu da própria comemoração de casamento?
Rafael, sentado à sua direita, forçou um sorriso nervoso. Recostou-se na cadeira como quem tenta se esquivar de uma flecha.
— Ah, tio... a Ângela é emocionalmente instável. Deve ter surtado, sabe? Coisas de mulher. Talvez um ataque de pânico... não é nada grave. Daqui a pouco ela atende o telefone e diz que está voltando.
— Não me trate como um idiota, Rafael — disse Lúcios, em um tom calmo que gelava. — Eu te perguntei por quê. Não como ela se sentia.
Antes que Rafael pudesse reagir, Kellen, sentada do outro lado da mesa, franziu o cenho ao olhar para o celular. Seus dedos pararam de digitar. Seu rosto empalideceu.
— Céus... como isso é possível? Minha própria irmã? — murmurou, indignada.
— Kellen? — Rafael arqueou uma sobrancelha, desconfiado. — O que foi?
Ela hesitou. Depois, deslizou o aparelho pela mesa. O celular parou diante de Rafael, a tela ainda acesa.
Era uma foto. E outra. E mais outra. Rafael ficou sem reação. Lívia tomou o celular das mãos dele, os olhos arregalados.
— Aquela... — sussurrou ela, levando as mãos ao rosto, horrorizada.