CAPÍTULO 3: A FUGA

Como a felicidade não dura para sempre...

Mãos grossas me arrancaram da água.

"Que porra é essa?", um homem rosnou, cuspindo água salgada. Tinha olhos mais escuros que a meia-noite e uma cicatriz cruzando o pescoço.

"Me deixe!", gritei, arranhando seu rosto. "Eu não quero viver!"

Ele riu. Um som áspero, como pedras se batendo.

Minha raiva não me deixou ouvir o que ele falava. Meu coração batia tão forte que eu só pensava em voltar para o mar e terminar o que comecei. Mas ele me jogou sobre o ombro como um saco de farinha e me arrastou até a praça da cidade, tornando-me a atração principal da vila outra vez.

Ele parecia ter uns 22 ou 23 anos. Não importava. Eu só queria machucá-lo. Seus olhos estavam fixos em mim enquanto meu corpo congelava de frio e medo. As freiras me encontraram. Meu Deus, aquele com toda certeza seria meu fim.

Mesmo ouvindo o que ele dizia, eu não prestava atenção. Não me importava. Eu não era mal-educada, só não estava mais viva, e isso significava não temer mais nada.

Depois que ele se foi, voltei ao convento, mas algo havia mudado. Eu ouvia cochichos. Algumas vezes, os castigos ainda apareciam, mas durante um ano tive um pouco de paz.

Até que Irmã Virgínia contou à Madre que Tessar fora morto em praça pública, numa ilha próxima, pelos marinheiros que estavam na noite passada no porão.

Eu tinha 17 anos e já sabia o que isso significava. Eu voltaria ao inferno de antes. Mas sabe o lado bom de passar várias vezes pelo inferno? É que você aprende a saída.

Dez anos se passaram.

Aprendi a engolir o ódio como se fosse sopa. Aprendi que feridas fecham sozinhas. No meu caso, esse é um fato assustadoramente verídico. Manipular o vento e a água, a chuva, alguns peixinhos e até curar meus ferimentos. Não sei como faço isso, mas sempre que estou sozinha, tento aprender mais. Aprendi, principalmente, que sou mais poderosa do que imaginava. E é por isso que me tratam como escória. Humanos temem o que não conhecem.

O mar dentro de mim tinha vontade própria.

Uma noite, enquanto eu dormia, a porta do meu quarto se abriu com um estrondo.

Acordei com a Madre Margarida arrancando o cobertor grosso que me cobria, suas unhas afundando na minha pele como ganchos de carne.

— Levanta, garota! — Seu hálito fedia a vinho barato e restos de homem.

Ainda tonta de sono, senti suas mãos ásperas puxando meu camisolão, rasgando o tecido fino como se fosse papel. O frio da noite grudou na minha pele nua, mas não tive tempo de me cobrir.

— O que está...? — Minha voz era um fio rouco, ainda presa ao sono.

Ela não respondeu. Apenas jogou um hábito de noviça em cima de mim, branco demais, limpo demais para alguém como eu.

— Vista isso. O intendente está aqui. Ele quer uma virgem.

O mundo parou por um segundo.

Eu conhecia aquelas palavras. Ouvia elas todas as noites vindas do porão, seguidas por gemidos e choros. Mas nunca tinham sido dirigidas a mim.

— Não... — A palavra saiu antes que eu pudesse pensar.

Um tapa me acertou no rosto, tão forte que me fez morder a língua. O gosto de ferro encheu minha boca.

— Você não diz "não" a nada, criatura! — Margarida cuspiu, agarrando meu braço com força suficiente para deixar marcas roxas. — Você vai sorrir, vai dizer que é uma serva de Deus e vai fazer o que ele mandar. Ou eu te queimo viva.

Ela me arrastou pelo corredor escuro.

O porão cheirava a sexo e suor.

A luz das lanternas tremeluzia nas paredes de pedra, revelando freiras sem véus sentadas no colo de marinheiros, outras ajoelhadas entre pernas abertas. Gemidos e risadas grossas enchiam o ar, misturados ao som de garrafas sendo esvaziadas.

E então eu o vi.

O intendente.

Sentado em uma cadeira alta como um trono, seu uniforme impecável contrastando com a sujeira do lugar. Seus olhos escuros me percorreram da cabeça aos pés, e seus lábios se curvaram em um sorriso que eu conhecia.

— Essa é a tal semente do mal? — Sua voz era exatamente como eu lembrava. Profunda, cheia de uma falsa doçura que escondia facas. — Parece mais um rato do que uma ameaça.

Foi quando as memórias voltaram.

Ele estava lá no dia das execuções. Ele foi quem deu a ordem final. Ele riu quando a Irmã Imelda deixou de se debater.

A Madre Margarida me empurrou para frente.

— Ela é pura, Excelência. E obediente.

O intendente esticou a mão, pegando meu queixo com dedos gorduchos.

— Você lembra de mim, não é, menina? — Ele sussurrou, seu rosto chegando perto do meu. — Lembra das suas amigas? Das cordas? Dos pescoços estalando?

Algo dentro de mim estalou também.

Minhas mãos tremeram. Não de medo.

De fome.

E a água atendeu ao meu chamado.

O porão ficou em silêncio.

O intendente caiu no chão, seco, como um saco de ossos. Sua pele, antes rubra e cheia de vida, agora parecia um pergaminho esquecido ao sol, repuxada sobre a caveira. Seus olhos, que um dia brilhavam com arrogância e poder, agora eram apenas duas cavernas opacas, sem luz, sem alma.

Ninguém respirava. O cheiro de suor e vinho barato ainda impregnava o ar, mas agora estava misturado a algo novo. Algo mais denso, mais primitivo.

Medo.

As freiras recuaram, as mãos apertadas contra os hábitos manchados. Os marinheiros se entreolharam, confusos entre a embriaguez e o terror crescente.

A Madre Margarida arfava como um animal encurralado. Seu rosto pálido, os lábios trêmulos. Ela deu um passo para trás, quase tropeçando nos restos do homem que tanto bajulava.

Eu levantei.

Minhas pernas estavam firmes. Meus dedos, ainda formigando com o poder que acabara de atravessar minha pele, estavam calmos.

Pela primeira vez em dez anos, eu não tinha medo.

E isso os aterrorizava mais do que qualquer monstro que pudessem inventar.

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