Início / Fantasia / Obsessão Abissal / CAPÍTULO 2: PENITÊNCIA
CAPÍTULO 2: PENITÊNCIA

Quando despertei, o padre veio até mim. Disse que as freiras haviam pago pelo meu pecado, mas que, para entrar no céu, eu também teria que pagar uma penitência.

As dez chicotadas que se seguiram não doeram tanto quanto o cheiro que ficou na praça naquele dia: corda queimada, sangue velho e o perfume de lavanda que Madre Lourdes sempre usava, agora misturado ao fedor da morte.

Dez chicotadas. Uma para cada ano da vida de Baltazar.

A primeira arrancou minha carne. A nona me fez morder a própria língua. Na décima, já não sentia mais nada.

O açougueiro sorria ao lado do padre ao me ver sem forças para levantar.

Foi a última vez que chorei na frente de alguém. Nunca mais faria isso.

Mas, naquele dia, aprendi algo: a dor tem limite. Se passar dele, vira apenas... silêncio.

Quatro dias se passaram até que as novas freiras chegaram. Elas tinham cheiro de álcool e suor.

Elas não eram como as outras. Nem pareciam freiras. Se o mundo dos mortos tiver portas, eu garanto que essas mulheres fugiram de lá.

No quinto dia após a morte de Baltazar, meu corpo implorava por descanso. Mas isso não era permitido. As novas freiras impunham trabalho incessante. Nunca mais poderia sair do convento.

Era uma tortura sem sentido. Castigos e surras sem motivo, fome e sede contínuas, noites sem dormir. Aos poucos, fui criando hábitos para me proteger.

Cacos de vidro escondidos na roupa. Cordas amarradas ao vestido. Grampos de cabelo.

Mas as freiras tinham um hábito peculiar. Diferente das outras, elas não rezavam à noite. À noite, os marinheiros desciam ao porão.

Gemidos ecoavam pelas paredes. Música, risadas. Ninguém ousava falar. Aquele era o lugar que o intendente planejou para seus homens descansarem. Havia até um porto escondido para ancorarem o navio.

Desci as escadas uma vez para levar charutos, como a madre ordenou. Mas derrubei bebida em um marinheiro. Ele pagou para que eu dormisse na chuva.

Não implorei. Sabia que só pioraria minha situação.

Tentei me manter aquecida até o amanhecer, mas a febre veio mesmo assim.

Queimei por três noites. Sozinha, agonizando, tropeçando pelo convento enquanto fazia cada tarefa imposta. Na quarta noite, chorei sozinha, perguntando se o Deus de Madre Lourdes ainda estava comigo. E se um dia, para essas mulheres, também chegaria o tempo do arrependimento.

Sentei-me na cama, agonizando enquanto ouvia as risadas vindas do porão. Senti algo queimar em mim, e, de repente, um frio absurdo percorreu minha espinha.

Me concentrei no frio, tentando desesperadamente esquecer a dor. Cedi ao cansaço depois de um tempo. As feridas do açoite ainda estavam ali, marcando minhas costas, e a dor não me deixava esquecê-las.

Depois de tanto me concentrar, perdi todas as forças e desmaiei.

Acordei com a pele úmida. Mas a dor... a dor tinha ido embora. As feridas sumiram, como se tivessem se curado, como se meu corpo as tivesse absorvido.

Mesmo sem entender, voltei ao trabalho logo cedo.

Talvez achassem que eu finalmente estivesse morta.

Uma das noviças que chegou mais tarde me procurou no quarto e, ao ver o espaço vazio, correu para avisar a madre. Ela exigiu que me encontrassem e me levassem até ela, pois, dessa vez, eu com certeza morreria.

Ouvi meu nome sendo misturado a palavrões na cozinha. Sem entender o que estava acontecendo, caminhei tranquilamente até o refeitório, onde a madre estava. Levei a bandeja com chá e biscoitos e perguntei se havia me atrasado.

Ela me olhou incrédula e voltou-se para a noviça, que foi severamente repreendida por sua falta de atenção.

Mas, ainda assim, não escapei da surra. As noviças não gostaram de serem repreendidas por minha causa e, além de me espancarem, começaram a trancar meu quarto. Eu só sairia quando uma delas abrisse a porta.

Eu não sei como é o inferno. Mas, se pudesse descrevê-lo, diria que é aqui.

Pela manhã, a irmã Marcela veio abrir a porta do quarto. Caminhei até o refeitório, mas fui impedida de comer. A madre exigiu que eu limpasse o pátio nos fundos do convento. Ninguém ia lá. Mas, aparentemente, era melhor sujar a dignidade de uma pessoa do que deixar um pátio inútil.

A chuva caía forte, ao contrário de mim. Meus olhos, cercados por olheiras profundas, ardiam. Minhas mãos, cobertas de calos, tinham unhas lascadas. Meu cabelo, sujo, estava preso num coque frouxo. Eu era o retrato do horror. Estava sem banho havia mais de duas semanas.

Arrastei meu corpo até o pátio, onde ninguém me veria chorar. Ali, entre a lama e as folhas mortas, me permiti ser fraca. Precisava terminar antes do almoço, ou ficaria sem comer.

Me esforcei, mas a lama e as folhas continuavam a se acumular com o vento e a chuva. Meu peito doía, e minhas mãos estavam geladas. Olhei para o céu, imaginando o sol brilhando por trás das nuvens, os pássaros cantando, o cheiro da lavanda se espalhando pelo campo.

Quando abri os olhos, meu corpo enrijeceu.

O sol estava lá.

A chuva não cessou gradualmente, como de costume. Apenas... parou. Como se uma torneira celestial tivesse sido fechada de repente.

— O que você fez?

Me virei.

A irmã Marcela estava parada atrás de mim, pálida, os olhos arregalados, como se tivesse visto um fantasma.

Antes que pudesse gritar por ajuda, corri.

O porão provavelmente estava vazio, mas alguém poderia estar lá. Tropecei e caí de joelhos, mas me levantei rápido. A saída dos fundos, que levava ao porto secreto dos marinheiros, estava aberta.

Corri na direção do penhasco. O mar me esperava de braços abertos.

E eu pulei.

A queda foi mais longa do que imaginei. O frio da água me atingiu como um soco no peito. Mas, pela primeira vez em muito tempo, eu me senti livre.

Permiti que o mar me abraçasse, como a madre fazia quando eu tinha medo.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App

Capítulos relacionados

Último capítulo

Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App