Despedidas AmargasÁria O som do motor do carro de Alexandro rasga o silêncio da manhã, e eu fico imóvel por alguns segundos. Meu coração parece estilhaçar-se com cada metro que ele se afasta. A respiração curta e entrecortada é o único som além do eco distante dos pneus no asfalto.Assim que não ouço mais o carro, pego o celular com as mãos trêmulas e disco o número de Adriano. Meu peito está tão apertado que mal consigo falar. Ele atende no terceiro toque.— Ária? A preocupação na voz dele me faz desabar.— Adriano...Tento me controlar, mas minha voz falha. — Eu, eu não posso mais.— O que está acontecendo? Fala comigo, Ária!Respiro fundo, mas as lágrimas não param. Olho ao redor do quarto, que agora parece uma prisão cheia de memórias que me sufocam.— Eu briguei com Alexandro. Ele acha...Minha voz quebra de novo, e eu preciso de alguns segundos para continuar. — Ele acha que o filho não é dele. Que eu o traí com você ou com Sebastião.Do outro lado da linha, Adriano fica em si
Despedidas Amargas 2ÁriaDirijo até um posto de gasolina e paro, a cabeça apoiada no volante. Respiro fundo, tentando acalmar o caos dentro de mim. O sítio. É para lá que vou. É o único lugar que faz sentido agora.Voltar para lá não será fácil. Vou enfrentar fantasmas do passado e dores que estão adormecidas, mas preciso fazer isso por mim e pelo meu filho. Ele merece começar a vida cercado de amor e paz, e, se Alexandro não pode oferecer isso agora, eu oferecerei o que for possível.Com o coração pesado, mas determinada, pego o celular e procuro a imobiliária que cuida do sítio desde a morte dos meus pais. Minha voz sai hesitante, mas firme o suficiente para expressar minha decisão:— Quero reabrir o sítio. Preciso dele novamente.Enquanto desligo, uma onda de alívio me atinge. Não é um alívio completo, pois a dor da separação e das palavras de Alexandro ainda está ali, latejando, mas é um começo. É o primeiro passo para um novo capítulo, por mais difícil que ele seja.O bebê dentr
Raiva e Reconciliação InterrompidaAlexandroA estrada parece interminável. O asfalto se estende diante de mim como uma linha sem fim, cercado por campos verdes e montanhas à distância. Mas não presto atenção em nada disso. Meu peito queima com uma raiva que nunca senti antes. Raiva de mim mesmo!Dirijo como um louco, o motor do carro rugindo enquanto eu acelero mais e mais. Tudo o que consigo pensar é na traição, na mentira. A imagem de Ária chorando não sai da minha cabeça, mas eu não consigo sentir empatia. Só raiva.Quando chego à casa de Adriano, estaciono o carro de qualquer jeito e desço, batendo a porta com força. Entro sem bater, a fúria me guiando. Ele está na sala, tomando um café, e levanta os olhos surpreso ao me ver.— Alexandro? O que...Não deixo que termine a frase. Atravesso a sala em passos largos e o esmurro no rosto com toda minha força. Ele cai para trás, o café se espalhando pelo chão.— TRAIDOR! — Grito, a voz ecoando pela sala.Adriano se levanta cambaleando,
O Começo de uma Busca.Levanto-me abruptamente, andando de um lado para o outro. Preciso encontrar uma maneira de corrigir meus erros, de reconquistar Ária. Mas como? Onde ela está? Será que ainda pensa em mim, sente minha falta?Pego o celular, hesito por um momento, e então discuto com Adriano. Sua voz do outro lado da linha é fria, distante:–Alexandro, você está ferrado. Jogou tudo fora por causa do seu ciúmes e arrogância.As palavras dele são duras, mas merecidas. Eu destruí tudo o que construímos. E agora, estou sozinho, cercado apenas pelas sombras de minhas próprias ações.Catarina entra na sala, seus olhos vermelhos de tanto chorar. Ela se aproxima de mim, hesitante.—Alexandro, eu, eu queria tanto carregar o filho dela nos braços. Ver vocês dois felizes. Mas você errou, errou feio. Fala ela deixando uma bandeja sobre a mesa e se retirando em seguida.Suas palavras são um golpe a mais em meu coração já partido. Eu a magoei também. Todos ao meu redor estão sofrendo por
Chegando Apesar da dor e da saudade que carrego, sinto uma centelha de esperança.O sítio será nosso refúgio, nosso lugar para recomeçar. E, pela primeira vez em muito tempo, acredito que isso pode dar certo.Abro a porta da casa com as mãos trêmulas. A madeira range sob a pressão, como se estivesse despertando de um longo sono. O cheiro de lugar fechado mistura-se ao leve aroma das lembranças que ainda parecem impregnadas nas paredes. É como se o tempo tivesse parado, deixando vestígios de risadas, histórias e do amor que moldou minha infância.Entro devagar, meu coração acelerado, e fecho a porta atrás de mim. A sala de estar é o primeiro cômodo que vejo, e, apesar da poeira e do desgaste, ainda reconheço cada detalhe. O sofá antigo que minha mãe tanto amava está ali, coberto com um lençol branco. A lareira de pedra, onde passávamos noites frias conversando e ouvindo histórias do meu pai, parece exatamente como eu me lembrava. Caminho até lá, passando os dedos pela superfície á
Retirando as sombrasO dia amanhece com um céu nublado, mas a luz que entra pelas janelas do sítio é suficiente para me empurrar do sofá. Minha primeira tarefa é simples, mas simbólica: Abrir todas as janelas da casa. Deixo o vento entrar, correr pelos cômodos como se levasse embora os fantasmas do passado. Há algo de libertador nesse gesto.O jardim está tomado por ervas daninhas. Caminho entre os canteiros que, um dia, foram repletos de ervas e flores. Minha mãe tinha mãos mágicas para a terra. Passo os dedos sobre a terra seca e começo a arrancar as primeiras invasoras. Cada puxada é uma forma de limpar não só o jardim, mas meu coração.Lembro de Alexandro enquanto arranco as raízes mais profundas. Suas palavras ainda ecoam, cortantes: "Você esconde algo de mim, Aria." Não era verdade. Mas ele escolheu duvidar, escolheu virar as costas quando eu mais precisava. O peso disso ainda me esmaga.Passo o dia limpando. Varro folhas secas, retiro entulhos que se acumularam com o tempo.
A alma da casaMais um dia nasce e com ele a determinação de recomeçar. Levanto-me cedo, com o coração ainda acelerado pelas recordações que a reforma do sítio tem me trazido, e sigo para a cozinha, o centro pulsante deste lar que lentamente ganha nova vida.A cozinha, o lugar onde tantos momentos de ternura e partilha aconteceram, apresenta-se diante de mim em seu estado crú. O fogão enferrujado, que antes era mero coadjuvante nas manhãs caóticas, agora clama por renascimento. Com a escova de aço firme em minhas mãos, começo a trabalhar; raspo com paciência o descaso de anos de abandono. Cada movimento é feito com cuidado, como se minha mãe, com seu toque delicado, estivesse me ensinando a importância de cada gesto. Troco os antigos puxadores dos armários por novos, de cerâmica com pequenas flores azuis, escolhidos a dedo para relembrar as cortinas que ela tanto amava. Lavo cada prateleira minuciosamente, e a pia, antes opaca e manchada, volta a brilhar, como se refletisse a pr
Paredes com vozHoje é dia de pintura, um ritual que transformará não só as paredes deste lar, mas também as marcas que o tempo e a dor deixaram em mim. Acordo com o som suave da chuva lá fora, como se o céu soubesse que eu precisava de uma bênção para este dia. Carrego na alma a esperança de que cada pincelada seja um novo começo, uma forma de dar voz às histórias que aqui residem.Enquanto preparo as paredes, coloco uma playlist antiga. Canções que minha mãe ouvia enquanto limpava a casa.Mas é impossível não lembrar das palavras de Alexandro: "Como posso confiar em você agora?" Ele me julgou antes de ouvir. Não viu meu medo, nem minha luta para protegê-lo. Isso me dilacera. Enquanto preparo as paredes, coloco uma playlist antiga. As canções, aquelas que minha mãe sempre ouvia enquanto limpava a casa, embalam meus passos e me fazem sentir que não estou sozinha, que a memória dela está aqui comigo, guiando minha mão.Comprei latas de tinta novas, rolos e pincéis; cada item pare