Capítulo 3

Acordo após dormir por apenas alguns minutos. Na verdade, nem sei se cheguei a dormir de verdade. Passei a madrugada inteira atordoada, com o coração pesado, o estômago embrulhado, e a mente sendo esmagada por pensamentos que eu não conseguia controlar.

Saber que teria que me entregar àquele velho ou a qualquer outro homem asqueroso deixava meu corpo em alerta constante, como se estivesse preso num ciclo de pânico que não acabava nunca.

Cada vez que meus olhos se fechavam, eu acordava assustada. Pesadelos vinham em ondas, violentos e sufocantes: o velho em cima de mim, o cheiro dele me invadindo, os toques, os grunhidos; ou então Austin me batendo, me arrastando pelo chão como se eu fosse nada.

Essas eram minhas noites. Todas elas.

E nas raras vezes que conseguia dormir um pouco mais, era por causa dos sedativos que Ava me dava escondido. Não sei como ela conseguia — e nunca ousei perguntar. Talvez ela roubasse, talvez alguém a ajudasse… mas, sinceramente, eu nem queria saber. Só agradecia por ter, mesmo que por instantes, algum tipo de fuga.

Sento na cama com o corpo pesado. Os olhos ardem, a garganta seca. Passo as mãos no rosto, tentando afastar o torpor e me lembrar de onde estou. Infelizmente, lembro.

O quarto apertado, o espelho rachado, o cheiro de cigarro entranhado na parede. Nada mudou. Eu continuo ali. Presa.

Olho pela pequena janela que dá para o beco lateral. Ainda está escuro lá fora. Talvez seja muito cedo, ou talvez a escuridão só esteja dentro de mim.

Apoio os pés no chão frio e suspiro. Hoje será mais um daqueles dias. Um em que eu vou fingir sorrisos, esconder hematomas com maquiagem, engolir o choro e deixar que façam o que quiserem comigo.

Por um momento, penso no homem de olhos verdes. Ainda não entendo por que ele mexeu tanto comigo. Ele não disse quase nada. Só perguntou se eu estava bem. Mas naquele lugar, onde ninguém se importa, aquilo teve um peso absurdo.

Talvez… talvez tenha sido só um lapso de humanidade. Uma ilusão. Ou talvez, só talvez, algo esteja prestes a mudar.

Levanto da cama com o corpo ainda pesado. O estômago dói — fome misturada com nervoso — mas sei que preciso sair dali e fingir normalidade. Fingir que estou bem, que sou forte, que tudo isso é só mais um dia. Porque nesse lugar, fraqueza atrai ainda mais dor.

Me troco com a roupa de sempre: uma camisola velha e um robe fino que quase não cobre nada. O tecido coça na pele machucada, mas já me acostumei. Aqui, a dignidade se perde junto com a primeira lágrima.

Saio do quarto e sigo para o refeitório, um cômodo abafado no andar de baixo, com mesas de madeira velha e bancos que rangem a cada movimento. As luzes amareladas piscam às vezes, e o cheiro é uma mistura de comida gordurosa com cigarro barato.

As outras garotas já estão lá. A maioria finge que não me vê. Algumas nem disfarçam o desprezo. Sussurram entre si, riem baixo, me lançam olhares rápidos, como se eu fosse frágil demais para estar ali. E talvez eu seja mesmo. Frágil demais… ou burra demais por ainda tentar encontrar sentido onde não tem.

Ava é a única que quebra o silêncio entre nós. Me chama com um gesto da cabeça e b**e a mão ao lado dela no banco. Sento sem dizer nada, tentando ignorar os olhares.

Ela empurra uma tigela com arroz e alguma carne fria pra mim. — Come. Vai precisar de força — diz baixo, sem me encarar.

— Obrigada — murmuro, pegando o garfo com as mãos ainda trêmulas.

Comemos em silêncio por alguns minutos. Ava mastiga devagar, o olhar fixo na parede à frente. Ela parece distante. Ou talvez esteja cansada demais para manter o ar durão de sempre. Aqui, até o silêncio pesa.

— Hoje é ele, né? — ela pergunta de repente, quase num sussurro.

Assinto com a cabeça. Nem consigo responder.

— Você vai conseguir — diz, firme, mas com um fundo de tristeza que ela não consegue esconder. — Só… fecha os olhos. E aguenta.

Dou um meio sorriso, mas meus olhos se enchem. Desvio o rosto e finjo que estou concentrada no prato. Ava respeita o gesto e volta ao próprio silêncio.

Depois da refeição, seguimos a rotina de sempre. Algumas meninas se trancam nos quartos para descansar ou se arrumar. Outras já têm clientes à espera. Eu caminho pelo corredor como um fantasma. Tento não chamar atenção, apenas passar despercebida até a hora que me for exigido.

Volto ao quarto, sento na beirada da cama e fico ali por horas, encarando a parede. Às vezes me levanto, me olho no espelho quebrado, ensaio um sorriso. Tento lembrar como era minha risada antes de vir parar aqui. Não consigo. É como se ela tivesse ficado em outro corpo, em outra vida.

Quando o sol começa a se esconder e o movimento na casa aumenta, sei que está chegando a hora. Ouço os passos mais rápidos, risadas falsas, portas abrindo e fechando, homens entrando, mulheres se ajeitando. A noite começa a engolir o lugar, e com ela, vêm os monstros.

Respiro fundo. Me levanto. Caminho até o pequeno guarda-roupa no canto e pego o vestido preto que me deram no primeiro dia. Curto, justo, vulgar. Feito pra agradar olhos sujos. Passo a mão pelo tecido tentando me convencer de que sou apenas um corpo. Que se eu desligar a mente, vai passar mais rápido.

Sento diante do espelho, pego a base e começo a cobrir os hematomas. Depois o batom vermelho, forte, como se a cor pudesse me proteger de algo. Por fim, rímel e delineador. Me olho uma última vez. A maquiagem cobre a dor, mas não apaga o olhar cansado. Ainda sou eu ali. Perdida, mas de pé.

O relógio marca oito da noite.

É hora de descer.

Respiro fundo e desço, tentando manter o rosto erguido e o olhar sedutor que Austin tanto exigia. Engulo em seco, os pés vacilando levemente ao sair do quarto, mas me forço a andar com firmeza. Não posso demonstrar medo. Não posso deixar que ele veja.

O salão está cheio. Mais cheio do que nunca.

Homens de todos os tipos ocupam cada canto. Alguns assistem às garotas dançarem no palco com olhos famintos, outros estão no bar rindo alto ou com uma mulher no colo. A maioria tem uma aliança no dedo — esposas em casa, amantes no inferno. Nojo. É isso que sinto de todos eles.

E então, no meio do caos, meus olhos encontram os dele.

Danny.

Está em um canto mais afastado, conversando com um dos empregados. Sem mulher ao lado. Terno bem alinhado, cabelo um pouco bagunçado, como se tivesse passado os dedos algumas vezes enquanto pensava demais. Meu estômago se revira. Desvio o olhar imediatamente, me lembrando do que Austin deixou claro: se eu me aproximasse dele de novo, ele me faria sangrar.

Fico parada no meio do salão, sem saber o que fazer. Procuro Ava ou o próprio Austin. Preciso que alguém me diga onde ir, com quem ficar. Quero terminar logo com isso, tirar esse peso do peito. Mas não os encontro. Nem um nem outro.

Suspiro, frustrada. Dou meia-volta para voltar ao meu canto, mas esbarro com um corpo firme e alto. O cheiro dele chega antes mesmo de eu erguer os olhos.

É ele.

Danny.

Seus olhos verdes me encontram de novo, e por um instante parece que o salão inteiro desaparece.

Ele sorri de leve, suavizando a expressão.

— Você tem fetiche em esbarrar nas pessoas… ou só em mim?

— Desculpa, senhor. Não irá acontecer novamente — digo rápido, já tentando passar por ele. Mas sua mão segura meu braço com gentileza.

— Calma — diz ele, com um tom calmo demais pra esse lugar. — Você está sem cliente, não está? Então não tem problema falar comigo.

— Eu… realmente preciso ir. Meu cliente está me esperando — minto, esperando que ele entenda a indireta e me deixe.

Mas ele franze levemente o cenho e aperta os lábios, desconfiado.

— Está mentindo. Se tivesse cliente, estaria com ele.

— Eu não quero confusão. Por favor… não quero me meter em problemas — digo mais baixo, a voz quase falha. Ele não sabe do que Austin é capaz.

— Problemas? Por quê? — ele pergunta, agora com a voz um pouco mais séria. — Que tipo de problema você teria só por falar comigo?

Desvio os olhos. Não posso dizer. Ele não entenderia. E se entendesse… só pioraria tudo.

— É melhor eu ir — murmuro, soltando meu braço.

Mas, nesse instante, vejo algo por cima do ombro dele. Austin. E o velho. Ambos olhando ao redor, como se me procurassem. Congelo. Eles não me viram ainda. Fico parada, e quase instintivamente dou um passo à frente, ficando bem na frente de Danny, usando seu corpo como escudo.

Ele percebe.

— Você tá se escondendo?

— Não — respondo rápido demais.

Mentira.

Suspiro, cansada, e olho para ele.

— Certo. O que quer falar comigo?

Ele me observa por alguns segundos antes de perguntar:

— Por que uma prostituta estaria chorando?

Meu coração aperta. Odiava ser chamada assim. Eu não tinha preconceito com quem escolheu essa vida, mas eu não escolhi. Nunca foi o que quis. Não queria ser vista assim, ser chamada assim… mas tive que aceitar. Porque, de qualquer forma, eu era.

— Eu não estava chorando — respondo de imediato, mas ele arqueia uma sobrancelha. Não acredita.

Desvio o olhar, o coração apertando. Então invento a primeira mentira que me parece aceitável.

— Tinha acabado de descobrir a morte da minha mãe — digo, abaixando a cabeça. A dor que surge não é pela mentira, é por não sentir nada ao dizer isso.

“Realmente queria que ela estivesse morta. Espero que esteja. As pessoas acham que o que eu mais odeio é o Austin… Mas não. Ele é o segundo. A primeira foi ela. A mulher que me colocou nisso sem um pingo de coração. Depois de ter me vendido, ela nunca me procurou ou quis saber de mim. Fiquei dias esperando que ela me buscasse, esperando que ela entrasse por aquela porta e dissesse: ‘perdão, filha, vamos ficar juntas novamente.’ Mas isso nunca aconteceu. Senti falta dela, mesmo sabendo que ela nunca foi uma boa mãe. No começo doeu, mas depois entendi… ela nunca me amou. Só me vendeu. Tudo que eu passo hoje é culpa dela. Comecei a odiá-la. E a me odiar também, porque me pareço com ela. Cabelos loiros, olhos castanhos. A cópia.”

Danny solta uma risada forçada, amarga.

— Impressionante. Além de se venderem, ainda são insensíveis — diz, balançando a cabeça com um sorriso falso.

O olho, confusa. O que ele quis dizer?

— O quê? — pergunto.

— Eu disse que, além de se venderem, ainda são insensíveis. Sua mãe morre e um dia depois você continua trabalhando? Porra, era sua mãe — ele diz, incrédulo e irritado.

Sinto a tristeza subir por dentro, mas também um ódio. Ele não sabe de nada. Gosta de julgar sem saber. Cruzo os braços, me irritando.

— E quem é você pra falar alguma coisa? Você é só mais um cliente que tá aqui pra comprar uma transa.

Ele me olha chocado, incrédulo. Eu também não sei o que deu em mim, mas não aguentei. E sei que, se Austin souber… eu estou ferrada.

— Você acha que eu sou cliente dessa merda? Se dependesse de mim, esse lugar já teria sido fechado há muito tempo.

O encaro, confusa. Realmente achava que ele era só mais um dos que vinham aqui se aproveitar.

— Então o que está fazendo aqui?

Ele abre a boca para responder, mas somos interrompidos por uma voz conhecida:

— Lily! O que estava fazendo? O senhor Austin estava maluco te procurando! — escuto Ava se aproximando.

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