NA MADRUGADA

Eu fiquei meia hora na escada do prédio tentando disfarçar a frustração que eu sentia por ter um ex-namorado idiota. Com a testa franzida e as sobrancelhas quase juntas, eu fiquei encarando o nada por um bom período de tempo e cheguei até a assustar alguns moradores que passavam pela escada e me viam de surpresa sentada ali, com uma expressão não muito agradável. É que só tinha homens em casa e ninguém para conversar sobre isso que passei, e nem eu mesma sabia identificar o que estava sentindo.

— Respeitando o horário, quem diria… — Usou seu costumeiro ar de superioridade que me dava tédio, mas não estava disposta a virar o olho dessa vez.

             

            — Venha jantar. — meu pai chamou.

            — Não estou com fome.

            — Comeu aonde então? — Rafael questionou e Lucas riu de como ele era superprotetor e obsessivo comigo.

            — Isso não é da sua conta — eu disse alto, mas ainda assim, desanimada.

            — Gisele, não é assim que você fala com seu irmão. — Engasguei com a indignação. — Aonde você comeu? — meu pai perguntou.

            — ISSO TAMBÉM NÃO É DA SUA CONTA! — gritei e saí rápido para meu quarto.

            — Como é? — O senti se levantando e indo atrás de mim, enquanto Lucas e Rafael estavam rindo lá embaixo da reação do meu pai.

Antes que eu pudesse trancar a porta, ele entrou notavelmente bravo com o meu grito.

            — Você pode, por favor, sair? — perguntei irônica.

            — Não, na verdade eu não posso. Irei poder quando você me disser onde estava — ele falou irritado.

            — Pai, quando o Rafael sai com o amigo dele, você não questiona todos os movimentos que ele fez — eu disse em tom explicativo para ver se ele entendia a hipocrisia.

            — Rafael é maior de idade — concluiu.

            — Então quando eu for maior de idade vou poder dar a louca e sair por aí sem dar satisfação? — questionei mais uma vez irônica.

            — Tenho alguns meses para pensar sobre isso. — Ele falou com sarcasmo, pois era óbvio que não mudaria nada quando eu fosse maior de idade.

Respirei fundo. Não estava com disposição para ter essa discussão. Se ele ficar mais alguns minutos nesse quarto eu acho que vou começar a chorar e depois para explicar que estou chorando porque meu namorado frustrou todas as minhas vontades de transar, demonstrando-se um fofoqueiro de quinta, seria difícil.

            — Eu saí com Camila para o shopping, vi algumas roupas, ela me pagou um lanche lá. Não estou com fome. — Fui mais assertiva possível para que ele saia daqui logo.

Ele examinou a minha reação ao tirar os sapatos e colocar a bolsa rosa na cadeira da escrivaninha.

            — E por que parece desanimada?

            — Não tinha dinheiro para comprar nada — eu disse, parecendo natural.

            — Precisa de um pouco? — ele questiona.

Dei de ombros.

            — Eu preciso deitar. O shopping estava cheio e acabei ficando com dor de cabeça. Posso? — Vou à caminho da porta para que ele saia.

Ele me acompanhou e me deu um beijo na testa.

            — Depois vai comer alguma coisa. — E saiu logo em seguida.

Ele mal saiu do quarto e eu já deixei a armadura de lado e fui tomada por um baixo-astral completo. Tirei o short, deitei ao lado da cama só de camisa e evitei lembrar o que estava fazendo ou imaginar o que poderia estar fazendo agora. Talvez não fosse para ser desse jeito. Não fosse para acontecer com ele. Fiquei irritada pelos nove meses de energia que eu gastei nesse relacionamento sem um pingo de futuro, mas acho que tenho que me conformar.

Liguei para Camila e pedi que ela passasse um tempo aqui em casa, para que dormisse e me tirasse desse humor horrível que eu estava sentindo, mas ela não pôde vir porque ia ter a “noite de jogos em família”, já que seus pais estavam passando por uma crise no casamento. E foi nesse ponto do dia, que eu tive vontade de chorar. Não por causa do término, não por causa da falta de sexo, mas sim porque eu não tinha como conversar sobre isso. Não tinha uma pessoa sequer para contar como foi tudo e desabafar. Então eu me rendi e comecei a chorar baixinho no meu quarto, deitada.

Senti-me uma traidora por pensar isso, mas eu queria que minha mãe estivesse aqui. E ainda bem que as pessoas não conseguiam ler pensamentos, porque senão, meu pai ia me estapear por pensar isso. Acontece que minha querida mamãe, Ana Paula, deixou meu pai por um americano e foi morar com ele em Los Angeles. Ela tem uma vida plena, tem dois filhos com Frank, gêmeos ainda por cima, e desde meus quatro anos de idade, não apareceu. Nem sequer para uma visita. Então não era só ruim desejar ela aqui, também era ruim pensar o quão idiota estou sendo por querer isso.

Por volta das três horas da madrugada, quando a casa estava silenciosa, desci para fazer um lanche.

Não sabia quantas vezes Igor tinha ligado, ou tinha se dado ao trabalho de ligar, pois bloqueei seu número, mas estava morrendo de curiosidade. Encostei a cabeça na pia, com as costas curvadas, com os olhos cheios de lágrimas e com os pensamentos a mil, pronta para abrir o berreiro a qualquer momento, quando Lucas tocou nas minhas costas.

            — Você está bem? — ele perguntou cuidadoso demais. Fiquei em pé e disfarcei o mais rápido possível virando para o lado e secando as quase lágrimas que caíam.

            — Estou ótima. Só com um pouco de dor de cabeça — eu disse, nada natural.

Ele me encarou. Não, ele não acreditou em nada do que eu disse. Mas não me dei o trabalho de inventar outra desculpa ou parecer mais espontânea.

            — Você está chateada com algo — ele falou. O encarei por alguns segundos para entender se foi uma pergunta ou afirmação.

            — Para falar a verdade, Lucas, eu estou sim. — eu disse pegando o leite da geladeira e servindo em um copo. — Você quer? — Ele assentiu com um pouco de curiosidade, esperando que eu completasse o que estava falando.

            — Com o que anda chateada? É com seu irmão? — Ele me surpreendeu na pergunta.

            — Por que ficaria chateada com ele? — questionei enquanto servia o seu leite.

            — Você sabe… Por ele ser controlador demais — falou com cuidado.

Dei risada.

            — Me acostumei com o jeito possessivo do Rafael quando tinha oito anos, fui comprar algo na padaria e depois ele rasgou o short que eu usei, porque estava “curto demais” — falei com um tom de sarcasmo que saiu de uma forma natural.

Lucas deu risada também.

            — Ele gosta de tomar conta de você. — Ele fez essa tentativa patética de defender meu irmão. Achei fofo.

            — É. Ele só precisa aprender a diferença de “tomar conta” para “psicopatia”… — comentei cortando meus pensamentos sobre como ele era bonitinho e leal ao Rafa.

            — Então você está chateada com ele? — ele perguntou colocando o achocolatado no leite.

            — Estou chateada com ele quase todos os dias. Hoje, estou chateada com outras coisas. — Levantei a sobrancelha e sorri.

Coloquei o achocolatado no meu leite e fui em busca do pão tentando me recompor. Não precisei olhá-lo para perceber que me encarou com extrema pena do que poderia ter acontecido.

            — Tipo? — ele questionou. E eu senti que não falou com maldade, não com curiosidade, mas sim com cuidado. Um cuidado diferente do de Rafa. Chegou até ser um pouco charmoso.

            — Tipo… Um milhão de coisas — resisti. Não podia contar a ele meus problemas sexuais e emocionais.

            — Que coisas? — Ele se aproximou e tirou o saco de pão da minha mão.

            — Você promete não contar ao Rafa? — perguntei baixinho, com culpa, as bochechas rosadas e o cabelo desgrenhado. Não devia ser um dos meus melhores momentos. Lucas recuou. Ele iria contar. — Esquece — eu disse passando por ele e indo para a sala.

Sentei no sofá, liguei a TV e procurei um programa que fosse de comédia ou algo do tipo.

            — Eu prometo — ele falou quando entrou na sala e sentou ao meu lado.

Eu fiquei em silêncio por alguns segundos me perguntando se ele estava blefando e se eu seria burra demais para contar a verdade a ele.

            — Gisele… Eu não vou contar. — Prometeu novamente, transparecendo mais certeza.

Quando olhei para ele, engoli em seco. Olhei para frente e organizei meus pensamentos. Com qual parte vou começar? Abaixei a cabeça e percebi como isso era idiota. Olhei para ele de novo como quem desistiu de abrir a boca.

            — O que foi? — ele perguntou ao meu lado, curioso e preocupado ao mesmo tempo.

            — Eu terminei com meu namorado e estou meio frustrada porque nesse tempo todo de namoro, minha vida sexual foi uma droga — eu disse direto ao ponto, falando rápido demais e evitando olhar para ele.

            — Ok, eu não sei se devia estar ouvindo isso. — Lucas levantou do sofá como se tivesse visto um fantasma.

            — Lucas… Não vai. – Sorri para ele achando engraçado seu jeito desconfortável. Será que a essa altura do campeonato, alguma menina deixava Lucas sem graça? Senti-me honrada. — Você entende melhor que o Rafa… — Dei espaço para ele sentar de novo. 

Fiz a perna de índio para ficar de frente para ele. Lucas estava envergonhado por estar participando dessa conversa e no fundo eu me diverti um pouco.

            — Então… Por que… Por que… O que aconteceu?  — Lucas perguntou com cuidado.

            — Minha vida sexual é uma droga. — Repeti de propósito, me divertindo com ele.

            — Certo — falou evitando me olhar.

            — Igor é um idiota. Ele é o tipo de garoto que vai sair contando tudo para quem quiser ouvir sobre o que nós fazemos e meu pai vai saber, e Rafa vai saber, e tudo vai ser um desastre… — disse de forma infeliz e conformada tentando disfarçar o fato de ainda não ter feito sexo.

            — Nossa, nem me fale. Se Rafael souber ele vai matar você e ele          — Lucas avisou como se fosse alguma novidade.

            — Obrigada. É muito bom seu apoio — disse com sarcasmo.

Ele sorriu um pouco e eu sorri de volta sem nem saber o porquê, talvez fosse só porque o seu sorriso induzia a isso.

            — Sabe, sexo é natural. Seu irmão vai entender isso um dia quando for sobre você. E seu namorado ou ex-namorado vai saber que fez merda daqui a uns anos — concluiu me olhando com carinho.

            — Como pode ter tanta certeza? — perguntei sem confiança.

            — Porque eu fui como seu ex. E fazer é melhor do que falar, vamos dizer assim… Ele vai aprender isso — ele disse sorrindo de lado.

Eu me odeio por pensar isso, mas ele realmente é muito bonito. Principalmente quando fala frases de duplo sentido no meio da madrugada.

            — Se você estivesse no lugar dele, guardaria segredo? — perguntei curiosa.

            — Eu acho que se tratando de você, sim. Mesmo se eu ainda fosse um babaca de Ensino Médio. — E então sorriu de novo.

De todas as coisas que poderiam passar pela minha cabeça nesse momento, pensei na mais inesperada. Camila. E a sua ideia louca de que se eu saísse com Lucas ele nunca contaria nada para Rafael, e eu poderia finalmente perder a virgindade sem medo de ser descoberta pelo ciúme do meu irmão.

            — Você vai contar para o Rafa? — perguntei baixinho com medo da resposta.   — Não, eu não vou. — Ele me encarou por alguns segundos, depois passou a mão no meu cabelo e o colocou atrás da orelha, com cuidado.

Fiquei um pouco intimidada com a situação, mas ao mesmo tempo com um nervoso gostoso passando pelo corpo.

— Obrigada, Lucas. — Sorri por fim, sem saber prolongar a conversa.

Ele levantou do sofá com calma e eu vou o observando.

            — Vou subir você vem?

            — Não, vou comer e assistir alguma coisa.

            — Beleza. Boa noite, Gi. — Ele se aproximou e me deu um beijo na testa.

Eu vou observando ele subir as escadas. Por mais que eu entenda que seja errado nutrir qualquer vontade de ficar com o melhor amigo do meu irmão, e que também pareça uma ideia pra lá de burra, eu não podia negar que fazia sentido. E nesse momento, não fazia só sentido, me fazia ficar com vontade.

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