Isabel Matarazzo
A espera era uma faca girando lentamente nas minhas entranhas. Cada segundo que pingava no relógio invisível do corredor me esfaqueava de novo. Ela está ali. Atrás daquela porta. Minha filha. Minha Vitória.
E eu aqui, encarcerada num corredor gelado, separada dela por meros metros que pareciam abismos. Andava de um lado para o outro, como um vaga-lume enlouquecido batendo as asas contra uma vidraça invisível. Os pés arrastavam-se no piso frio, os dedos entrelaçados num nó de angústia tão apertado que doía.
— Meu Deus… — a súplica escapou num sussurro ferido, colando-se às paredes brancas e indiferentes. — Que tortura é essa? Minha menina tão perto… o cheiro dela ainda no meu colo… e eu sem poder tocá-la, sem poder sussurrar que tudo vai ficar bem. Sem poder provar que meu amor é real.
Encostei a testa ardente na parede fria, fechei os olhos. O rosto dela veio como um raio: olhos assustados, a palavra “MENTIROSA!” ainda ecoando nos meus ossos. Um tremor cortou minha espinha. Será que um dia ela vai me perdoar? Será que algum dia...
Então a porta rangeu.
Foi um som mínimo, mas soou como um trovão no silêncio opressivo. Meu corpo reagiu antes da mente. Endireitei-me num sobressalto, o coração saltando como se quisesse rasgar as costelas. A porta abriu-se devagar. Primeiro vi Eduardo — seu rosto um mapa de preocupação e esperança contida. Ele assentiu com a cabeça. Seus olhos diziam tudo: Ela está pronta. É agora.
E então… ela apareceu.
Tão pequena. Tão frágil. Metade escondida atrás da perna do Eduardo, os dedinhos enrolados na barra da calça dele. Seus olhos, vermelhos e inchados de tanto chorar, encontraram os meus. E ali havia medo, sim. Mas havia algo novo, algo delicado e frágil como a primeira luz da manhã: uma hesitação que não era mais negação… era um pedido.
— Mamãe… — não foi um grito. Foi um sopro, um fio de voz quebrado, carregado de oito anos de ausência e uma hora de revelação. Uma palavra apenas, e eu já estava em ruínas.
Não pensei. Não respirei. Só corri.
— Vitória! — meu grito foi um jorro de amor, culpa, saudade, desespero e entrega. Meus pés dispararam pelo corredor vazio, mas eu só via ela. Só sentia o vácuo entre nós se fechando.
Ela soltou a perna do Eduardo e deu um passo tímido. Seus bracinhos se ergueram — um gesto puro, infantil, desesperado. Um gesto que partiu o que ainda restava de mim.
Quando meus braços a envolveram, ajoelhada ali, puxando-a para meu peito, foi como se o mundo finalmente parasse de doer. Seu corpinho magro encaixou-se perfeitamente contra o meu. Enterrei o rosto nos cabelos dela, aspirando seu cheiro: de talco, hospital… e dela. Da minha filha. Minha filha reencontrada.
Eu soluçava. Desarmada. Derretida. Ajoelhada. Vencida e salva por aquele abraço.
— Mamãe… você está triste? — ela perguntou baixinho, acariciando meu rosto. — Você não quer mais ser minha mamãe?
— Nunca! — respondi num sussurro carregado. — Eu só estou emocionada, meu amor. Nunca vou te deixar. Te procurei durante oito anos. Oito longos anos. Agora... agora só vai ter amor. Eu prometo. Vou te dar tudo que você merece, cada pedacinho do meu coração, minha vida.
— Tá bem, mamãe… — ela sussurrou com um sorriso que desatou meu pranto de vez.
— Fala de novo… por favor…
— Mamãe… mamãe — ela repetiu, me beijando com carinho. — Deuzinho me disse que um dia eu ia encontrar a minha mamãe. Mas nunca imaginei que ela seria tão linda. Este é o melhor milagre da minha vida.
— Você é o meu milagre, minha filha. Minha Maria Vitória. E a gente ainda vai viver muitos sonhos juntas.
Ela me olhou com os olhos grandes e puros.
— Eu não tenho mais sonhos, mamãe… — sussurrou, me abraçando forte. — O que eu tinha… eu acabei de realizar.
— Então vamos sonhar tudo de novo. E assim que você tiver alta, eu vou te levar ao “shopping dos sonhos”. Vamos andar por lá e pegar tudo que a gente quiser viver. Juntas.
Foi então que ouvimos um chorinho agudo, vindo do quarto ao lado.
Vitória arregalou os olhos.
— Peraí… se a senhora é minha mãe… e aquele bebê é seu… ele é meu irmãozinho?! — disse, empolgada.
— É sim, meu amor. Seu irmãozinho fofinho — falei, pegando-a no colo. — Vamos socorrer ele!
Entramos juntas no quarto. O Eduardo já havia tirado o bebê do carrinho. Eduardo Manoel estava vermelho, chorando forte, as mãozinhas cerradas no ar como se buscasse consolo no universo.
— Oi, maninho… — Vitória disse, acariciando de leve o pezinho dele. — Não chora, tá? Sua irmã tá aqui agora. E a nossa família também.
— Ele tá com fome — falei sorrindo. — Eduardo, segura a Vitória um pouquinho? Vou dar de mamar pro nosso pequenino faminto.
Ela foi para o colo dele sem hesitar. E ali, nos braços daquele homem que nunca foi seu pai biológico, mas que a olhava com tanto carinho e admiração, Vitória o observou em silêncio… até perguntar:
— Tio Eduardo… você é meu pai também?
Ele sorriu, com os olhos marejados.
— Não sou seu pai de sangue, meu anjo… Mas se você deixar… posso ser seu pai do coração.
Vitória franziu o nariz como se pensasse profundamente… e então encostou a cabeça no peito dele.
— Então você já é, né? Porque meu coração já te escolheu faz tempo…
E ali, naquele quarto de hospital iluminado por lágrimas, promessas e pequenos milagres, uma nova família nascia. Incomum, reconstruída com retalhos de dor e esperança. Mas inteira. E cheia de amor.
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Finalmente a Vitória recebeu alta. A viagem até a casa foi silenciosa.
Vitória estava no banco de trás, com o urso no colo, o olhar grudado na janela do carro. O mundo lá fora parecia grande demais, barulhento demais. Como se ela tivesse saído de um casulo onde tudo era controlado e agora estivesse exposta ao imprevisível.
Minha sogra foi falando devagar, apontando as ruas, os canteiros floridos, as praças.
— Ali tem uma sorveteria com gosto de céu… E aquela pracinha ali é cheia de gatos gordinhos que dormem no sol da tarde…
Vitória deu um sorriso pequeno, mas verdadeiro. E isso já era muito.
Quando chegamos, Eduardo abriu o portão devagar. Como se quisesse dar tempo ao coração dela de entender que não era um sonho.
— Bem-vinda ao seu lar, campeã — disse ele, abrindo a porta principal com aquele ar de cavalheiro protetor que só ele tinha.
A casa estava toda florida. Minha sogra enfeitou com balões pequenos e uma faixa feita à mão que dizia:
“Vitória, você é o nosso presente!”
Ela ficou parada na entrada. Olhando tudo com uma expressão de espanto.
— Essa… é minha casa?
— É sua — confirmei, com os olhos marejados. — E é só o começo.
Vitória tirou os sapatinhos devagar e tocou os azulejos com os pés descalços. Andou pela sala com o olhar maravilhado. Tudo era novo. Tudo era dela.
Até que ouviu um chorinho vindo do outro cômodo.
Ela congelou.
— O meu irmãozinho, Manny, a sua mana já está indo — ela gritou e saiu correndo em direção ao choro.
Ela já foi direto para o quarto dele só seguindo o som.
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Entramos devagar no quarto iluminado. O berço estava encostado perto da janela, onde a luz entrava suave. Eduardo Manoel estava lá, esperneando com as mãozinhas para cima, como se já soubesse que algo especial ia acontecer.
Vitória se aproximou lentamente, como quem se aproxima de um segredo precioso.
— Oi Manny, lembra de mim?
— Posso pegar nele?
— Vamos fazer assim — falei. — Senta ali, na poltrona, e eu coloco ele no seu colo. Pode ser?
Ela assentiu, ansiosa, mas com cuidado.
Ajeitei o bebê em seus braços pequenos e inseguros. E foi como se o tempo parasse.
Vitória olhou para o irmãozinho com tanto encantamento que o ar pareceu desaparecer do quarto. Ela tocou a bochechinha dele com o dedo e sussurrou:
— Oi, neném… você lembra de mim?
O bebê abriu os olhinhos por um segundo e deu um resmungo engraçado.
Ela riu baixinho.
— Ele é tão quentinho... parece um pãozinho.
— Ele te reconheceu — falei, com um nó na garganta. — Ele esperava por você.
— Ele é meu?
— Todo seu — respondi, mesmo que só por dentro eu soubesse o quanto isso significava.
Ela ficou ali, embalada num silêncio que dizia tudo. Sem perceber, começou a cantarolar uma musiquinha de ninar que ouviu no hospital. E o bebê fechou os olhos, como se a voz dela fosse um abrigo.
Minha sogra me abraçou de lado. Eduardo nos olhava emocionado da porta.
— Meu netos são muitos fofos— sussurrou ela.
— Sim — murmurei. — Meus filhos são perfeitos
Vitória beijou a testa do irmão.
— Você veio me salvar, né?
E naquela hora, percebi que o amor deles não precisava de explicações.
A alma já sabia.
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Era fim de tarde. O céu tingido em tons de dourado, e a casa exalava aquele perfume de café fresco e risada de criança.
Vitória estava no tapete da sala com Eduardo Manoel, agora com meses de pura fofura — bochechas redondas, olhos curiosos e sorrisos desdentados. Ela fazia vozes engraçadas, erguia bichinhos de pelúcia e narrava histórias onde os dois eram príncipes e magos numa terra mágica chamada “NossoQuarto”.
Eu observava da cozinha, com um sorriso bobo no rosto, os olhos marejados de gratidão.
Dois dos meus filhos estavam ali, comigo.
Vivos. Amados. Unidos.
Só faltava um.
E o coração sentia falta todos os dias. Mas agora... agora havia espaço também para sonhar com mais.
Mais tarde, depois do banho e da última mamada do dia, sentei-me no sofá com Eduardo.
Na semana anterior, ouvi ele conversando com o novo paquera. Falava baixinho, mas eu escutei: “Quero ter filhos, pelo menos um que tenha o meu sorriso...”. Aquilo ficou martelando na minha cabeça desde então.
Deitei minha cabeça no ombro dele. Ele fazia cafuné nos meus cabelos enquanto Vitória assistia a um desenho ao nosso lado, os pés gelados enfiados debaixo das minhas pernas.
Com o bebê dormindo no meu colo e o peito ainda quente de leite, olhei pra eles dois e falei, quase como quem sonha em voz alta:
— E se a gente aumentasse a família?
Vitória foi a primeira a reagir. Sentou tão rápido que quase deixou o tablet cair no chão.
— MAIS UM IRMÃO?! DE VERDADE?! MÃE, POR FAVOR!
Ela agarrou meu braço com força, os olhos brilhando de pura alegria.
— Já pensou? Seríamos quatro! E eu posso ajudar a escolher o nome! Prometo trocar fraldas! Eu juro juradinho!
Eu ri, surpresa com a empolgação dela.
Eduardo arqueou as sobrancelhas, encenando um choque dramático.
— Espera… você tá falando sério?
— Tô — respondi, olhando nos olhos dele. — Eu achava que nunca ia ter mais filhos… Mas depois do Eduardo Manoel, depois de tudo que vivemos… eu senti que posso. Que quero. Que estou viva de novo.
Ele não disse nada. Só apertou minha mão. E sussurrou no meu ouvido:
— Depois que as crianças dormirem... a gente conversa com calma.
Com a casa em silêncio e o som distante de um móbile girando no quarto ao lado, fomos pra varanda.
A noite estava morna. As estrelas salpicavam o céu, como se estivessem ouvindo tudo.
— Isabel… a gente não vai conseguir mais sêmen do Manoel — ele começou, com delicadeza. — Você sabe disso. E eu sei o quanto ele significou pra você.
— Eu sei, Eduardo — interrompi, com ternura. — Mas eu não tô falando do Manoel. Eu quero um filho seu.
Ele congelou.
A boca entreaberta. Os olhos marejaram quase que instantaneamente. E, como se o mundo tivesse parado de girar, ele me puxou num abraço apertado, como se quisesse me proteger do próprio milagre que estava acontecendo.
— Você tá dizendo… que quer um filho meu?
— Quero. Do homem que me ajudou a sobreviver quando tudo desabou. Que ama meus filhos como se fossem dele. Que me deu uma nova chance de construir uma vida, mesmo sem prometer amor romântico. Só... amor.
Eduardo passou as mãos no rosto, rindo nervoso, emocionado.
— Eu… eu sou o homem mais feliz do planeta. Tipo, nível interestelar. Você tem ideia do que isso significa pra mim?
— Significa que vamos fazer isso acontecer — sorri. — Posso ligar pra clínica de fertilidade amanhã?
Mas, em vez de responder, ele levantou subitamente e desapareceu corredor adentro. Volta minutos depois com um pote quente e uma seringa nas mãos.
— Eu... vi um vídeo sobre inseminação caseira. Se você não quiser...
— Você já fez o trabalho — dei de ombros com um sorriso. — Não custa tentar.
Higienizei tudo com cuidado, subi para o quarto, e fiz o procedimento com tranquilidade. Depois fiquei deitada, pernas para cima, com o coração levemente acelerado. Eduardo ficou na porta, nervoso e encantado.
— Obrigado, meu amor — ele disse, com a voz embargada.
— Amanhã eu ligo pro médico. Vamos fazer tudo certinho. Sem pressa.
— Você está certa. E o nosso menino... só tem seis meses. Temos tempo — respondeu ele, entrando e sentando-se ao meu lado. Me puxou devagar, colocando minha cabeça no colo dele, com a delicadeza de quem segura algo precioso.
Silêncio confortável.
— Isa… você nunca pensou em se envolver com alguém? Amar de novo?
Respirei fundo. Aquela pergunta sempre vinha de tempos em tempos. Mas vinda dele, tinha um tom diferente. Não era pressão. Era cuidado.
— Você sabe que eu não quero mais — sussurrei. — O Manoel foi o amor da minha vida. E quando ele morreu, foi como se uma parte de mim tivesse sido enterrada junto. Desde então, eu apenas... continuei. E acho que até encontrar o meu menino eu não posso pensar em mim.
— Mas deveria, você é uma pessoa incrível, e sei que você sente falta, as vezes eu evito de conta dos meus casos pós vejo que você também queria viver isso...
— Claro que sinto falta Edu... Eu não beijo ninguém há mais de 10 anos, eu ainda sou mulher, mas acho que nem sei mais fazer estas coisas, mas por agora eu estou feliz em apenas ser mãe, eu me senti tão viva depois do Eduardo Manoel, de reencontrar a Vitória eu quero ter tempo para ele e para o meu menino, e você pode contar todos os seus encontros, eu preciso saber desde sempre quem vai ser o padrasto dos meus filhos. Você nem me mostrou a foto deste.
— Você tinha que ver a cara do meu atual quando eu disse que tínhamos que tirar uma foto para a minha esposa aprovar — ele falou pegando o celular e me mostrando a foto dos dois.
— Aí Edu, você já teve mais bom gosto, este parece aqueles homens héteros preconceituosos...
— Eu amo que você descreve as pessoas só de olhar para elas, foi horrível, ele também é casado, só que não é como a gente, ele tem três filhos que ele não suporta muito, quando ele falou dos filhos me deu vontade de ir embora...
— Mas o corpo sarado te pegou né, usaram camisinha, não quero ter pego nenhuma doença — falei e ele riu.
Ele riu alto com meu comentário, jogando a cabeça pra trás como fazia quando se entregava por inteiro à risada.
— Claro que eu usei, não estou doido ainda. Você acha mesmo que eu ia fazer essa inseminação com o combo “sêmen+surpresinha”?
— Nunca se sabe. Às vezes o amor cega… outras, só deixa burro mesmo — brinquei, olhando de volta pra tela do celular com a foto do “atual”.
— Tá. Confesso. Ele é bonito. Corpo de quem vive de espelho e academia. Mas, Isa... foi só distração. Aquele tipo de gente que te atrai por fora e esvazia o quarto com meia dúzia de frases.
— E você quer alguém que fique, né? Que preencha o quarto, o peito e os silêncios.
— Quero. Cansei das distrações. Dos encontros que duram só até a próxima mensagem visualizada e ignorada.
Ficamos em silêncio por um instante. Eu ainda deitada, pernas apoiadas, a cabeça no colo dele. Os dedos dele brincando com meu cabelo.
— Às vezes eu penso que talvez... talvez seja isso mesmo, sabe? — murmurei. — Que tem gente que vive um grande amor na vida. Um só. E eu já tive o meu. Não preciso mais.
— Mas não é sobre precisar — ele disse, baixo. — É sobre permitir. Amar de novo não apaga o amor que já existiu. Não diminui. Não trai. Só... acrescenta.
Fechei os olhos, deixando o peso daquelas palavras me atravessar.
— Às vezes, Edu... eu queria beijar alguém. Só isso. Um beijo. Sentir aquela vertigem de novo. Só pra lembrar que ainda tô aqui. Que não virei só mãe, só cuidadora, só presença segura. Mas mulher. Com pele, desejo e pulso.
— Então beija — ele respondeu com doçura. — Um dia. Quando sentir que pode. Que quer. Que merece. E eu vou estar aqui, do seu lado, aplaudindo como se fosse a estreia de uma peça linda.
Sorri, emocionada.
— Você sabe que é o amor da minha vida, né?
— E você o meu — ele respondeu, sem hesitar.
— Mesmo que não seja aquele amor?
— Justamente por não ser. Porque o nosso amor não depende de desejo, de obrigação, de promessas. Ele só existe. Firme. Leal. Inquebrável.
— E se eu me apaixonar por alguém um dia?
— A gente manda um formulário, pede atestado de bons antecedentes, exige carta de recomendação, e eu pessoalmente interrogo ele com um olhar intimidador de padrasto moral.
Eu gargalhei.
— Vai espantar todos.
— Só os que não forem bons o bastante.
Ficamos ali. Um silêncio confortável preenchendo o quarto. Lá fora, o céu já escurecia de vez. Aqui dentro, entre uma conversa boba e outra profunda, estávamos construindo um novo capítulo.
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Na manhã seguinte quando eu ia marca o médico o Eduardo Manoel amanheceu febril.
— Eu vou deixa para marca amanhã — falei para o Eduardo enquanto pegava as coisas do meu bebê.
— Não tem pressa, deixa o nosso bebê crescer mais um pouco quando ele fizer dois anos a gente tenta outro.
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Dois meses se passaram.
Eduardo Manoel estava naquela fase maravilhosa de bebê: bochechas mordíveis, sorrisos banguelas e o dom de só dormir quando sentia cheiro de cabelo de mãe.
Vitória agora se achava uma mistura de babá, obstetra e coordenadora de creche: organizava brinquedos, dava “aula” de etiqueta pros bichos de pelúcia e fazia o “almoço” de massinha — servindo tudo em pratos de brinquedo com talheres cor-de-rosa e guardanapos de papel higiênico.
Mas eu? Eu estava um caos.
Tudo começou com um enjoo discreto. Depois uma tonturazinha. Aí veio o sono do capeta, o suor inexplicável, e por fim... até o cheiro do café, que antes era meu amor da vida, agora parecia um tapa na cara.
— É estresse, Edu. Ou virose. Ou o planeta retrógrado — murmurei enquanto caía no sofá, abraçada a uma almofada como se ela fosse um colete salva-vidas.
— Isa, ontem você quase desmaiou mexendo arroz.
— Eu tô dormindo mal — falei, tentando disfarçar o pânico.
Vitória me cobriu com um cobertor de unicórnios.
— Fica de repouso, mamãe. Vai que é peste bubônica.
Obrigada, G****e.
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Justo nesse dia, Dona Flora e Seu Amadeu resolveram fazer uma visita “de surpresa”, como sempre fazem. Flora chegou distribuindo beijos, abraços e palpites. Amadeu veio atrás com uma cesta cheia de ovos, pães e aquele ar de “não sei bem por que estou aqui, mas estou feliz com pão”.
Enquanto Josefina preparava o almoço, me sentei encostada na parede da sala. Eduardo pegou o bebê. E Flora… Flora me olhou como quem olha uma TV em promoção.
— Isabel... cê tá com cara boa de grávida.
Quase engasguei com a própria saliva.
— Tô com cara de quem foi atropelada por um trem chamado maternidade — respondi.
— Olha, menina. Eu conheço essa olheira. Esse enjoo. Essa cara de “quero morrer, mas tô sorrindo”. Tá grávida.
Eduardo riu.
— Mãe… a gente se cuida, o Dudu ainda é um bebezinho...
— Se cuidam é? Com três filhos?! Amor, isso aqui já virou uma linha de produção! — ela apontou pro bebê, pra Vitória e depois pro meu útero como se ele tivesse neon piscando.
Eu queria evaporar. Explodir. Ser abduzida. Afinal, ninguém ali lembrava da bendita inseminação caseira dois meses antes. Nem eu.
— Ah, vou ali na farmácia comprar um teste! — Flora decretou, batendo a bolsa no braço como se estivesse indo comprar pão.
— Não precisa! — eu e Eduardo gritamos juntos, no desespero.
— Já volto! — ela saiu com a marcha de quem tá indo resolver a final da Copa do Mundo.
Ficamos parados.
— A gente é burro — murmurei.
— A gente esqueceu da seringa! — ele rebateu. — A gente nunca fez... nada! Mas fez aquilo.
— E se for positivo?
— É o quarto. Já tamo no lucro. Agora é seguir o fluxo.
Flora voltou em menos de quinze minutos com dois testes, um Gatorade, uma bolacha de água e sal e um chiclete.
— O chiclete é porque me deu vontade — ela disse.
Entrei no banheiro com o olhar de quem vai fazer ENEM. Fiz. Esperei. Olhei o teste como quem olha uma bomba. Duas linhas. Duas.
— Edu…
— O quê?
— DUAS LINHAS.
— As duas de positivo ou uma da marca?
— AS DUAS BEM VIVAS!
Saí do banheiro com os testes na mão. Flora já me puxou num abraço que ativou até contração falsa.
Eduardo me olhava com a cara de "meu Deus, somos uma creche". Vitória apareceu do nada:
— MAMÃE TÁ GRÁVIDA DE NOVO? EU QUERO UMA IRMÃ CHAMADA CLEMENTINA!
— Clementina, filha?!
— É o nome da vaca da fazenda do vovô!
Amadeu, com o pão ainda na mão, sorriu:
— Sempre quis ter neto com nome de vaca.
Eduardo passou a mão no rosto e riu alto.
— Isa... esse é o quarto.
— Quarto filho.
— Em um casamento de fachada. — ele falou no meu ouvido me fazendo rir
— E mesmo assim... olha onde a fachada nos levou.
— A fachada engravida, Isabel.
Vitória pulava no sofá, cantando eu vou ter outro irmãozinho.
— Quem teve a ideia de engravidar com bebê de colo? — resmunguei.
— Você — Eduardo respondeu.
— Alguém me interna.
Ele me abraçou, rindo.
— Vamos dar conta, Isabel. A gente sempre dá.
Olhei pro céu e falei baixinho:
— Manoel… se você estiver vendo isso, manda uma boa dose de paciência, um carrinho duplo e, por favor, um bebê que durma à noite.
©©©©©©©©©©©
Continua....
Aí gente eu prometi que era a última parte, mas eu me empolguei escrevendo juro que o próximo será o último bônus