A Dança dos Demônios Internos

Narrado por Sarah:

A porta do escritório de Leonardo Ferrari se fechou com um clique abafado, mas o eco de suas últimas palavras e o calor de seu olhar lascivo ainda reverberavam na minha pele. — Deveria usar mais roupas assim, que te valorizam. — A ironia era cruel. O vestido que eu havia escolhido para me entregar ao homem que amava, o vestido que agora me queimava como uma brasa, foi o que despertou aquele olhar faminto no meu chefe. Leo, o CEO arrogante e sedutor, o homem que eu passara quatro anos evitando e tratando com rédeas curtas.

Minhas pernas tremiam, não apenas pelo choque da traição, mas pela descarga de adrenalina que o encontro com Leo havia provocado. Ele, com seu aroma de whisky e poder, tinha o dom de desestabilizar qualquer um. Mas comigo, era diferente. Eu era a Sarah à prova de Leo. Ou era o que eu pensava.

Sentei-me à minha mesa, as mãos ainda trêmulas. O relatório estava ali, aberto, mas meus olhos não conseguiam focar nas projeções financeiras. A imagem de Marcus e Gabriela se repetia em um loop infernal na minha mente. Aquele corpo nu, os gemidos, as palavras dele... "cavalga seu homem!" O veneno se espalhava em minhas veias, um misto de náusea e uma raiva tão gélida que parecia congelar minhas lágrimas. Eu não iria chorar por ele. Não. Marcus não merecia nenhuma das minhas preciosas lágrimas. Ele não valia a pena.

O que eu faria agora? O noivado. Os planos para o casamento. As conversas com a minha mãe sobre o vestido, a lista de convidados. Tudo se desintegrava em cinzas. Meu mundo, construído sobre a rocha sólida do amor de infância, revelou-se um castelo de areia. E eu estava no meio dos escombros, o vento da desilusão açoitando meu rosto.

Levantei-me, os olhos fixos na porta fechada do escritório de Leo. Ele estava ali dentro, trabalhando, alheio à minha calamidade pessoal. Ou talvez não tão alheio. A forma como ele me olhou... nunca tinha sido tão explícita. O desejo, a irritação, a curiosidade. Ele era um predador, e eu, aparentemente, era a presa recém-ferida, que, em vez de fugir, tropeçou em sua toca.

Comecei a organizar minha mesa, num frenesi de movimentos desnecessários. Era uma forma de canalizar a energia nervosa que me consumia. Minha mente, porém, continuava a divagar. Lembrei-me das outras assistentes de Leo. A maioria era linda, experiente, e todas caíam na sua lábia. E todas saíam chorando, com o coração partido, porque ele não as queria além do sexo. Eu, Sarah, tinha uma reputação a zelar. Minha postura profissional, minha distância, era minha armadura contra ele. Eu nunca permiti que Leo me visse como algo além de sua secretária eficiente. Por que, justo agora, com meu mundo desmoronado, ele me via daquele jeito? No meu estado mais vulnerável, eu me tornava um alvo.

A raiva me deu um empurrão. Não. Eu não seria mais uma delas. Eu não seria mais uma vítima. A traição de Marcus tinha me roubado a inocência, mas não roubaria minha dignidade. E Leonardo Ferrari, por mais atraente e perigoso que fosse, não me faria descer mais um degrau nessa noite maldita.

Terminei de organizar os papéis e conferi se havia algo mais que ele pudesse precisar. Não havia. O relatório estava em suas mãos. Eu poderia ir para casa agora. Mas a ideia de voltar para o vazio do meu apartamento, para a solidão que me esperava, era quase tão aterrorizante quanto a imagem de Marcus e Gabriela.

O silêncio do escritório era perturbador, preenchido apenas pelo zumbido distante dos computadores e pela minha própria respiração entrecortada. Olhei para o meu celular. Nenhuma mensagem. Marcus não havia ligado, não havia mandado mensagem. Nem uma desculpa esfarrapada. A covardia dele era tão palpável quanto a sua traição. Isso só solidificava minha decisão. Ele não me merecia.

Caminhei até a janela, observando as luzes da cidade. São Paulo, uma metrópole de milhões de histórias, e a minha acabara de virar de cabeça para baixo. Eu sentia uma estranha mistura de torpor e uma lucidez assustadora. Era como se a dor tivesse aberto um novo sentido em mim, uma capacidade de ver as coisas como elas realmente eram.

A porta do escritório de Leo se abriu. Meu corpo tensionou.

— Já vai? — a voz dele era suave, um pouco menos áspera do que antes. Ele estava parado no batente, me observando. Seus olhos ainda tinham aquele brilho.

— Sim, Senhor Ferrari. O relatório está com o senhor. Não há mais nada que eu possa fazer hoje. — Minha voz saiu firme, mais do que eu esperava.

Ele me avaliou por um longo momento. Era um escrutínio que me fazia sentir despida, mesmo com o vestido me cobrindo.

— Claro — ele disse, finalmente. — Vá para casa. Descanse. — Havia um tom quase… preocupado? Ou seria apenas cansaço da parte dele? Eu não conseguia decifrar Leonardo Ferrari.

Assenti e me virei para pegar minha bolsa. No caminho para o elevador, senti o peso do olhar dele nas minhas costas. Sabia que ele me observava até que as portas se fechassem. No pequeno cubo de metal, o espelho refletia a Sarah no vestido vermelho, mas agora, seus olhos verdes não tinham apenas dor. Havia uma determinação gelada. Uma fênix ainda em chamas, mas não mais as chamas da dor. As chamas da transformação.

Eu não sabia o que o amanhã me traria. Mas sabia de uma coisa: a velha Sarah, a ingênua Sarah, a Sarah que idealizava Marcus, havia morrido naquela cama. E uma nova Sarah estava nascendo, em meio ao caos e ao cheiro de whisky e jasmim.

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