O Rei da Noite e a Loba Prometida
O Rei da Noite e a Loba Prometida
Por: Darlla Vi
Prólogo - O Clã Ajaks

"Cassius Stormborn"

O céu estava tingido de sangue naquele fim de tarde.

Protegido nas sombras da janela, eu espiava o horizonte, com suas nuvens vermelhas e laranjas acima das montanhas cobertas de neve. Até os pinheiros pontiagudos eram como agulhas furando o líquido viscoso.

Sempre achei aquele período do dia o mais lindo. O sol me trazia encantamento, talvez por ser proibido para mim. Mas eu só o observava de longe. Ainda era novo demais para saber como seria sentir os raios sobre a pele.

Meu pai disse que era questão de tempo até podermos sair algumas horas por dia. As misturas de ervas para beber e os linimentos para passar na pele, que protegiam os vampiros dos raios solares, tinham sido inventadas há décadas. Os adultos estavam testando e suportavam quase uma hora lá fora.

Eu achava aquilo extraordinário. Se aquela experiência finalmente desse certo, eu não precisaria ficar dentro de casa quando o sol estivesse brilhando. Correria pela neve ou pela montanha durante o dia, sem estar refém da noite ou de dias nublados.

Estava tão concentrado naquelas questões que mal percebi a pesada porta do meu quarto se abrir, até passos ecoarem no chão. Virei-me rapidamente.

Uma sensação boa me invadiu na hora ao encontrar os olhos cinzentos da minha mãe. Sentia orgulho por tê-los herdado dela, mas não saí do lugar quando notei sua expressão altiva e distante de sempre.

Pensei como seria correr para perto e receber um abraço. Mas papai brigou comigo quando tentei fazer isso certa vez. Ele exigia que ela não nos mimasse, especialmente a mim, o primogênito do Clã Stormborn.

Um vampiro sério não demonstrava emoções e nem fraquezas a ninguém. Era melhor aprender cedo.

Aos dez anos de idade, eu sabia bem. Estranhei que viesse até meu quarto. Nos víamos apenas durante algumas ocasiões. Era difícil cruzar com ela dentro de um castelo tão grande.

— Mãe...

Foi difícil não me alegrar ou me encher de esperanças. Intimamente, esperei um sorriso ou alguma surpresa boa. Mas ela parou a uma certa distância, cruzando as mãos à frente do vestido longo e escuro, cuja barra arrastava no chão. A gola era fechada até o alto, escondendo o pescoço longo e esguio. Cabelos castanhos com faixas brancas estavam presos para cima.

— Seu pai acordou há algumas horas. Ele quer sua presença na biblioteca.

— Agora?

— Sim.

Assenti, sabendo que havia chegado de viagem na madrugada daquele dia, depois de passar semanas fora. Ouvi sua carruagem.

Dado o recado, ela não demorou mais. Busquei algo que estendesse sua presença, me aproximei, mas tudo o que vi foram suas costas eretas até a porta se fechar silenciosamente atrás dela.

Procurei não me chatear. Já devia ter me acostumado.

Peguei o paletó azul escuro de brocado acomodado sobre uma poltrona e o vesti. Ajeitei a camisa de gola rendada por baixo, com os botões alinhados. Já estava calçado e corri os dedos pelos cabelos loiros, confirmando que os fios rebeldes estavam assentados como meu pai exigia. Ele não aceitava nada menos que perfeição. Pronto, saí do quarto.

O corredor longo estava iluminado parcamente pelos candelabros em aparadores, as luzes das velas tremulando sobre as paredes de pedras cinzentas. O vento frio vinha de algum lugar lá fora e canalizava ali, mas não me importei.

Percorri o labirinto até descer e pegar novo corredor até a ala da biblioteca. Era o local favorito do meu pai. Bati três vezes na porta e a empurrei. Então parei, esperando que me permitisse a entrada.

Sentado na pequena mesa de frente para a janela, Antares Stormborn fazia o mesmo que eu: observava o horizonte vermelho começar a ceder à escuridão.

— Acomode-se na poltrona — ele disse baixo, sem sequer me espiar.

Obedeci, quieto, meus pés longe do chão quando me recostei contra o estofado verde e alto. Fogo crepitava na lareira. Mas o que me chamou a atenção foi a taça de vinho cheia sobre o tampo redondo ao lado dele. Não me contive:

— Isso não nos mata?

Cresci ouvindo o discurso de desprezo aos vampiros transformados e misturados, que desrespeitavam nossa raça, comportando-se como os humanos: comendo e bebendo coisas mundanas. Dizia que, se a coisa continuasse assim, em breve não existiríamos mais.

— Não. Apenas machuca. — Sem se incomodar com isso, segurou a taça com sua mão enluvada e tomou um gole do líquido parecido com sangue fresco, mas não era saboroso nem quente como um de verdade.

— O efeito é devastador para nosso organismo. Somos fracos para tudo que não seja sangue.

Fez uma careta. Somente então percebi a garrafa aberta sobre outra mesa. Já teria bebido mais daquilo?

Sua palidez era quase esverdeada, como se estivesse enjoado e fosse vomitar. Senti um misto de asco e curiosidade. Nunca experimentei nada além do meu alimento fundamental. Nada além de sangue.

Meu pai terminou o vinho, até pôr a taça vazia de volta no lugar. Alterado, sem o controle de sempre, olhando a neve cair. Distante demais dali.

Aguardei, fui educado para nunca interpelar um adulto. Às vezes, tantas regras me irritavam. Eu sentia vontade de ser como os vampiros da aldeia: livres, brincando, recebendo carinho dos pais.

Pensava que não devia ser tão ruim nascer como humano ou lobo. Ou até um bruxo híbrido. Eles pareciam se divertir bem mais do que nós. Principalmente em relação ao nosso império, como líderes puros do Clã Stormborn.

— Essa foi a primeira vez que me reuni com os Draganov de modo particular, em séculos — disse Antares de repente, chamando minha atenção.

Era outro clã de vampiros europeus, que ficava na Bulgária. Desde muito novo aprendi tudo sobre os 13 Clãs, como nosso povo funcionava, como eram as relações entre cada um.

— Eles evitam estar no mesmo ambiente que eu. Quando somos obrigados a nos ver em reuniões dos Templos, ficam longe e não me dirigem a palavra. A não ser um cumprimento polido e obrigatório. — Calou-se, passando a mão pelo rosto, o aspecto mais abatido.

— Por que, pai? — Não me contive.

— Já fomos da mesma família. Antes de me casar com sua mãe, fui casado com Isolde Draganov.

Aquilo me deixou ainda mais surpreso do que ver Antares Stormborn tomando vinho.

Um vampiro só se separava do cônjuge se um deles morresse ou se um fosse estéril e não pudesse levar nossa espécie adiante. Ele se ergueu e bambeou um pouco, meio tonto, a pele verde de verdade. Ia realmente vomitar sobre o chão de pedras, eu já podia ver isso. Uma vez ouvi que um juiz ficou de cama por dias, com mal-estar digestivo, por ter ido a uma festa e experimentado álcool.

Meu pai não se descontrolava nunca. O que estava acontecendo naquele dia?

Preocupado, observei-o se debruçar sobre a janela e respirar o ar frio que vinha de fora, tentando se estabilizar. Dedos crispavam-se sobre a madeira, o perfil parecendo de uma estátua. Olhos ferozes, dessa vez sem a frieza habitual.

Quis perguntar por que se casou duas vezes, mas segurei minha língua. Ele não apreciava ser questionado. Por fim, a resposta veio numa voz levemente desestabilizada:

— Sabe qual é a pior coisa que pode acontecer a um de nós, Cassius?

— Não, senhor. Ser decapitado? — arrisquei, lembrando de histórias de caçadores de vampiros com estacas e espadas afiadas.

— O amor. É isso que destrói. Por esse motivo, e para manter os puros entre nós, só casamos por conveniência. Puros com puros.

Isso eu também sabia. Os clãs possuíam os líderes, vampiros que nunca se misturaram e mantinham nosso sangue intacto. O objetivo era a união através do casamento e da procriação.

— Isolde e eu fomos prometidos antes mesmo de nascermos. Um Stormborn e uma Draganov. Era para ser... — Engoliu, quando sofreu uma ânsia inesperada, seguida de novo mal-estar. Demorou vários instantes e me remexi na poltrona. — Um arranjo. Mas nós éramos ingênuos e inexperientes demais.

Caímos na tolice de amar.

Virou-se de repente, os olhos azuis ficando vermelhos, esbanjando ira. Fixos nos meus pela primeira vez na noite. Paralisei-me, achando que me odiava. Mas estava dominado por lembranças, por seus sentimentos. Olhava para além de mim, para seu passado.

Engoliu algumas vezes, até se aprumar e os olhos retornarem à normalidade. Voltou-se para a janela.

— Fomos felizes por 300 anos. Até uma coisa ficar óbvia. Ela não podia ter filhos. Todos os clãs foram convocados e uma reunião marcada no nosso Templo. Votaram pelo divórcio, pois eu era um vampiro poderoso e forte demais para não dar herdeiros aos puros.

— Até o clã dela?

— O dela foi contra. Um ente da família ser devolvido é um imenso sinal de vergonha. Mas a maioria venceu. E eu aceitei meu destino, segui a tradição. Isolde não se conformou e morreu.

Arregalei os olhos, cheios de perguntas. Meu pai não me deu tempo. Foi até a mesa e pegou seu lenço. Limpou a boca, fitando com desprezo a taça vazia e manchada de vermelho ao lado. Quando me encarou, havia marcas escuras sob seus olhos, e o esverdeado de seu rosto estava quase ficando roxo. Talvez, nos dias seguintes, ficasse pior do que o juiz beberrão.

— Dias atrás, esse precipício entre os Draganov e os Stormborn acabou. Eu garanti que, de um jeito ou de outro, a união do passado seria retomada. Nossos clãs, enfim, terão herdeiros, como sempre deveria ter sido.

— Mas...

— Eu ainda estou falando.

Calei-me imediatamente. A voz contida seguiu:

— Você está oficialmente noivo de Elisa Draganov. Daqui a 200 anos, pouco mais do que isso, se casarão.

Não demonstrei meu susto. Como herdeiro, tinha aceitado a ideia do casamento arranjado. Achei que teria mais tempo pela frente, talvez até conhecendo minha companheira antes de assumir um compromisso. Assenti, sabendo o que seria exigido de mim no futuro.

Eu seria o novo líder do meu Clã.

— Não esqueça, Cassius. O amor fica de fora. Honre a nossa espécie, a nossa família e a tradição.

— Sim, senhor. Eu honrarei.

Ele assentiu e me deu as costas, fazendo sons estranhos com a garganta. Murmurou:

— Agora vá.

Saí imediatamente. Antes que fechasse a porta, ouvi o som de algo esguichando e espiei, vendo-o vomitar.

O sangue negro saía em jatos de sua boca e era despejado no chão.

Foi a primeira e única vez que vi o poderoso Antares Stormborn perder o controle.

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