Capítulo 08
O Príncipe Adormecido
Com a confirmação da gravidez, por enquanto de três gêmeos, Isadora só confirmou o que já sentia. Mas a obstetra Sâmia foi clara: nada ainda era garantido, e o mais provável era que somente um embrião fosse forte o suficiente para seguir no ventre dela até o fim.
Porém, a princesa Annia estava satisfeita e até deixou Isadora passear, vendo um oásis no deserto, onde ela tirou fotos e chegou bem perto de um camelo. Sua tia Simone foi com ela e a acalmou, dizendo que o médico americano estaria chegando no dia seguinte.
A chegada do doutor Rodrigo Otomano foi discreta, mas decisiva. O especialista em neurologia veio acompanhado da esposa, Camila, e ficou impressionado ao analisar os dados clínicos do príncipe Rafique, após conversar com Simone, enfermeira do local.
Otomano percebeu um padrão incomum: Rafique, embora em coma profundo, havia tido pequenas reações quando Isadora esteve presente.
Numa reunião reservada, o doutor foi direto com o sheik.
— Alteza, meu parecer é claro. O príncipe Rafique teve reações neurológicas espontâneas quando a jovem Isadora esteve com ele. Pode ser um estímulo emocional. Sugiro uma visita para eu mesmo o avaliar.
O sheik ponderou por alguns instantes, então assentiu:
— Façam a visita. Mas com discrição. Não quero que a princesa Annia, mãe de Rafique, saiba.
Naquela noite, Isadora foi conduzida pelos corredores escuros do palácio, acompanhada por três guardas silenciosos. Chegou ao quarto onde o príncipe repousava. A visão dele deitado e conectado a tubos apertou seu coração.
Aproximou-se com cuidado, pegando a mão dele.
— Oi, Rafique. Estou feliz por estar aqui. Você não me conhece, mas meu nome é Isadora Oliveira. Sou brasileira e tenho 18 anos. Acabei de entrar na faculdade de Letras em Santo André, uma cidade do interior de São Paulo... Mas desde meus dez anos, quando minha tia veio para os Emirados Árabes, eu comecei a ter aulas extras de línguas, porque queria ser igual a ela, andar pelo mundo, e por isso não pensei muito e dei um tempo nos estudos para realizar meu sonho, conhecer Dubai.
Ela sorriu triste.
— Eu não sei se você consegue me ouvir... mas aconteceu algo inacreditável comigo. Eu estou esperando um filho seu. Ou talvez dois. Ou três. É que foram três embriões inseminados em mim. Loucura, né? Mas eu não pude ir contra os planos dos seus pais, fiquei com medo de matarem minha tia e a mim. Sua mãe é realmente muito brava bem convincente.
A pele quente da mão dele sob a sua causava arrepios. Com uma coragem inesperada, ela tocou o rosto dele.
— Sinto muito por dizer isso. Mas olha... eu prometo que vou voltar todos os dias. Vou te contar sobre mim, sobre eles, os bebês e sobre os lugares que eu consegui visitar. Ah, vou buscar aprender sobre você, seus gostos e talvez eu traga um livro para ler para você.
Ela se inclinou e beijou a testa dele, numa atitude impulsiva.
— Lute, por favor, Rafique. Por você. Pelos seus filhos, que eu estou gerando. Às vezes tenho medo, e algo me diz que precisamos muito de você...
Mesmo no mundo distante do coma, Rafique sentiu a presença dela de novo. E assim que a voz doce falou, em árabe com ele, novamente ele voltou a ouvir o mundo real. Cada palavra dela era como se o puxasse por uma linha, diminuindo a distância do lugar longe em que ele se encontrava. Sua caminhada era interminável. Mas ele não poderia desistir de lutar contra sua mente. Ele ouviu tudo a apresentação tímida e o toque inesperado dos lábios dela na sua testa foi o principal momento que lhe deu força. Imediatamente correu no labirinto interminável, mas não conseguiu alcançar o pequeno ponto de luz. Ele sabia que precisava chegar até lá. Mas o cansaço novamente o parou, e na imensidão das áreas do deserto dentro da sua mente, tudo ficou em silêncio.
Rodrigo Otomano estava na sala ao lado do quarto do príncipe, um local com vidro invisível onde os médicos ficavam de plantão.
O médico ficou admirado, porquê realmente havia indícios claros. O príncipe tentou reagir. Os impulsos cerebrais tiveram alteração, e principalmente no momento em que a moça se curvou e deu o beijo na testa dele...
Com dados reais do antes e depois em tempo real do momento em que Isadora esteve com Rafique, foi animadora. Rápido então ele conversou novamente com o grande sheik Hassan. Que imediatamente mandou chamar Isadora. Ela prontamente obedeceu à ordem do nobre.
O salão era amplo, silencioso, banhado pela luz dourada que atravessava os vitrais coloridos. Isadora entrou guiada por dois guardas, com o coração disparado dentro do peito. No centro, de pé junto à janela aberta para os jardins, o sheik Hassan a esperava. Imponente em sua túnica branca impecável, os olhos escuros carregavam um peso silencioso, o peso de um pai entre a fé e o desespero.
Ela se aproximou com respeito, inclinando levemente a cabeça.
— Vossa Alteza... agradeço por me receber.
— Senhorita Isadora... — disse ele com voz firme e profunda. — A gratidão é minha. Você já carrega os filhos do meu filho, e agora o doutor Rodrigo Otomano relatou que, após sua visita, meu filho apresentou sinais. Ele a ouviu. Reagiu ao seu toque. À sua voz.
Ela baixou os olhos, emocionada.
— Sim, eu senti algo, Vossa Alteza... como se ele estivesse ali, tentando voltar. Não sei explicar. Apenas acredito nisso, que ele me ouviu.
— Em tempos como este, a alma fala mais alto que a razão. — respondeu ele, dando um passo à frente. — E quando uma alma toca a outra, até mesmo os véus do coma podem estremecer. Por isso, a partir de agora, quero que venha todos os dias. Sua presença será parte da cura dele.
Isadora ergueu os olhos, tocada pelas palavras.
— Eu irei. Falarei com ele. Ficarei ao seu lado... até que desperte. Essa é minha promessa.
O emir assentiu com sobriedade, mas com a leveza de um homem que, por um instante, sentiu a esperança renascer.
— Que Alá recompense sua alma generosa. Que Ele guie seus passos, até que meu filho volte à luz. Porém, por hora, sua mãe, a princesa Annia, minha primeira esposa, não deve saber desse nosso novo acordo.
Autora: Graciliane Guimarães