Livro 1 - O Médico
Parte 1
Camila
Se você acha que a vida de uma mulher de trinta e dois anos solteira, freelancer e apaixonada por séries policiais é excitante, eu adoraria te apresentar a minha realidade:
Sábado à noite, eu estava tentando alcançar um controle remoto que caiu atrás do sofá, de moletom velho, com o cabelo preso num coque desgraçado e com meu gato, Nietzsche, me julgando do encosto da poltrona como se fosse o próprio Freud.
E foi aí que torci o tornozelo.
Juro por Deus. Eu só queria ver um episódio de Criminal Minds pela décima vez, mas aparentemente meu corpo decidiu que era hora de me punir por viver de brigadeiro de colher e procrastinação.
— Filha da... - gritei, quando meu pé virou de um jeito que definitivamente não é anatômico.
Nietzsche me olhou com o desdém de sempre e deu uma lambida na própria pata, porque ele é desses: frio, elegante e emocionalmente indisponível.
Um tipo de homem que infelizmente, também define meu histórico amoroso.
Depois de quinze minutos de pura negação, aceitei que não conseguiria andar direito. E como o pronto-socorro do hospital central parecia uma porta de entrada para o apocalipse zumbi, decidi ir na clínica particular ali do bairro.
Tinha cara de lugar caro, mas meu tornozelo latejava como se estivesse tentando escapar da perna. Isso justificava o investimento, certo?
Eu não estava exatamente apresentável. Estava com uma calça de moletom manchada de tinta, camiseta do colégio, da época em que eu achava que seria atriz e uma cara de quem discutiu com a pia e perdeu.
.A sala era até bonita, com cheiro de álcool e ar-condicionado gelado, o que contrastava com o calor absurdo do lado de fora. A Lívia, minha amiga que trabalhava no hospital, tinha marcado aquele encaixe com um dos médicos novos. Disse que ele era bom. E bonito. Não necessariamente nessa ordem.
Cheguei mancando e fui atendida por uma recepcionista sorridente demais para uma noite de sábado. Provavelmente recém-formada em simpatia forçada.
— Só um instante, senhora Camila. O Dr. Rafael Lacerda vai te atender já.
— Dr. Rafael... - repeti, sem emoção. Eu só queria gelo, analgésico e um carma renovado.
Até que ele entrou.
E, bom… Esqueci a dor.
Rafael Lacerda parecia saído de um episódio de Grey’s Anatomy, mas com um ar mais sério, mais maduro… E mãos grandes.
Era alto, moreno claro, barba por fazer, olhos cor de café que pareciam te examinar por dentro. Vestia o jaleco aberto sobre uma camiseta preta e calça social, como se tivesse saído de uma campanha publicitária de plano de saúde sexy.
— Boa noite, Camila? - perguntou, com uma voz baixa e suave, que escorregou pela minha espinha como se tivesse sido programada para isso.
— Infelizmente, sim - respondi, forçando um sorriso. — Meu tornozelo decidiu que sábado é um bom dia pra drama.
Ele sorriu. Um canto da boca só. Arrogante e bonito, o combo perfeito pra desgraçar a sanidade de qualquer mulher carente.
— Vamos dar uma olhada.
Naquele momento, meu cérebro entrou em colapso interno. Porque “dar uma olhada” significava toque. E aquele homem tinha mãos. Daquelas que pareciam saber o que faziam, não só clinicamente falando, se é que me entende.
Sentei na maca e ele se aproximou com uma postura tão controlada que até o ar do consultório ficou mais denso.
— Isso dói? - perguntou, tocando meu pé com firmeza, mas delicadeza.
— Depende. Dói fisicamente ou emocionalmente?
Ele soltou um risinho, o que me deu um ponto no placar interno da sedução. Eu estava com dor sim, mas também com dignidade o suficiente para flertar discretamente.
— Vamos descobrir - respondeu, e começou a girar meu pé com cuidado.
Ai.
Quer dizer, ai, a dor... E ai, o toque.
Eu sabia que estava suando mais por causa da proximidade dele do que da torção. E quando ele se agachou para ficar mais perto do meu tornozelo, tive uma visão clara da linha do maxilar dele. E do antebraço musculoso.
— Não parece fratura. Mas pode ter sido uma torção moderada. Vou te prescrever anti-inflamatório e compressa. Pode caminhar com cuidado, mas evite subir escadas correndo atrás do gato.
— Espera. Como você sabe que foi o gato?
Ele levantou os olhos com um sorrisinho.
— Você está com pelos de gato no moletom, e tem marcas de arranhão no antebraço esquerdo. Além disso, falou o nome “Nietzsche” enquanto mancou até a maca.
Eu o encarei, chocada. Sherlock Holmes de jaleco e corpo de modelo.
— Eu estava delirando?
— Você disse “Nietzsche é um ingrato desgraçado” bem alto. Não parecia delírio.
Aí eu ri. Alto. Gargalhei de verdade. E ele riu também. E por um instante, o consultório deixou de ser uma sala branca com cheiro de álcool e virou uma bolha. Uma daquelas bolhas onde o mundo desacelera e tudo parece possível.
— Obrigada, doutor Rafael. Já posso ir mancar com estilo.
Ele me entregou a receita, mas antes de se afastar, disse:
— Se sentir dor persistente, volta. E se o Nietzsche continuar te atacando, traga ele também. Gosto de desafios.
Desculpa, o quê?
Ele saiu antes que eu conseguisse responder, me deixando com a receita na mão, o coração batendo fora de compasso e a certeza absoluta de que aquele médico não era só um profissional competente.
Ele era perigoso.
E, pelo visto, meu tornozelo sabia disso desde o início.
Autora Ninha Cardoso
Um chick lit moderno, elegante e levemente picante para você.
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