— Chloe, sua mãe me contou que começou a beber quando você ainda era uma criança. Descobriu a gravidez tarde, e mesmo carregando um bebê, ela não parou.
— Sim doutor, foi isso mesmo.
— A Elena nunca apresentou nenhuma dor, falta de apetite, vômito, ou qualquer sintoma diferente?
— Quando ela tinha três anos ficou muito amarela, com distensão abdominal. Minha mãe a levou ao médico, ele passou alguns medicamentos, depois disso ela melhorou. Ele disse que era hepatite.
— Sim. Devido a sua mãe beber muito durante a gravidez, a Elena teve uma hepatite. O tratamento foi feito, mas não foi o suficiente, o que evoluiu para um câncer.
Não consigo mais segurar as lágrimas. Minha irmãzinha... isso não pode estar acontecendo. Meu Deus...
— Espera! Não, não pode ser. Ela é só uma criança... Já perdi minha mãe, não quero... — Não consigo terminar a frase, a palavra "perder" ainda me causa tanta dor.
— Calma! Felizmente, está em um estágio inicial. Vamos iniciar o tratamento o mais rápido possível e ver como ela responderá. Se necessário, partiremos para o transplante.
— Podemos começar esse tratamento hoje, agora?
— Iremos agendar primeiro, para ela iniciar com a quimioterapia hepática intra-arterial[1]. Ela tem menos efeitos colaterais, e é uma das que traz o melhor resultado.
— Mas doutor, ela ainda terá que aguardar? Se eu pagar, ela passa na frente?
— Primeiramente, vou ver quando ela irá iniciar, em casos assim o agendamento é rápido, aguarde só um momento, por favor.
Vejo ele saindo pela porta. Nisso, o senhor Júlio me encara com tristeza nos olhos, e tenta me confortar:
— Vai dar certo minha filha, vamos confiar! Se não tiver uma vaga próxima aqui, levaremos ela para outro hospital, mesmo que tenhamos que pagar mais.
— Eu não tenho dinheiro para isso, senhor Júlio. Posso desistir da faculdade, e estender meu horário na cafeteria, só assim para conseguir pagar.
— Não se preocupe com isso, nós daremos um jeito. E você não irá parar com a faculdade.
— Conseguimos agendar para a próxima semana. — Doutor Jullian entra, já me dando uma ótima notícia. — Na segunda-feira, às dezessete horas, você já pode trazê-la para iniciar. O processo é demorado, então venha preparada.
— Obrigada, doutor! — Agradeço com lágrimas nos olhos. — Irei fazer tudo certinho. Quero fazer todos os exames também, assim saberei se sou compatível para doar.
— Vamos focar na quimioterapia dela primeiro e acompanhar com as análises. Se não houver nenhuma melhora, aí iniciamos os exames. Vou receitar alguns medicamentos para dor e náusea.
Pego a receita com ele e saímos do hospital direto para a farmácia. Compro todos os medicamentos e partimos. Chegando em casa, ajudo ela com o banho e a deito no sofá. Enquanto Ele descansa, preparo uma sopa de legumes.
— Irei cuidar de você, meu amor. Farei de tudo para puder para te ver bem novamente. Não se preocupe!
— Eu não quero te deixar sozinha, mana. ― Diz com a voz fraca.
— E não vai, meu bem! Ainda iremos fazer muitas coisas juntas. Agora somos só nós duas, então temos que fazer de tudo para ser assim. Eu te amo minha pequena, e lutarei por você.
— Obrigada, por cuidar tão bem de mim, mana. Eu também te amo.
Dou um abraço apertado nela. Preciso ser forte agora, mais do que já sou, para que Ele se inspire em mim e siga confiante que dará tudo certo.
— Agora vamos comer, você precisa se alimentar.
Ajudo-a com a sopa, como está leve, ela come tudo. Me sinto feliz por isso. Lhe entrego um medicamento para náusea e um para dor, e a levo para dormir comigo.
A tão esperada segunda-feira chega. Saio um pouco mais cedo do trabalho e vou direto para o hospital, ansiosa para acompanhar minha irmã. Ao chegar, encontro-a sentada ao lado da dona Nora, esperando por mim. Entramos juntas para realizar o procedimento. Posso sentir a ansiedade emanando dela, pois essa será sua primeira sessão de quimioterapia. As enfermeiras são extremamente carinhosas e atenciosas, tratando os pacientes com gentileza, o que me traz um pouco de conforto. Quando o procedimento começa, percebo que não é fácil para os pacientes, mas estamos lá para oferecer apoio e força.
Foi assim com a pequena Elena. Fiquei ao seu lado o tempo todo, ajudando-a em tudo que precisava até o final do procedimento. Ela se sentiu muito indisposta, o que, segundo os médicos, é bem normal. E naquele momento, começou nossa luta, mais uma que estamos determinadas a vencer.
Enfim, chegamos na quarta sessão de quimioterapia, e acompanhamos de perto sua evolução com os exames. Cada dia é uma luta, mas estamos vencendo. Ela já aparentou uma pequena melhora, que já é uma grande vitória para todos nós. Estou tentando trabalhar mais, e juntar dinheiro para qualquer eventualidade, ou se for necessário o transplante.
Na próxima semana é meu aniversário, iremos comemorar em nossa casa. A Ele não pode ter contato com outras pessoas, sua imunidade caiu muito. Por isso, é ainda mais importante descansar e permanecer somente em casa.
Sempre tomo os devidos cuidados, para não levar nenhum vírus. A atenção se tornou redobrada, principalmente em pacientes assim. Mas o importante é que ela está se saindo muito bem e respondendo perfeitamente aos exames e as sessões. Isso é uma grande razão, para agradecer todos os dias por sua melhora gradativa.
Fomos avisados na faculdade, que terá uma seleção dos melhores alunos do curso de administração, para trabalhar em uma empresa de investimentos. Sempre fui a melhor aluna da sala, torço muito para ser a escolhida e ir bem na prova.
O diretor entra na sala, e começa a falar os nomes dos escolhidos. Fico apreensiva, até que escuto o meu e fico sem acreditar. O seguimos e entramos em uma sala vazia, onde dois professores começam a entregar as provas.
Primeiro dou uma olhada e em seguida dou início. A prova não apresentava tanta dificuldade, acabei gastando meia hora para realizá-la. Me levanto e entrego para o professor, que me pede para se sentar do outro lado da sala. Ele avalia e faz um ok com o dedo.
Assim que terminada a avaliação de todos os alunos, eles separam os que tiveram a maior nota. Graças a Deus, eu e uma amiga de classe, fomos as melhores. Agora iremos fazer a entrevista com o presidente da financeira, que nos aguarda na sala do diretor. Estou com os nervos à flor da pele.
Por uma combinação de sorte e nervosismo, sou a primeira a ser chamada. Tomara que ele não note o quanto estou suando frio de ansiedade. Entro na sala e o homem está sentado de costas para a porta, admirando a vista pela janela de vidro que oferece uma visão panorâmica da cidade. Quando ele se vira, é como se eu estivesse diante de uma divindade grega. Ou melhor, ele é um verdadeiro deus do Olimpo! Minha nossa! Meus pensamentos se dispersam e fico paralisada, pois nunca vi alguém tão impressionantemente belo. Já vi muitos homens atraentes, mas nenhum se compara a ele. Seus olhos azuis, quase idênticos aos meus, transmite uma sensação de poder; seus cabelos castanhos e a barba rala no rosto o tornam ainda mais imponente. O terno preto impecável realça sua presença, exalando riqueza e beleza de forma quase palpável. Sinto um calor estranho subir pelo meu corpo. Quando saio do meu transe, noto que ele me observa de cima a baixo, avaliando-me. Provavelmente me achando uma idiota por estar tão fascinada por ele.
Estou com uma calça jeans, e uma camisa de botão, com o cabelo preso em um rabo de cavalo. Depois que comecei a dançar no pole, meu corpo se tornou mais forte, e com mais curvas. Ele continua a sua avaliação, e então eu decido me recompor e acabar com ela:
— Bom dia, senhor! Posso me sentar? Ou faremos a entrevista comigo de pé?
Ele dá um sorriso de meia boca, e fixa seus olhos nos meus.
— Por favor! Perdoe-me! ― Estende a mão, para a cadeira à sua frente. ― Sente-se, senhorita... — ele olha o meu nome na prova que está em suas mãos —, Chloe Brooks.
Retribuo o sorriso que ele me deu e me sento à sua frente, mantendo o olhar firme nos seus olhos, esperando que ele inicie a entrevista. A antecipação já está me torturando, mesmo antes de começar. Nunca me senti tão afetada por um homem antes, e isso me deixa um pouco desconfortável.
[1] A quimioterapia intra-arterial hepática (QIH); é uma técnica onde a quimioterapia é administrada diretamente na artéria hepática, que irriga o fígado, permitindo uma maior concentração do medicamento no tumor e reduzindo os efeitos colaterais sistêmicos.