Capitulo 03

༺ Tamara Silva ༻

Saio da área VIP com passos rápidos, quase tropeçando em mim mesma de tão atordoada. O som da boate continua vibrando atrás de mim, mas não faz diferença.

Minha cabeça está em outro lugar, pulsando com a lembrança de cada palavra que Pedro despejou como veneno. Que maldito desgraçado! Fiz tudo por ele e, no final, era como Célia disse: eu acabaria machucada.

Alcanço o corredor que leva à saída e, por um instante, fecho os olhos. Sinto o perfume de bebida, perfume barato, cigarro. Sinto a garganta arder. Só resta a vontade absurda de desaparecer.

Estou prestes a seguir quando ouço meu nome ecoando:

— Tamara! Tamara, espera!

Paro contra a minha vontade e me viro. Estela vem correndo, os cabelos longos balançando, a expressão aflita. Ela parece realmente preocupada e, de certa forma, também culpada.

— Me desculpa — ela diz assim que alcança meu lado, ainda um pouco ofegante. — Pelo Pedro. Ele pode ser um babaca às vezes… está, na maior parte do tempo. Só não vou xingar a minha mãe porque ela não tem culpa de ter colocado no mundo um cretino desses.

Dou uma risada curta, sem humor, mas a sinceridade dela me aquece um pouco.

— Tá tudo bem, Estela… Dessa vez não doeu tanto quanto antes. Acho que só cansei — murmuro, evitando encará-la por muito tempo. — Só preciso ficar sozinha. Aproveita a noite com seu irmão.

— Não, Tamara, eu vou com você. Não tem clima para ficar lá.

Fecho os olhos por um segundo. Parte de mim quer aceitar. A outra parte quer desmoronar sem testemunhas.

— Eu quero ficar um tempo sozinha — digo com calma, mesmo com a voz fraca. — Preciso pensar na minha vida. De verdade. Por favor, respeita isso.

Estela morde o lábio, contrariada.

— Tudo bem. Mas qualquer coisa me liga, tá? Qualquer coisa mesmo.

Faço um gesto afirmativo e esboço um sorriso quebrado.

Ela me abraça rápido, com força, e volta para dentro da boate.

Fico na calçada por alguns segundos até sentir o ar frio bater no meu rosto, como se dissesse: "Acorda, garota". E eu acordo. Pelo menos tento.

Caminho sem pressa, atravessando duas quadras iluminadas por postes altos e vitrines chiques. Minhas pernas seguem sozinhas, guiadas pelo impulso de fugir de tudo que ainda me dói.

Só paro quando vejo um bar luxuoso na esquina: fachada preta, luzes douradas, vidro limpo. Nem penso. Entro.

O ar fresco me envolve de imediato, abafando parte do sufoco que carrego. O lugar está cheio, mas não lotado. A música é baixa, elegante, contrastando com o caos que deixei para trás.

Sento no balcão e apoio os cotovelos na superfície brilhante.

O barman se aproxima com um sorriso profissional:

— O que vai beber?

— Algo forte — respondo. — Mas doce o suficiente pra não me derrubar de vez.

Ele sorri e começa a preparar. O cheiro do drink sobe enquanto observo o movimento ao redor, tentando encontrar alguma paz. Não acho.

Quando o copo chega, encaro o líquido rosado por alguns instantes.

Que ironia. Uma vida inteira dedicada a alguém que nunca me dedicou um minuto de respeito… e tudo acaba assim, numa noite qualquer, em um bar qualquer.

Dou o primeiro gole. A bebida desce quente e suave, como se prendesse a minha garganta e apertasse com carinho.

É impossível não pensar em tudo o que já fiz por Pedro.

Impossível não sentir vergonha de mim mesma.

O aniversário que organizei para aquela garota. Todos os presentes que comprei para ele em datas que ele sequer lembrava.

Às vezes em que levei comida, bebida, cigarro, remédio… qualquer coisa que ele pedia, eu levava.

Como uma idiota apaixonada. Alguém que achava que amor era provar valor, sacrificar-se, diminuir-se.

Levo a mão ao rosto, fecho os olhos e deixo o peso cair.

Virei capacho. E nem percebi quando aconteceu.

Lembro de quando conheci Pedro.

Do sorriso lindo que me fez acreditar que ele era diferente.

De como eu justificava cada grosseria, e sumiço, desprezo. Eu dava desculpas para proteger a imagem que criei dele.

E, no fim das contas, protegi ele… enquanto destruía a mim mesma.

Outro gole. Mais forte. Mais profundo.

— Dez anos — sussurro baixinho. — Dez anos de burrice…

O barulho ao redor some por alguns segundos. Fico só eu, meu drink e uma verdade que sempre esteve ali, mas eu fingia não ver.

Pedro nunca me quis.

E eu perdi tanto tempo insistindo em alguém que só queria ser servido, admirado, bajulado.

Encosto as costas no banco e solto um longo suspiro.

Não sei o que vai acontecer daqui pra frente.

Ou se amanhã vou acordar firme ou despedaçada.

Só sei que não volto atrás.

Não dessa vez.

Levanto o copo, observo o brilho das luzes refletindo no líquido e quase sorrio.

— Bem-vinda de volta para sua própria vida, Tamara.

E, pela primeira vez em muito tempo, eu bebo por mim.

Levo outro gole, mais demorado, sentindo o álcool esquentar cada pedaço da minha alma, quando um perfume chega primeiro que a voz. Um aroma másculo, amadeirado, intenso. O cheiro de presença forte, de alguém que sabe exatamente para onde está indo.

Finjo que não percebo. A última coisa que preciso é de companhia. Só quero beber até minha mente desligar.

Mas a voz surge, rouca e baixa:

— Noite difícil?

Solto uma risada curta, sem humor, encarando o copo.

— Algo assim.

O desconhecido não se afasta. Ele permanece perto o suficiente para ser notado, longe o bastante para não invadir meu espaço. A segurança que transmite me obriga a, pelo menos, ouvir.

— Seja lá o que aconteceu… o homem que fez isso com você só pode ser um idiota — comenta com tranquilidade. — Um idiota completo por não enxergar a mulher linda que está aqui na minha frente.

A frase me faz virar o rosto, contrariada.

E aí eu o vejo.

O mundo parece dar uma travada.

Olhos azuis intensos, quase hipnotizantes. Cabelo loiro escuro penteado de forma despretensiosa. Tatuagens subindo pelo pescoço e desaparecendo sob a gola da camisa preta. Altura impressionante, ombros largos, braços fortes. Ele tem aquele ar perigoso que não precisa de esforço para chamar atenção.

Penso, quase em voz alta: “Meu Deus… que homem bonito”.

E imediatamente me pergunto: o que ele quer comigo?

Ele percebe minha surpresa, sorri de lado e inclina o corpo com charme natural.

— Posso te pagar uma bebida? — pergunta com uma confiança que parece ter sido construída ao longo de muitas vidas.

Pisco, voltando aos meus sentidos.

— E por que você acha que eu aceitaria um drink de um completo estranho?

O sorriso dele cresce devagar, como se estivesse se divertindo com meu desafio.

— Porque talvez esse estranho seja… o amor da sua vida.

Dou uma risada tão inesperada que quase derramo o drink.

— Amor da minha vida? — Balanço a cabeça. — Essa palavra não existe mais no meu vocabulário. Acho que meu coração se aposentou.

Ele se aproxima um pouco mais, com postura tranquila, mas olhar firme.

— Nunca diga nunca — murmura. — Às vezes, quando tudo despenca, a vida decide surpreender. Coisas novas acontecem e podem ser intensas e mudar tudo de lugar.

O garçom passa por perto. O homem faz um gesto e pede outra rodada sem tirar os olhos de mim.

— Sou Malik Stavani — anuncia com voz segura, como se o nome carregasse peso. — E você?

Penso se devo responder. Ou me levantar e ir embora.

Mas há algo nele magnético… que não parece invasivo, mas inevitável.

— Tamara Silva — digo enfim, controlando o tremor da voz.

Malik repete meu nome com calma, como se testasse o som.

E, naquele instante, sinto algo que não sentia há muito tempo: curiosidade.

Ele permanece ali, perto, sem tocar ou apressar as coisas. Sem invadir. Apenas me observa com atenção sincera, como se enxergasse além da maquiagem borrada e da dor abafada de uma mulher que ainda tenta encontrar suas próprias peças.

Dou mais um gole e percebo que, pela primeira vez nessa noite, meu peito não dói tanto.

Malik inclina a cabeça, estudando meu rosto.

— Não preciso saber tudo o que aconteceu — diz. — Só quero que saiba que sua história não termina com aquela ferida que você trouxe de outro lugar. Às vezes, o recomeço começa exatamente onde a gente pensa que acabou.

Desvio o olhar, engolindo a pontada de emoção que ameaça subir.

Ele não insiste. Só espera.

— Então… — Malik quebra o silêncio com um sorriso suave — aceita aquele drink?

E quando seus olhos verdes encontram os meus, algo dentro de mim, quebrado há muito tempo, se move. Pouco. Quase nada.

Mas se move.

— Talvez eu aceite — murmuro.

Malik sorri como se tivesse acabado de ganhar uma partida que nem chegou a começar.

E, pela primeira vez em dez anos, sinto o ar entrar no meu peito sem dor.

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