Capitulo 02

༺ Tamara Silva ༻

A porta do carro se abriu, e o ar noturno tocou meu rosto com uma mistura de perfume caro, música distante e expectativa. Saltei para a calçada ao lado da Estela, que observava tudo com os olhos brilhando.

— A fachada é lindíssima — comentei, admirando as luzes que contornavam a entrada da boate.

— E por dentro é ainda melhor — respondeu, empolgada. — O dono caprichou. Vi as fotos e fiquei impressionada.

Ergui a sobrancelha, surpresa com a confiança dela.

— Fotos? Nem sabia que você acompanhava esse tipo de lugar.

Estela soltou uma risada leve.

— Sigo a página no I*******m. Fiquei curiosa. Eles postam cada ambiente… parece cenário de filme.

Entramos logo em seguida. O interior era ainda mais deslumbrante do que eu imaginava: lustres modernos refletiam cores suaves, o piso brilhava como se tivesse sido polido minutos antes, e a iluminação baixa deixava a atmosfera elegante.

A música tinha uma batida envolvente, forte o suficiente para embalar, mas não para ensurdecer. Pessoas circulavam de um lado para outro com taças e copos, como se cada um ali fizesse parte de um espetáculo ensaiado.

Seguimos para o balcão. O barman usava roupas escuras e sorria com profissionalismo. Estela pediu um drink de limão; escolhi o de morango, sempre meu preferido. Observei tudo ao redor enquanto ele preparava as bebidas.

— Onde está o seu irmão? — perguntei, tentando soar casual, embora meu estômago estivesse apertado.

Estela revirou os olhos, como se aquela pergunta fosse inevitável.

— Vamos nos divertir um pouco antes. Ele deve estar na área vip. — Pegou o copo e me puxou pela mão. — Venha, vamos para a pista dançar.

Respirei fundo e acompanhei o ritmo contagiante da música. A pista estava cheia, mas o ambiente era tão bem organizado que nada parecia sufocante. Estela já balançava o corpo, completamente entregue ao momento.

Tentei relaxar, permitir que a noite fluísse sem antecipar o que poderia acontecer. Alguns rapazes se aproximaram com tentativas de conversa, mas recusei qualquer investida. Não estava ali para construir novas histórias; ainda estava presa à antiga.

Após alguns minutos que pareceram eternos, Estela tocou meu ombro.

— Vamos subir. Acho que ele está lá em cima.

Minha ansiedade voltou como um soco no peito. Mesmo assim, concordei. Subimos a escada iluminada que levava à área vip. As batidas da música ecoavam nas paredes, e o ar ali parecia mais frio.

Quando chegamos ao andar superior, avistei um grupo reunido em um dos sofás amplos. No centro, como sempre, estava Pedro.

O impacto foi imediato.

Seu cabelo castanho impecável, penteado para trás, com aquele brilho que parecia natural demais para ser real. A barba bem aparada no formato exato que valorizava o rosto anguloso.

Os olhos azuis intensos, capazes de cortar qualquer resistência. A camisa social preta marcava o tórax definido, e as calças completavam o conjunto elegante. Parecia um personagem saído de uma campanha publicitária cara.

Ao lado dele, duas mulheres. Uma ruiva com vestido colado e sorriso calculado. A outra, loira, com olhar sedutor demais para ignorar. Estavam próximas, talvez até íntimas demais.

Suspirei e apertei os dedos contra a própria palma da mão, tentando não demonstrar o incômodo. Odiava quando outras mulheres estavam perto dele. O ciúme me dominava, porém, não podia fazer nada só olhar.

Assim que nos aproximamos, Pedro notou nossa presença. A reação veio rápida: revirou os olhos com impaciência evidente. O grupo de amigos dele trocou olhares maldosos, alguns até riram baixo, como se nossa chegada fosse motivo para algum tipo de piada interna.

Respirei fundo e fingi indiferença. Estava ali por um motivo, mesmo que esse motivo me levasse ao ridículo. O amor que sentia por Pedro me fazia suportar tudo só para estar ao lado dele.

Sentamos no sofá de frente a ele, Estela ao meu lado, me passando uma sensação tênue de segurança. Pedro pegou outra bebida e comentou:

— Não imaginei que vocês fossem aparecessem aqui. Essa festa não é para crianças.

— Ah, cale a boca — retrucou Estela, irritada. — Tenho vinte e quatro anos, e a Tamara vinte e cinco. Crescemos, sabia?

Ele riu, balançando a cabeça.

— Verdade. Já estão ficando velhas. Nem percebi.

Tentei ajeitar o cabelo num gesto automático, querendo parecer mais confiante do que realmente estava. Pedro me observou por um instante, algo raro vindo dele.

— Está diferente hoje, Tamara.

Meu coração bateu forte.

— Acha? — perguntei, sentindo minhas bochechas aquecerem.

— Sim! — respondeu, com um tom quase analítico. — Talvez seja a maquiagem. O cabelo também ajuda. Digamos que está… apresentável.

A palavra me atingiu como um tapa. “Apresentável”. Como se fosse a nota mínima de um teste difícil. Mesmo assim, sorri de forma involuntária.

— Obrigada — murmurei.

Pedro pegou outra garrafa, serviu-se com naturalidade e ergueu o copo.

— Vamos beber. Hoje está animado.

Enquanto ele falava, uma pergunta latejava dentro de mim: por que aquele elogio agora? Nunca ouvira nada parecido. Sempre fui a sombra dele, a amiga da irmã, a garota que esperava. Talvez essa noite trouxesse algo novo e fosse o início de uma mudança.

O burburinho da área vip envolve tudo, mas nenhum som consegue abafar o incômodo que começa a crescer dentro de mim enquanto observo Pedro conversar.

A cada risada dele, e gesto casual jogado para uma das garotas ao lado, alguma coisa parece se partir mais um pouco.

Estela tenta puxar assunto com ele, empolgada com a decoração da boate.

— Ficou perfeita, né? — ela comenta, sorrindo.

Pedro nem olha direito, somente ergue a sobrancelha, como se estivesse acima de qualquer coisa que não fosse ele mesmo.

E então vem a bomba, como sempre.

— Tamara, pega mais gelo para mim. E traz outra garrafa de uísque lá ali do bar.

Engulo seco. O pedido já conhecido, essa velha ordem disfarçada de gentileza inexistente.

Estela imediatamente se vira para ele:

— Você é muito folgado, Pedro! Chama um garçom, você acha o quê? Que ela é sua empregada?

Ele revira os olhos com o mesmo desprezo de sempre.

— Cala a boca, Estela. Ela sempre faz o que eu peço. Não seria diferente hoje.

Meu orgulho tenta gritar, mas a voz fica presa na garganta. No fundo, sei que vou fazer. Irei levantar e buscar o que ele quer, como fiz centenas de vezes ao longo desses anos. Meu amor ou a doença que eu chamava assim, sempre falou mais alto que a minha dignidade.

Pedro ergue o olhar e me encara. Seu olhar e cheio de malícia, desses que fazem qualquer pessoa confundir crueldade com charme.

Sinto as bochechas queimarem.

— Então… pode fazer isso? — ele pergunta.

Antes que Estela volte a brigar, toco o braço dela.

— Deixa. Eu vou.

Pedro se j**a no sofá com um sorriso satisfeito. A sensação é de que alguém está puxando meu estômago para dentro de um buraco.

No caminho até o bar, ouço algumas risadas do grupo. Respiro fundo e me esforço para não quebrar a garrafa antes de entregar.

Quando retorno, pego só uma parte da conversa, o suficiente para ferir mais do que qualquer outra coisa poderia.

— Você abusa da boa vontade dela, Pedro — Augusto diz, claramente cansado daquilo.

Pedro dá de ombros.

— E dai? Ela sempre faz o que eu quero.

A ruiva ao lado dele cruza as pernas, entediada.

— Não sei não… mas você exagera. E se ela se cansar?

Pedro solta um riso incrédulo.

— Cansar? Nunca. Se eu mandar ela ajoelhar aqui e me adorar, ela adora. Ela vive por mim.

Suas palavras me atravessam como uma facada. O balde de gelo quase escorrega da minha mão.

A loira estala a língua.

— Deus me livre ser uma idiota desse nível.

César ri alto.

— Lembra, Pedro? Quando você pediu para Tamara organizar o aniversário daquela garota que você queria? Ela fez tudo. E ainda arrumou a suíte onde você passou a noite inteira com a garota.

Meu pulso começa a latejar. Aperto o balde sem perceber.

Pedro continua, mais cruel do que nunca:

— Tô falandopô! Ela faz tudo. Beija meus pés se eu pedir. E ainda ficou toda feliz aquela vez, achando que tava ajudando. Enquanto isso eu…

Não deixo ele terminar. Algo dentro de mim quebra de vez.

Avanço furiosa, jogo o balde no chão, o gelo voa como pequenos estilhaços congelados entre todos eles.

Em seguida, levanto a garrafa de uísque e a arremesso com força. O vidro estoura no piso, espalhando estilhaços e um cheiro forte de álcool.

— Então é isso que você pensa de mim? — minha voz sai carregada, quase rouca de dor.

Pedro se levanta com aquela arrogância nojenta.

— Estou mentindo? Você sempre faz tudo que eu quero. E é melhor baixar essa bola. Porque se eu decidir te ignorar por um mês, vai ficar chorando atrás de mim. Como sempre.

Meu peito aperta. Baixo o olhar por alguns segundos para recuperar o ar. Quando volto a encarar Pedro, encontro o mesmo sorriso debochado, os mesmos olhos que me diminuem desde que descobri que era capaz de amar alguém de forma tão estúpida.

— Escuta bem, Pedro — digo, minha voz tremendo, mas firme. — Essa foi a última vez que tentei me aproximar de você. Acaba aqui. Até eu tenho limite.

Ele ri, como se eu fosse uma piada ambulante.

— Aí agora você está audaciosa, é? Tá me testando? Se eu perder a paciência…

Dou uma risada amarga.

— Meu Deus… como fui idiota. Dez anos, Pedro. Dez anos desperdiçados acreditando que você tinha alguma coisa a mais além dessa sua arrogância barata. Dez anos que você tirou de mim.

— Eu nunca prometi nada a você Tamara. — ele rebate. — Você ficou atrás de mim porque quis.

— É… — sussurro. — Quem criou essa ilusão fui eu. Mas quem alimentou você sabe muito bem quem foi. Só que acabou. Eu não quero ser sua amiga, muito menos ser algo seu.

Pedro ergue o queixo, convencido.

— Ah! Conta outra. Daqui meia hora você me liga se arrependendo. Sempre faz isso.

O calor sobe pelo meu corpo inteiro.

— Vai se foder, Pedro. Você acha mesmo que vai machucar as pessoas para sempre sem que ninguém acorde? Pois se prepara. Porque eu acordei. E nunca mais vou rastejar por você. Nunca mais…

Viro as costas antes que ele responda. Saio apressada, sentindo o coração bater doído, como se agulhas fossem cravadas em cada batida.

O amor… ah, o amor.

Pode ser lindo, mas também sabe destruir.

Perdi dez anos correndo atrás de alguém que nunca quis me enxergar. Dez anos que eu poderia ter vivido outra história, com outra pessoa, e outra versão de mim.

Mas acabou.

Aqui termina a garota que rastejava por Pedro Albuquerque. E começa alguém que finalmente abriu os olhos para vida.

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