Capítulo 30DanteA ausência dela não fazia barulho.Era pior assim. Silenciosa. Quieta.Parecia infiltrar pelas paredes, escorrer pelo chão de mármore, impregnar o ar. Como se cada cômodo carregasse agora o eco da ausência de Luna. E ainda assim, eu não a impedi de ir.Não porque não quisesse. Mas porque não podia forçá-la a ficar.Se eu tinha aprendido algo nesse mundo, era que a pior prisão é aquela construída com boas intenções.E eu me recusei a ser mais uma cela na vida dela.— Ela está no quarto desde ontem. Não saiu nem pra comer — Chiara comentou, ao deixar o copo de suco em cima da mesa. — E você... está se escondendo de si mesmo ou dela?Ergui os olhos para a irmã. A voz dela não era acusatória. Era só... lúcida demais. E eu odiava quando ela acertava.— Dê tempo — foi tudo que respondi.Chiara bufou.— Tempo demais mata o que é urgente. Você acha que está protegendo ela? Está, sim. Mas também está se punindo por um erro que ela não cometeu.Fiquei em silêncio. Porque discu
Capítulo 31LunaA pasta com os arquivos de Félix estava aberta à minha frente, e ao meu lado, Dante, ainda com a camisa aberta nos punhos, observava a mesma linha de documentos com uma intensidade muda. Um silêncio incômodo nos envolvia.— Olha isso — murmurei, puxando uma folha amarelada. — Aqui tem um contrato assinado por Félix. Ele prestava consultoria de segurança para uma empresa de fachada que pertencia ao pai de Marcelo. Só que... — franzi o cenho — essas datas não batem. Meu pai sumiu antes disso.Dante pegou o papel, analisando cada linha como se fosse um mapa.— Talvez não tenha sido um desaparecimento. Talvez tenha sido fuga.Engoli em seco.— Você acha que ele fugiu por medo?— Ou por culpa. Se ele soube demais, se envolveu demais... e depois quis sair... Rivas não perdoa esse tipo de deserção.Meu estômago revirou. A ideia de que meu pai, um homem de quem eu mal tinha lembranças, podia ter sido parte do início de tudo... era como se as raízes da guerra tivessem passado
Capítulo 32LunaA estrada de terra parecia interminável. Cada buraco no caminho sacudia o carro como se quisesse nos alertar: vocês não deviam estar aqui. Mas já era tarde demais. A essa altura, o silêncio entre mim e Dante não era desconfortável, era foco. Era tensão comprimida entre batimentos acelerados.O envelope que eu segurava no colo ainda parecia queimar meus dedos. Dentro, fotos antigas, registros de propriedades, nomes vinculados a cartéis e, o mais surpreendente, uma certidão de nascimento com o nome “Félix Santiago”. Meu avô. Um nome que eu mal ouvira enquanto crescia. Mas agora ele voltava como um espectro puxando nossos passos para o passado.— Estamos chegando — Dante murmurou, diminuindo a velocidade quando uma entrada encoberta por árvores surgiu à frente.Um portão enferrujado se abriu lentamente com o comando de um dos homens de escolta. A fazenda era grande, decadente, com telhas quebradas e janelas lacradas por dentro. Mas havia algo vivo ali. Algo pulsando sob
Capítulo 1LunaTrabalhar para um mafioso nunca foi parte do meu plano de vida, mas planos mudam quando a sobrevivência fala mais alto que a moral. E eu sobrevivo. Sempre. Meu pai dizia que a vida era como um jogo de xadrez. Você não precisa ser a rainha, só precisa saber quando mover suas peças. E eu vinha movendo as minhas com cuidado, desde o dia em que entrei no escritório de Marcelo Rivas: olhos baixos, ouvidos atentos, boca calada. Marcelo era exigente, imprevisível, mas ele confiava em mim. O suficiente para me manter por perto, o suficiente para me fazer sentir indispensável.O relógio marcava 20h47 quando deixei minha mesa, já com os sapatos nas mãos, e segui pelos corredores silenciosos do prédio. Era tarde demais para estar ali, mas um relatório urgente precisava ser entregue antes da reunião da manhã seguinte. A cidade do lado de fora parecia quieta, mas São Paulo nunca dorme de verdade. Sempre há alguém observando, esperando, tramando. E naquela noite, senti isso mais do
Capítulo 2LunaNa manhã seguinte, acordei com a luz dourada atravessando as frestas da cortina, mas não foi a claridade que me tirou do torpor, foi o silêncio. Um silêncio estranho, espesso, como se o mundo lá fora estivesse em pausa e tudo ao meu redor estivesse esperando que eu fizesse o primeiro movimento.Os lençóis ainda estavam macios, os pulsos livres dessa vez, e uma bandeja com café da manhã repousava sobre a mesa ao lado. Frutas cortadas com precisão, suco fresco, croissants quentes. Luxo. Cuidado. Manipulação.Sentei-me com cautela, cada músculo tenso, cada pensamento disparado em direções diferentes. Dante Moretti ainda estava naquele lugar, em algum canto observando. Era o tipo de homem que nunca deixava de ver. Mesmo quando não estava à vista.Peguei uma maçã da bandeja com dedos trêmulos. Morder ou não morder? Comer o que o inimigo te serve era sempre um risco, mas minha fome venceu o orgulho. E no segundo em que dei a primeira mordida, a maçã estalou em minha boca, fr
Capítulo 3 Luna A escuridão que me engoliu foi curta, mas sufocante. Quando acordei, o ar tinha um cheiro novo, couro, madeira polida, e algo mais… perigo. Estava deitada em um sofá de couro escuro, a luz amarelada da luminária ao lado projetando sombras longas nas paredes. Um lugar elegante, silencioso. E estranho demais para ser meu. Me sentei devagar, o coração disparado. Os sapatos tinham sumido. Minha bolsa também. Mas minhas roupas estavam intactas, e isso, por algum motivo, me tranquilizou. Por um instante. — Bom dia, Bella. A voz veio de um canto da sala, baixa, controlada. Dante. Ele estava ali de novo. Sentado em uma poltrona de veludo, um copo de uísque entre os dedos. Terno impecável, cabelo arrumado, olhar predatório.Me encolhi por receio.— Luna, você está com medo? Ele perguntou com a voz rouca, se aproximando devagar de onde estava. Queria sumir, desaparecer, mas reagi com perguntas. . — O que você quer de mim? O que sou para você? — Disse com raiva e curiosid
Capítulo 4LunaA biblioteca de Dante era diferente do resto da casa, mais escura, mais densa, com estantes que iam do chão ao teto, cheias de livros antigos, muitos deles com lombadas em línguas que eu não reconhecia. Ele estava de pé, de costas para mim, olhando pela janela como se o mundo lá fora oferecesse algo melhor que o caos dentro daquela casa.— Já viu o suficiente? — ele perguntou sem se virar.— Vi o suficiente pra saber que você quer me usar tanto quanto Marcelo. — Me aproximei, sem medo. Já tinha ultrapassado essa fase. — A diferença é que você me contou antes. Pontos pela honestidade.Dante virou-se devagar. Seus olhos percorreram meu rosto, meu corpo, como se procurassem sinais de fraqueza. Mas eu estava firme.— Você é rápida. Gosto disso. — Ele apontou para a poltrona à frente da mesa. — Sente-se. Quero te mostrar por que ainda está viva.— Porque sou útil.— Porque é valiosa. E há uma diferença aí, Luna. Uma ferramenta é útil. Mas algo valioso... precisa ser protegi
Capítulo 5LunaO sol mal começava a nascer quando a porta do meu quarto se abriu com um leve rangido. Nenhuma batida, nenhum anúncio. Apenas uma figura feminina entrando em silêncio com uma bandeja de café da manhã.— Bom dia, senhorita Luna — disse, com um sotaque leve. Cabelos escuros presos em um coque firme, uniforme impecável. Olhos atentos, mas sem julgamento.— Você trabalha para ele? — perguntei, sentando devagar na cama.— Trabalho para esta casa. O senhor Moretti me pediu para garantir que estivesse bem alimentada. Disse que hoje seria um dia importante.“Importante”. A palavra ficou pairando no ar, carregada de peso. Suspirei, empurrando as cobertas para o lado. Vesti o roupão de seda que alguém — provavelmente ela — havia deixado dobrado sobre a poltrona, e caminhei até a bandeja. Café quente, pão fresco, frutas cortadas com perfeição. Nada combinava com a ideia de cárcere. Mas, de alguma forma, tudo era ainda mais perturbador.— Qual seu nome?— Chiara.— E ele... sempre