A Primeira Noite

O céu já estava tingido de tons rosados quando Helena voltou à mansão. A mochila pesava em seu ombro, mas o que realmente pesava era a sensação persistente que ela trazia desde a manhã — aquela impressão de que o chalé escondido a observava, de algum jeito impossível.

Quinn abriu a porta antes mesmo que ela tocasse a campainha.

— Chegou na hora certa — disse a governanta. — Henry acabou de jantar e está calmo. Melhor momento para começar sua adaptação.

Helena entrou, sentindo novamente a transição de mundo: a casa era quieta demais, perfeita demais… intensa demais.

— Vou levar você para guardar suas coisas — disse Quinn, caminhando à frente.

O quarto estava como ela lembrava — simples, limpo, acolhedor. Ela colocou a mochila sobre a cama, organizou algumas roupas no armário e tirou da bolsa seus cadernos da faculdade.

Era pouco, mas era o que tinha.

Era o que cabia numa vida reconstruída.

— Está pronta? — perguntou Quinn.

Helena assentiu, mesmo sem saber se estava.

As duas seguiram pelo corredor até o pequeno hall que dava acesso ao jardim interno. A luz do entardecer se espalhava pelo vidro, dourada e suave, mas aos olhos de Helena parecia inquieta — como se o dia guardasse algo prestes a acontecer.

Do andar de cima, um barulho de porta se fechando ecoou.

Ethan.

Helena sentiu antes de ver.

Ele desceu os últimos degraus com mangas dobradas, sem gravata, o rosto mais cansado do que deixaria transparecer. Quando a viu no corredor, parou por um instante — pequeno, mas perceptível.

— Já está instalada? — perguntou ele, a voz baixa.

— Sim — respondeu Helena, tentando manter a postura.

Ele assentiu devagar, como se processasse mais do que a resposta.

Quinn interrompeu:

— Vou levá-la até o Henry. Ele está no quarto de brinquedos.

Ethan manteve os olhos em Helena por um momento a mais.

Intenso.

Curioso.

Quase… inquieto.

— Vou encontrá-los lá — disse, antes de seguir pelo corredor oposto.

Helena respirou fundo.

— Ele sempre é assim? — perguntou, baixo.

Quinn sorriu de lado.

— O senhor Hartman não é uma pessoa fácil. Mas seus silêncios dizem mais do que ele imagina.

Elas caminharam até o quarto de brinquedos. Henry estava sentado no tapete, alinhando blocos coloridos em fileiras perfeitas. Ele levantou os olhos quando Helena entrou.

E sorriu.

Pequeno, tímido, mas verdadeiro.

Helena se ajoelhou ao lado dele.

— Posso brincar com você?

Ele empurrou um bloco na direção dela.

Quinn suspirou — alívio e emoção misturados.

— Ele nunca sorri para ninguém no primeiro dia — sussurrou a governanta.

Antes que Helena pudesse responder, Ethan apareceu na porta, observando a cena em silêncio.

A expressão dele mudou.

Pouco.

Mas mudou.

Era como se algum fio preso dentro dele afrouxasse.

— Ele gostou de você — disse Ethan.

Não era elogio.

Era constatação — e quase parecia confissão.

Helena engoliu, sentindo algo quente subir pelo peito.

Quinn se aproximou.

— Se quiser, pode começar ajudando com a rotina de dormir. Henry gosta de ouvir histórias.

Ethan cruzou os braços, encostando-se ao batente.

— Eu posso ficar — disse, simples.

Quinn ergueu uma sobrancelha.

— O senhor nunca fica nas histórias, senhor Hartman.

Ele não respondeu. Não precisava.

Seus olhos estavam em Helena.

E isso dizia tudo.

Helena abriu um livro infantil e começou a ler para Henry, que se aninhou ao lado dela. O menino relaxava mais a cada frase. E, conforme o quarto ficava mais silencioso, ela sentiu algo estranho — como se estivesse repetindo uma cena de outra vida.

Ethan não saiu.

Permaneceu ali, apoiado no batente, como se aquele pequeno instante fosse algum tipo de âncora.

Henry adormeceu devagar.

Helena fechou o livro com cuidado.

— Ele dorme rápido quando se sente seguro — disse Quinn, baixinho.

Ethan desviou o olhar para o filho e, por um segundo, deixou a armadura emocional cair. Um segundo apenas. O suficiente.

— Obrigado — disse ele.

Helena não entendeu se ele agradecia por Henry… ou por outra coisa que ela não tinha nome.

Quando saiu do quarto, arrumou o colchão, apagou a luz e fechou a porta, Helena sentiu o ar mudar novamente — mais frio, mais denso.

E ali, no corredor silencioso, entre sombras e luzes tênues da mansão Hartman…

…ela percebeu que aquela noite não era apenas o começo do trabalho.

Era o começo de algo maior.

Algo que já estava entrelaçado ao destino dela muito antes de chegar ali.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App