Capítulo 3
Na manhã seguinte, Leonardo chegou à empresa às 7h30. Sabia que era cedo demais, afinal, o combinado era às 8h30, já que a CEO só aparecia por volta das nove. Mas a ansiedade não o deixara dormir. A beleza de Alana Dumont o perturbava de um jeito que ele não sabia explicar. Assim que entrou no saguão, foi mais uma vez alvejado com o olhar afiado da recepcionista, que o analisou de cima a baixo antes de soltar, com desdém: — Faz um favor pra mim? Pede logo um crachá de liberação. Assim eu não preciso ficar olhando pra sua cara de nerd todo santo dia. E vou te dar um conselho: dá um jeito nesse cabelo lambido cheio de gel, partido no meio… tá mais feio do que já é. E essas calças largas? Camisa dos anos sessenta? Você parece meu avô. Leonardo apenas suspirou, sem vontade de retrucar. Fingiu que não ouviu e seguiu em direção ao elevador. Quando as portas se abriram, ele ia entrar quando a recepcionista apareceu e voltou a falar, dessa vez com um tom seco e direto: — O senhor Armand, presidente da empresa, quer falar com você. Agora. Ele assentiu, engolindo o desconforto, e subiu até o último andar. Passou pela sala de Alana direto para a presidência. Ao chegar, ouviu vozes dentro da sala e decidiu aguardar do lado de fora, nervoso. *** Enquanto isso, Alana saía de casa em seu carro esportivo preto. Estava acostumada a enfrentar o trânsito da cidade, mas naquela manhã algo a deixava mais tensa que o normal. Colocou os óculos escuros, girou o volante com firmeza e entrou na principal avenida que levava à empresa. Em um dos faróis fechados, aproveitou para checar o celular rapidamente, deslizando o dedo na tela. Mas um susto a fez largar o aparelho no banco do passageiro. — Ah! — exclamou, levando as mãos ao volante. Um homem havia se aproximado fazendo malabarismos e, sem aviso, colocou as mãos sobre o capô do carro com um sorriso forçado, como se fosse parte de alguma brincadeira. Alana arregalou os olhos e, num gesto instintivo, travou as portas do carro. O homem gesticulou algo, talvez pedindo dinheiro ou querendo chamar atenção, mas ela não quis nem saber. Assim que o sinal abriu, pisou no acelerador com firmeza, desviando dele. — Que inferno... — murmurou, sentindo o coração ainda acelerado. Pegou o celular de volta e, ao olhar para o retrovisor, viu o sujeito ainda parado no cruzamento, encarando seu carro como se a conhecesse. Ela franziu a testa, incomodada, e aumentou a velocidade. Algo naquela manhã já começava errado. *** Armand estava com os braços cruzados atrás da mesa de madeira maciça. Seus olhos analisavam cada movimento do homem à sua frente, um segurança de confiança de seus tempos mais conturbados. Quando terminou de explicar a situação, inclinou-se levemente para frente, com um olhar firme e carregado de urgência. — Você será uma sombra. — disse com a voz grave e controlada. — Ninguém deve desconfiar que está protegendo minha filha. Quero que ela leve a vida normalmente, sem sentir que está sendo vigiada. O segurança, calado até então, assentiu com um leve movimento de cabeça, mantendo a postura profissional. — Contratei você porque confio no seu trabalho. Já provei do seu talento no passado. — continuou Armand, puxando uma pasta com algumas informações que deslizou pela mesa. — E já deixo claro: se Théo, descobrir algo sobre você, eu mesmo me encarrego de fazer com que ele fique calado. Havia firmeza em suas palavras. — Quero que esteja em todos os lugares. No prédio, nas viagens, nos eventos, onde for. Sempre próximo, sempre atento. — fez uma pausa, deixando o peso do pedido pairar no ar. — Espero poder contar com você em tempo integral. Você será muito bem recompensado por isso. O segurança pegou a pasta, a abriu com cuidado e leu rapidamente algumas páginas. — Posso contar com você? O homem apenas assentiu afirmativamente. Armand soltou um leve suspiro, quase imperceptível, como se já se sentisse um pouco mais tranquilo. Sabia que sua filha não aceitaria facilmente a ideia de vários seguranças, então aquilo precisava ser feito com discrição absoluta. Ele se recostou na cadeira. — Proteja ela... como se fosse sua própria vida. *** Alana entrou em sua sala com o blazer sobre o braço, os saltos ecoando suavemente no piso de mármore polido. Os cabelos ondulados caíam soltos sobre os ombros, e o perfume marcante preenchia o ambiente. Assim que atravessou a porta de vidro, avistou Margareth organizando pastas e canetas sobre a mesa auxiliar. Ela franziu o cenho, com a expressão levemente desconfiada. — Onde está Leonardo? — perguntou, deixando a bolsa sobre o sofá próximo e encarando a secretária. Margareth se virou com um sorrisinho de canto, tentando manter a compostura. — O presidente pediu que ele fosse até a sala dele logo que chegou. — Meu pai? — Alana arqueou uma sobrancelha, surpresa. — E o que ele quer com meu assistente? — Não sei dizer, senhora. Só repassei o recado como me foi dito. Leonardo parecia um pouco nervoso — disse, ajustando um pequeno arranjo de flores na mesinha ao lado. Alana suspirou, caminhando até a sua mesa. Passou os dedos pelo tampo de vidro com leveza, olhando pensativa para a porta. — Ele chegou cedo, não foi? Margareth assentiu. — Às sete e meia. Disse que a ansiedade não o deixou dormir. Um leve sorriso surgiu nos lábios de Alana, quase imperceptível. — Ele é mesmo um caso à parte... Sentou-se, cruzando as pernas com elegância, mas seus olhos estavam levemente inquietos. Algo naquela movimentação a deixava desconfortável. Ela conhecia bem seu pai. Se ele estava interferindo tão diretamente, era porque alguma coisa mais séria estava acontecendo. Mas por ora, ela manteve o foco. Abriu o notebook, respirou fundo e preparou-se para mais um dia intenso. *** Leonardo permaneceu parado no centro da imensa sala, sentindo o peso do silêncio e o olhar minucioso de Armand sobre si. O presidente da empresa o analisava com olhos críticos, como se pudesse enxergar cada pensamento escondido em sua mente. Depois de longos segundos, Armand balançou a cabeça levemente e cruzou os braços atrás das costas, caminhando até a janela imensa que dominava a parede. — Você não parece alguém que aguentaria uma semana aqui dentro — disse, por fim, sem se virar. — Mas foi exatamente isso que me chamou atenção. Leonardo engoliu em seco, ajeitando os óculos. — Eu… eu não entendo, senhor Armand. Armand se virou devagar, seus olhos intensos fixos nos de Leonardo. — Eu recebi uma ligação. Disseram que minha filha corre perigo. Sequestro. Ameaças. Não sei ainda se é blefe, mas não tenho o luxo de arriscar. — Ele deu alguns passos firmes até a frente da mesa. — E você… estará com ela. O tempo todo. Leonardo empalideceu. — M-mas senhor… eu sou só o assistente... — Exatamente. Ninguém desconfiará de você. E é isso que quero. Você será uma sombra, Leonardo. Vai observar, ouvir, perceber os sinais. Qualquer coisa fora do normal, qualquer comportamento estranho ao redor de Alana, você me avisa. Imediatamente. Leonardo abriu a boca para dizer algo, mas Armand ergueu a mão, interrompendo-o. — Não se preocupe, você não estará sozinho. Contratei um segurança profissional, alguém de confiança que vai agir nos bastidores. Mas você será o elo direto. O primeiro alarme. E não precisa me dizer que não sabe lutar — ele suspirou. — Se conseguir andar sem derrubar um vaso já é lucro. Leonardo corou, desviando o olhar. — Eu… prometo que vou me esforçar. Eu gosto da senhorita Alana, ela me inspira… não sei explicar. Só sei que quero protegê-la. Armand o encarou por mais alguns segundos, então assentiu, como se finalmente tivesse tomado uma decisão interna. — Está bem. Espero não me arrepender disso. Leonardo se curvou levemente. — Obrigado, senhor. Eu farei o meu melhor. — Ótimo. Agora vá. Ela já deve estar no prédio, e com certeza vai querer saber onde você está. Leonardo assentiu rapidamente, e ao se virar para sair, acabou esbarrando no braço da cadeira, soltando um “ai” baixo. Saiu apressado, o rosto ardendo de vergonha, enquanto Armand murmurava algo como “céus, o que foi que eu fiz?” antes de soltar um leve sorriso de canto.