A escadaria parecia não ter fim, mas cada degrau percorrido por Kaori e Noah trazia consigo o peso das memórias libertas, dos heróis esquecidos, dos gritos silenciados.
No topo, havia apenas uma porta. Simples, sem adornos. Feita de madeira antiga — e pulsando como se tivesse um coração. O coração do BREU. Eles trocaram um olhar. Não havia mais retorno. Quando atravessaram a porta, o mundo deixou de ter chão. Era como cair no centro de tudo. O céu era um redemoinho negro. No horizonte, almas giravam como estrelas mortas. No centro do abismo, suspensa no nada, flutuava uma criatura colossal — feita de sombras líquidas, olhos vazios e bocas que sussurravam segredos de dor. Era o BREU, em sua forma pura. Ele os viu. E sorriu. — Vocês são os últimos. Os teimosos. Os quebrados. Vieram me enfrentar... com o que? Esperança? Kaori deixou o dragão se libertar. Suas asas flamejaram, seu corpo se fundiu com o fogo. Ela rugiu, e o som fez o céu estremecer. Noah abriu o livro — todas as páginas voaram ao redor como folhas douradas, formando um círculo mágico ao seu redor. — Viemos com tudo o que ainda arde dentro de nós. E isso é mais do que você jamais terá. A batalha começou. O BREU atacava com ilusões. Mostrou Kaori sendo rejeitada pelos pais, sendo caçada como monstro. Mostrou Noah sozinho em um mundo sem magia, condenado a esquecer quem era. Eles resistiram. Mas a luta cobrava caro. O tempo parava e corria. Cada golpe contra o BREU desfazia parte da fortaleza. Cada defesa exigia um pedaço da alma. Até que aconteceu. Noah foi atingido. Um espinho de trevas perfurou seu peito. O livro caiu. As páginas se tornaram cinzas. Kaori gritou. O BREU gargalhou. — E assim caem todos os tolos. Ela caiu de joelhos ao lado do amigo. Seu corpo tremia, mas não de medo — de perda. Noah, ofegante, sorriu com dificuldade. — Ei... Kaori... você ainda... tem esperança? Ela chorou. Uma lágrima escorreu de seus olhos flamejantes e caiu sobre o peito de Noah. > E o impossível aconteceu. A lágrima brilhou. Dourada. Quente. Viva. O espinho derreteu. O peito de Noah brilhou. Seu coração, por um instante, foi dois: o dele... e o dela. Kaori rugiu, e com um golpe feito de todas as chamas que lhe restavam, perfurou o peito do BREU. A criatura gritou. E começou a apagar. Noah respirou. Fraco, mas vivo. O BREU se dissolvia em poeira escura. — Como...? — sussurrou ele. — Como uma lágrima... pôde me vencer? Kaori se ergueu, olhos brilhando. — Porque não era uma lágrima qualquer... era a memória de tudo o que ainda pode ser. O BREU se desfez em silêncio. Não houve explosão, nem luz ofuscante. Apenas o fim... como se o universo finalmente pudesse respirar. Kaori caiu de joelhos. O dragão dentro dela recuou. Não por fraqueza, mas por paz. Pela primeira vez, não havia mais nada para queimar. Noah ainda respirava com dificuldade, mas a luz da lágrima em seu peito pulsava como uma segunda vida. Ele abriu os olhos e encontrou o rosto de Kaori banhado em cinzas e lágrimas. — Eu... voltei? — murmurou. Ela sorriu, frágil e forte ao mesmo tempo. — Voltou. E nunca mais vai embora. A fortaleza desabava ao redor deles, mas não com fúria — com libertação. As paredes de espelhos rachavam, e das rachaduras saíam memórias libertas. Crianças voltavam a sorrir. Sonhos esquecidos voltavam a florescer. O mundo estava mudando. Eles correram. Subiram nas costas de uma fênix feita de chamas, invocada pelas últimas palavras do livro de Noah. A criatura os carregou para longe enquanto a Fortaleza do Fim se desfazia no vento. Ao atravessarem o céu, Kaori olhou para baixo. > O BREU estava sumindo de todos os lugares — não apenas da fortaleza, mas da cidade, das pessoas, dos corações. No chão, os lobisomens, as fadas corrompidas, as criaturas mágicas libertas olhavam para o céu como se acordassem de um longo pesadelo. Na praça central da cidade, a chama dourada se reacendeu — era a esperança renascida, marcada agora por um novo símbolo: dois círculos entrelaçados. O dragão e o mago. A chama e a palavra. Eles pousaram ao amanhecer. Lyra, em forma de estrela cadente, brilhou uma última vez no céu antes de desaparecer, deixando no ar apenas um sussurro: — Eles conseguiram. Kaori e Noah caminharam juntos entre os escombros da velha praça. As pessoas saíam de suas casas, confusas, despertas, com olhos cheios de lágrimas — não de tristeza, mas de alívio. E então, todos ouviram. Uma criança sorriu e gritou: — O BREU acabou! A cidade celebrou. Mas Kaori sabia: o mal não desaparece para sempre. Ele apenas adormece. O importante agora... era manter a chama acesa. Ela segurou a mão de Noah. Ambos olhavam para o horizonte. — O mundo precisa de guardiões — disse ela. — Então vamos ser isso — respondeu ele. > Não heróis. Não lendas. > Apenas aqueles que, um dia, decidiram não desistir.