A floresta de Tremaria, ao sul de Valemar, sempre fora densa e sagrada. Os anciãos diziam que ali moravam espíritos antigos, protetores da Terra. Mas naquela noite, as árvores estavam caladas — como se também temessem o que caminhava entre elas.
Kaori e Noah seguiram o rastro da sombra vista nas montanhas. O livro havia revelado uma coordenada, um símbolo antigo associado ao BREU: um olho negro envolto por raízes. Era o mesmo símbolo que Noah vira no espelho dias antes. Algo estava chamando-os. Ou caçando-os. A cada passo, a floresta parecia mais viva — ou morta. Galhos se moviam sozinhos. O som dos grilos cessava quando eles passavam. E então, um sussurro: — A esperança é uma mentira... Kaori parou. — Você ouviu? — Ouvi — disse Noah. — Mas não com os ouvidos. As sombras entre as árvores começaram a se condensar. Uma figura surgiu: flutuava levemente acima do chão, envolta em véus de fumaça escura. Tinha olhos que pareciam poços sem fundo. E asas. Não de borboleta ou de fada... mas de ossos. — Vocês são os escolhidos? Tão jovens... tão fracos... — disse a criatura com voz dupla. — O que é você? — perguntou Kaori, tentando manter o controle do fogo que queria explodir. — Fui uma guardiã da floresta. Agora, sou o eco do que resta. O BREU me deu um novo propósito: devorar a luz. Noah reagiu. Abriu o livro e traçou uma runa no ar com os dedos. Um círculo azul os protegeu por segundos antes de ser rasgado pela criatura. Kaori, então, gritou. Um grito que não era humano. Era o rugido de algo ancestral. Suas costas se iluminaram. Escamas surgiram em sua pele. As asas começaram a se formar, mesmo que ainda pequenas. E do chão, um círculo de fogo a envolveu. Ela lançou uma rajada de chamas douradas contra a fada corrompida, que gritou — não de dor, mas de surpresa. A luz ainda feria. A luz ainda existia. Combinando os poderes, Kaori e Noah conseguiram conter a criatura, selando-a dentro de um espelho de prata conjurado pelo livro. Antes de desaparecer, a criatura murmurou: > — O BREU os viu. E ele... está faminto. O sol voltou a nascer em Valemar, mas parecia... pálido. A névoa se recusava a se dissipar, e o frio da noite anterior permanecia como uma camada sobre a cidade. Kaori voltou para casa em silêncio. O espelho que aprisionava a fada corrompida agora estava escondido embaixo de seu piso, envolto em runas de proteção que Noah ensinou. Ela mal conseguira dormir. O corpo doía — como se tivesse corrido quilômetros, como se algo estivesse crescendo dentro dela. O dragão despertava, mas a menina ainda tinha medo. Na manhã seguinte, Kaori foi até a floricultura de sua avó, como fazia todos os sábados. Mas quando entrou, a velha senhora apenas olhou para ela com estranheza. — Posso ajudá-la? — disse, com um sorriso gentil... e vazio. Kaori congelou. — Vó... sou eu. A senhora hesitou. — Me desculpe, querida. Não acho que nos conheçamos... Os olhos de Kaori se encheram de lágrimas. A mulher à sua frente, que a criara desde que era bebê, agora não a reconhecia. As fotos na parede haviam sumido. O vaso com flores que ela mesma plantara na semana passada... agora tinha um bilhete com outro nome. > Era como se nunca tivesse existido. Kaori saiu correndo. Ao se encontrar com Noah, mal conseguiu falar. Ele entendeu tudo apenas pelo olhar. E então, abriu o livro. > "A essência do BREU é o esquecimento. Ele não destrói corpos. Ele apaga histórias. Ele corta raízes." O livro tremia. A sombra que enfrentaram era só um arauto. O BREU estava avançando, sugando os laços que mantinham as pessoas juntas. — Se ele continuar, ninguém vai lembrar quem somos. Nem nós mesmos — disse Noah. — Não podemos deixar isso acontecer. Não agora. Eles decidiram: iriam atrás da próxima peça do quebra-cabeça. Um nome surgiu no livro: Lyra — uma criatura mística que ainda resistia ao BREU, guardiã da memória perdida. Mas encontrá-la significava sair de Valemar... e entrar na floresta profunda, onde o tempo se curva e os nomes se dissolvem no vento.