Na biblioteca esquecida do orfanato, havia uma sala trancada há anos. Noah sempre se perguntava por que aquele cômodo era evitado por todos — como se a poeira ali não fosse só sinal de abandono, mas de medo.
Naquela manhã, guiado por um impulso que não conseguia explicar, ele encontrou a chave... debaixo de sua cama, envolta em um pano antigo com símbolos costurados à mão. Ao girar a fechadura, um estalo soou como trovão dentro de si. O ar era espesso, quase sagrado. E no centro da sala, sobre um pedestal coberto de teias, havia um livro grosso com capa de couro e detalhes metálicos. Nenhum título. Apenas um símbolo gravado: um olho entre dois círculos entrelaçados. Ao tocar o livro, sentiu o chão girar. > "Feiticeiros não nascem, são despertos." A frase ecoou em sua mente enquanto as páginas se abriam sozinhas, revelando palavras em uma língua que ele... entendia. Como se sempre soubesse. Como se estivesse lembrando, não aprendendo. Ele leu o primeiro feitiço em voz baixa: > "Lumara, sintir." Sua mão brilhou em azul e, num lampejo, as velas do cômodo se acenderam. O livro tremeu em suas mãos, como se vibrasse de alegria. Ou fome. No espelho antigo da parede, seu reflexo tremeluziu. Atrás de si, por um breve segundo, viu a silhueta de um homem encapuzado com olhos vazios. Noah virou-se — ninguém. Mas a sensação de ser observado não passou. Na última página do livro, algo apareceu sozinho, em letras flamejantes: > "O Fogo despertou. Encontre-a. Antes que o BREU a encontre primeiro." Noah não sabia quem era ela, mas sabia que não podia mais ignorar o que sentia. Estava ligado a algo maior. A alguém. E o tempo estava correndo. No topo das montanhas que cercavam Valemar, o céu se rasgou. Kaori estava no telhado de casa, observando as estrelas — ou tentando. Desde o incêndio no quintal, ela não conseguia dormir. O fogo em seu peito parecia mais vivo a cada dia. Seus sentidos estavam aguçados, e em sonhos, ela via o mundo por olhos de dragão. Sentia o cheiro de medo vindo da cidade. E agora, o céu… o céu estava errado. Uma rachadura de luz púrpura cortou a noite como se o próprio firmamento estivesse abrindo uma ferida. Dela, caiu uma chuva escura e silenciosa. Gotas negras, que desapareciam antes de tocar o chão. Mas a cidade sentiu. Pessoas acordaram chorando. Algumas esqueceram o nome dos filhos. Outras, pararam de falar. Os olhos se apagavam. A esperança escorria como água pelas mãos. Noah correu pelas ruas até o topo da colina mais alta. Sentia que devia estar ali. O livro em sua mochila queimava como brasa viva. Quando chegou, lá estava ela: Kaori. Sozinha. Os olhos âmbar brilhando como ouro derretido. Ela o encarou. — Você também sente, não sente? — perguntou ela, a voz entre medo e coragem. — Desde sempre. Mas agora é diferente... — Noah respondeu. — O BREU está aqui. O nome foi dito como um sussurro proibido. Mas o vento pareceu ouvir. As árvores se curvaram. E do horizonte, algo se moveu. Uma sombra enorme, arrastando-se pelas montanhas. Eles não sabiam exatamente o que era o BREU, mas sabiam o que ele causava: desesperança, esquecimento, fim. Kaori fechou os olhos. As veias de seus braços brilharam em vermelho. Quando os abriu, o fogo dançava ao redor de seus pés. Noah estendeu a mão. Uma runa brilhou na palma. > Era o começo. A esperança não podia morrer. Ainda não.