Mundo de ficçãoIniciar sessãoMia
Eu respirei fundo e tentei ignorar o cheiro de papelaria fina e dinheiro. Não podia estragar isso. Eu tinha acabado de fazer o CEO rir histericamente por ter quase derrubado a mesa de centro. O mínimo que eu podia fazer agora era provar que era mais do que uma calamidade ambulante. Eu estava instalada na minha nova mesa. Ela ficava de frente para a de Sara e, juntas, elas formavam o posto avançado que protegia a sala de Elijah. Literalmente, a parede da minha nuca era a entrada para o território dele. Era como ser colocada na frente da jaula de um leão lindo e faminto. Sara era brilhante, metódica e muito legal. Ela me deu planilhas e mais planilhas sobre o funcionamento da Hale Enterprises, me explicando o sistema de arquivamento digital, o protocolo de segurança, e a regra de ouro: a agenda do Chefe é o Santo Graal. — Se o mundo estiver pegando fogo, o horário de almoço do Chefe é sagrado. Se o Presidente ligar, você o passa para mim, ou para o Chefe. Se for um telemarketing, você desliga educadamente e apaga o número da existência — Sara instruiu, sem alterar o tom de voz. Eu anotava tudo freneticamente. Os últimos anos da minha vida foram um carrossel de empregos horríveis: garçonete em um bar barulhento, atendente de telemarketing que vendia planos de internet ruins, e até uma experiência traumática como assistente de uma loja de conveniência 24 horas. Aqueles empregos me sugaram a alma, mas me deram disciplina. Eu sabia o que era dar o sangue por um salário que mal pagava as contas. Mas aqui? Aqui o salário era digno, o ambiente era limpo e, mais importante, o trabalho me dava a chance de crescer. Eu daria tudo para ficar. — Entendeu a prioridade de arquivamento dos relatórios de risco, Mia? — Sara perguntou, me tirando dos meus pensamentos. — Entendido — respondi, forçando meu cérebro a focar na tela. — Risco Vermelho para relatórios incompletos de investidores, Risco Amarelo para atraso de cronograma, e Risco Verde para projetos em fase final de aprovação. — Exato. Ótimo. Agora, sobre a segurança. Sara se inclinou um pouco, e sua voz baixou para um tom de seriedade que me fez prestar atenção máxima. — A regra é clara, Mia. Esta área nunca fica sozinha. Então, revezaremos o almoço. E ninguém, eu repito, ninguém entra na sala do Chefe sem ser anunciado. — Ninguém? — perguntei, surpresa pela ênfase. — Ninguém. Pode ser a mãe dele, pode ser o Papa. Se não tiver na agenda ou se não for anunciado por nós, a porta fica fechada. Entendeu? A discrição é o maior valor que temos aqui. — Entendi. Ninguém entra — murmurei, absorvendo o peso da responsabilidade. O dia seguiu assim: uma enxurrada de informações de alto nível que eu absorvia com a avidez de quem estava há dias sem beber água. Eu me sentia esgotada, mas excitada. Eu estava finalmente fazendo algo importante. O grande desafio, no entanto, não eram os relatórios, nem os nomes dos investidores. O desafio era o homem a uma parede de distância. De vez em quando, a porta dupla se abria. Elijah saía, impecável, no terno que parecia ter sido costurado em seu corpo. Ele nunca falava diretamente comigo na frente da Sara, mas eu sentia os olhos dele. Ele passava por nós em direção aos elevadores e, por uma fração de segundo, nossos olhares se encontravam. O olhar dele era intenso, profundo, e carregado de um conhecimento que só nós dois compartilhávamos: o segredo de que eu o confundi com um agiota, o desastre da bebida, e agora, o caos da minha estreia em seu escritório. Eu tinha que fingir. Para Sara, Elijah Hale era apenas meu novo Chefe, o CEO inatingível. Eu não o conheço. Eu o chamo de "Sr. Hale". Eu sou profissional. Eu sou discreta. Eu tentava manter o meu foco na planilha. Mas a cada vez que ele saía da sala, a tensão na atmosfera me fazia errar o cálculo mental da hora do almoço. Num desses momentos, ele saiu, deu um comando rápido para Sara sobre um almoço de negócios, e seus olhos encontraram os meus. Eu senti meu rosto esquentar. Ele não sorriu, mas havia um brilho de diversão e possessividade que me fez perder o ar. — Algum problema, Mia? — Sara perguntou, a voz cortando minha concentração. — Não! Nenhum. Só… analisando o fluxo de dados — eu gaguejei, apontando para a tela. Sara franziu o cenho. — Você está na planilha de horários. — Ah! Certo. Horários. Um fluxo muito importante, Sara. Ela me encarou por um momento, mas balançou a cabeça e voltou ao trabalho. No meio da tarde, enquanto eu tentava decifrar uma sigla complexa, a porta se abriu e um homem entrou. Ele era quase tão alto quanto Elijah, mas com um charme mais solto, um sorriso fácil e um terno que parecia casualmente caro. Ele irradiava o ar de "diretor de cinema bonito". — Sara, a máquina voltou a funcionar, que bom! — disse ele, com uma voz calorosa. Ele apertou a mão de Sara, mas seus olhos pararam em mim. — Boa tarde, Sr. Samuel. Esta é Mia, a nova assessora — Sara apresentou, mantendo a formalidade. — Olá, Mia — ele disse, com um sorriso de tirar o fôlego. Ele era lindo de um jeito menos intimidante que Elijah, mais galanteador. — Bem-vinda ao caos. Prazer, sou Samuel, o diretor de Operações. Ele se inclinou sobre a minha mesa e diminuiu a voz, me dando uma piscadela: — Tenho certeza de que uma flor tão bonita como você não veio parar aqui só para cuidar de planilhas. Quando a Sara der uma folga, eu te mostro os relatórios realmente interessantes desta cidade. Tipo, um jantar. Meu rosto ficou vermelho. Era a primeira cantada no escritório, e era vinda de um diretor! De repente, a porta dupla de Elijah se abriu novamente. Ele estava parado na entrada, sério e com o olhar afiado, segurando o tablet que eu quase derrubei mais cedo. — Samuel — a voz de Elijah era fria, cortante. — A reunião das três horas sobre o Projeto Titan precisa ser imediata. E traga Sara e os documentos de risco. Rapidamente. O tom era de Chefe. De CEO. Aquele que não admitia atrasos. Samuel se endireitou imediatamente, o sorriso galanteador sumindo. — Certo, certo, Chefe. Já estou indo. Ele me deu um último e rápido sorriso, quase um pedido de desculpas, e seguiu Elijah para a sala. Sara se levantou e pegou os documentos. — Viu, Mia? O Chefe está sempre um passo à frente. Eu assenti, com o coração acelerado. Imaginando que a intervenção de Elijah não tinha sido sobre o "Projeto Titan". Tinha sido sobre Samuel e a cantada que ele deu em mim, será o que ele estava querendo de mim? Eu tinha que ser discreta e profissional, mas estava claro que o meu chefe — aquele que me resgatou do desespero e me observava de perto — não estava muito interessado em manter a discrição quando o assunto era eu. Mais uma vez, eu voltei para as minhas planilhas, com a certeza de que aquele emprego seria o mais difícil, mas também o mais eletrizante da minha vida.






