Como muitas das coisas que eu estava experimentando pela primeira vez naquele dia, aquele jantar tinha sido uma das coisas mais maravilhosas que já comi na vida. O único erro tinha sido deixar Matt combinar cada um dos pratos – entrada, principal e sobremesa – com o seu vinho preferido. O banho gelado de piscina, seguido do banho quente de chuveiro, tinham ajudado a amenizar o efeito do whisky em meu organismo. Mas as taças de vinho logo me deixaram alcoolizada além da conta novamente.
- Acho que a última vez que eu bebi tanto, foi na faculdade... – Tento me levantar, mas o mundo está rodando ao meu redor. – Opa... – me atrapalho com as próprias pernas e me apoio na mesa.
- Onde você acha que vai assim? – Matt permanece sentado, uma boa escolha, visto que ele também bebeu bastante.
- Casa? – Digo. – Amanda... Angie... Ela já deve estar quase acabando.
- Mandei uma mensagem para sua amiga... – ele exibiu o celular. – Disse para que não se preocupe porque eu vou te deixar em casa.
- Não vai não... – eu protesto. – Você está bêbado.
- Pra caralho – ele confirma. – Mas sóbrio o suficiente para não estar pensando em dirigir nesse momento. Além disso, seu vestido ainda vai demorar...
- Ai, merda... – digo, ao me lembrar que ainda estou usando um roupão.
Cambaleio até a cama de casal e me jogo nela de costas, sentindo o colchão macio na medida certa acolher meu corpo. Segundos depois sinto Matt se jogando ao meu lado. Ele trouxe uma das garradas de vinho com ele, o que me parece uma péssima ideia.
- Já não estamos bêbados o suficiente? – Pergunto.
- Depende. Suficiente para quê?
- Esquecer os problemas? – Sugiro.
- Não, não mesmo... E eu diria que nem você.
- Com certeza não...
- Sua sobrinha...
- Ela me trata como irmã – o interrompo. – Meus pais, digo, minha mãe e meu padrasto, eles a criaram como filha, então... A trato como minha irmãzinha.
- A doença dela... é genética?
- Talvez, mas não conhecemos o pai dela... Merda, eu vou precisar disso... – arranco a garrafa de vinho da mão de Matt e bebo diretamente do gargalo. – Sophia não foi fruto de um relacionamento... Minha irmã foi estuprada.
- Porra, Ella! – ele pega a garrafa de volta e também bebe um pouco, chocando com a informação. – Caralho! Sua irmã, ela... ela...?
- Só descobrimos quando a gravidez já estava em estágio avançado, e acho que ela nunca nem teria contado se não fosse a pressão do nosso padrasto para saber sobre o “genro” – faço aspas no ar com as mãos. – Ela nunca denunciou e escolheu ter a criança porque, segundo ela, Sophia não tinha culpa. - Matt se virou de lado na cama, de frente para mim e começou a acariciar meu braço levemente. – O pior, é que minha irmã nunca conseguiu superar o que aconteceu. Ela entrou em uma depressão profunda e acabou tirando a própria vida.
Matt ficou quieto por alguns segundos, apenas bebendo mais alguns goles e encarando o teto antes de falar. Além da minha família, e agora de Matt, claro, havia duas pessoas para as quais eu já tinha contado essa história: minhas duas melhores amigas, uma delas era Amanda, claro. Ambas tiveram uma reação bem parecida com a que eu via em Matt agora, um misto de pena e impotência que se resumia a falta de palavras para expressar o quanto tudo aquilo era uma merda.
- Hoje eu acordei achando que minha vida era uma merda poque eu nunca ia conseguir agradar o meu pai o suficiente para ter a confiança dele em deixar eu assumir a empresa. Isso soa tão mesquinho perto de tudo o que você passou.
- Não quero fazer meus problemas parecerem maiores que o seus – garanto. – Acho que só estou um pouco sensível por estar sendo obrigada a fazer o que estou fazendo, sabe?
- Quando a Sophia vai operar?
- A cirurgia está marcada para daqui há dois meses, mas provavelmente vamos ter que acabar adiando.
- Você disse que era urgente.
- E é! Mas...
- Eu pago – ele me interrompe.
- O quê? – Ofendida, me sento rápido demais na cama e sinto uma vontade quase incontrolável de vomitar. – Não quero que sinta pena de mim.
- Não é isso... – ele também se senta. – Eu só...
- Eu não vou transar com você! Pensa que não reparei nesses seus olhares?!
- É claro que eu tô olhando, porra! Você é gostosa pra caralho e tá usando só um roupão, sem roupa de baixo, e deitada na minha cama, você queria o quê?
- Eu não vou transar com você... – me levando e, ainda cambaleando, sigo em direção a saída. – Não foi o acordo!
- Relaxa! – Ele também se levanta e me segura pelo braço, me impedindo de continuar me afastando. – Calma! Eu sei muito bem qual era o acordo. Eu só quero propor um novo acordo...
- Não! Eu não...
- Não vai transar comigo, eu já entendi. Não é esse o acordo que quero propor.
- Então o quê? – Ainda me sinto um pouco agressiva, mas só porque estou com medo de que Matt possa querer forçar alguma coisa. Esse sempre foi o meu medo, todas as vezes em que Amanda me fez a proposta de engrenar pelo mesmo caminho que ela. Depois do que aconteceu com a minha irmã...
- Você disse que precisava de mais dezenove encontros para pagar a cirurgia da sua irmã...
- Sim, sobrando um pouco pra medicação e pós cirúrgico. Algo em torno disso.
- E quanto tempo você acha que demoraria para finalizar todos esses encontros.
- Hum... – penso por uns segundos. – Talvez uns seis meses seu te tiver sorte.
- Então, eu vou ser os seus próximos dezenove encontros.
- Isso é ridículo.
- É mesmo. Eu acho que prefiro pagar pelos seus próximos seis meses inteiro e você se torna uma espécie de minha funcionária durante esse período.
- Você tá prestando atenção no que você tá falando? Não faz sentido!
- É claro que faz. Eu pago metade adiantado e o resto ao logo dos meses, assim você já vai ter o dinheiro para operar sua irmã. Eu te ajudo, você me ajuda.
- É claro que isso seria extremamente benéfico para mim, mas eu não vejo como eu estaria te ajudando. É ridículo! Por que você ia querer me ter ao seu lado por seis meses?
- Primeiro porque você é uma pessoa interessante, fácil de conversar e não me faz querer arrancar meus próprios ouvidos toda vez que abre a boca, como algumas das garotas que minha mãe insiste em me apresentar fazem. Segundo porque minha mãe te odiou, o que é um baita bônus pra mim. Terceiro porque minha ex, você a viu na toalete, anda enchendo a porra do saco pra gente voltar e eu não tô afim. E quarto por que... – Ele desliza a mão pela minha mandíbula até minha nuca, entrelaçando seus dedos em meus cabelos. - Ella, eu vou adorar fazer você mudar de ideia quanto ao sexo.
- É uma proposta tentadora... – admito, ao mesmo tempo em que tento manter minha respiração regular. Era bem difícil com ele me segurando daquele jeito e me olhando com tanto desejo. – Mas acredite, eu não mudaria de ideia com relação ao sexo. E se vamos fazer um acordo, isso precisa ficar bem claro porque eu não transo por dinheiro. Nada contra, minha melhor amiga faz. Eu só não consigo.
- Ótimo, porque eu também não pago por sexo. Você vai me ajudar com a minha reputação, só isso. É claro que eu não vou me importar se as coisas esquentarem um pouco, mas se você falar não, será não. Se você pedir para eu parar, eu vou parar. – Ele se aproxima ainda mais de mim e cola seus lábios em minha orelha, sussurrando: - Mas te garanto que não vai demorar seis meses para você estar me implorando para eu te foder gostoso. - Suas palavras me causam tantos calafrios que por um segundo, só por um segundo, eu acredito cem por cento nele. – Temos um acordo?
- Sim, temos um acordo.
- Duzentos e cinquenta mil, porra! Você só pode ter uma boceta de mel! - Shiiiu! – Eu levo o dedo aos lábios, pedindo que Amanda mantenha o tom de voz baixo. Corro até a porta do meu quarto e a fecho, com medo de que meus pais possam ouvir. - Ele tinha algum tipo de fetiche estranho? – A voz de Amanda está bem mais baixa agora. – Alguma coisa nojenta? – Faz uma careta. - Eu já disse que não transei com ele! - Meu amor, fica difícil de acreditar quando o cara te mandou um bônus de duzentos de cinquenta mil. - Ele realmente fez isso? Eu me lembro do nosso acordo, é claro. Mas depois de que saí daquele clube e o álcool foi progressivamente deixando o meu corpo, me pareceu extremamente improvável que Matt estivesse falando sério. Ainda mais que ele disse que faria o pagamento em duas partes, o que significava que... caceta! - Sim, já está na sua conta, você não viu? - Meu celular estragou, lembra? - É verdade, talvez isso justifique o presente... Ela remexe em sua bolsa Prada, qu
Minha família tinha um comércio que funcionava no andar de baixo da nossa casa. Começou como uma pequena mercearia, vendendo produtos alimentícios de primeira necessidade. Apenas uma vendinha de bairro mesmo, mas que sempre nos ajudou a manter as contas em dia. Depois de um tempo, Miguel, meu padrasto, expandiu o espaço e colocou algumas mesinhas. Passamos a vender também bebidas e petiscos rápidos. Tinha sido uma boa ideia, visto que sempre tinham alguns homens conversando aleatoriedades e bebendo, ainda que fosse segunda-feira de manhã. Mas também tinha sido uma má ideia, visto que sempre tinham alguns homens conversando aleatoriedade e bebendo, ainda que fosse segunda-feira de manhã.Nossa venda não estava nem perto de ser um sucesso empresarial, ou mesmo de ser suficiente para sustentar uma família de oito pessoas. Mas como eu e meus dois irmãos estávamos desempregados, conseguíamos nos revezar para cuidar do estabelecimento. As manhãs eram minhas.Por isso, quando Matt me mandou
“- Eu mando o motorista, Ella” – desdenhei, enquanto contava a história toda para Amanda.Obviamente eu tinha ligado correndo para a minha amiga. Eu não tinha a menor intensão de aparecer no escritório de Matt usando calça jeans e camiseta do Harry Potter. Mas, dito isso, eu não fazia ideia do que usar. Não era exatamente como se eu tivesse muitas opções.- Ele é fofo – respondeu ela, mexendo no meu armário.- Ah, claro. Vai ser muito fofo também quando o Bruno ou outra pessoa me ver entrando em um carro de luxo.- Mete o foda-se, Ella! Você não está fazendo nada de errado.- Eu sei! Mas você sabe que as pessoas não pensam assim...- Você deveria se importar menos com o que as pessoas pensam! – Ela briga. – Ninguém tá pagando suas contas! Aliás, o Matt tá.- Você sabe que eu não consigo ser como você!Amanda revira os olhos e volta a se concentrar nas minhas roupas.- Posso te emprestar algo, se quiser.- Não posso ficar te pedindo roupas emprestadas toda vez que for sair com ele, Man
- Ele te deu o cartão dele e disse pra você usar à vontade? Amanda ainda não acreditava que eu tinha pagado nosso almoço em um dos restaurantes que sempre quisemos ir – e nunca pudemos pagar – do shopping mais chique da cidade. E que agora estávamos indo até uma loja super renomada pedir para que “renovassem o meu guarda-roupas”. - Dá para acreditar? E o cartão é feito de ouro! - Deixa eu ver! Cadê? - Dentro do meu sutiã! – Digo, como se fosse óbvio. – Eu não vou correr o risco de perder ou de alguém me roubar. Tá seguro. - Super seguro. Até porque ninguém coloca a mão aí a muito tempo, né amiga? - Cala a boca! – Respondo, mas estou rindo. Entrelaço meu braço no de Amanda enquanto caminhamos olhando as vitrines chiques. Se eu já tinha vindo nesse shopping antes uma vez, era muito. Não era um lugar para mim. Não tinha lojas de departamento. Se eu olhasse para a direita tinha uma Chanel, se eu olhasse para a esquerda tinha uma Prada e se eu olhasse para frente tinha uma Lennox. Na
- Eu nunca mais volto naquela loja! – Lilly dizia revoltada. – Elas foram tão preconceituosas! – Ela baixa a voz para quase um sussurro. – Nunca passei por isso.Nós estávamos sentados em uma cafeteria no shopping. Por mais que Amanda e eu não tivéssemos almoçado há muito tempo – e tivéssemos pedido sobremesa, minha amiga fez questão de pedir três tipos de doces diferentes. Eu pedi apenas um chocolate quente. Estava nervosa e chocolate quente era uma bebida de conforto. Mas preciso admitir que me arrependi um pouco. Se aquele era o melhor chocolate quente que já provei na vida, imagina o resto do menu!- Eu estava com o cartão de crédito de outra pessoa, então...- Não a defenda! – Matt me cortou. – Não tem defesa.- Não tem mesmo! – Amanda concorda. – Ela foi uma idiota.- Não se preocupe, Ella, vou te levar em uma outra loja aqui perto que é maravilhosa! Eu gosto ainda mais dela, na verdade.- Ótimo, vocês já têm planos para até a hora do jantar, então... – Ele se levanta. – Vou vol
Enquanto nos éramos seguidas por três funcionários da loja carregando as compras para mim até o estacionamento, eu pensava que nunca tinha saído de uma loja com tanta sacola junto, nunca! Talvez nem se eu somasse todas as sacolas dos últimos dez anos da minha vida em compras, daria aquela quantidade.Isso em uma loja de departamentos já seria um absurdo, mas em um a multimarcas de grife... Por mais que Lilly não tivesse deixado eu ver a conta, eu tinha certeza de que valia uma fortuna.- Isso é um exagero... – sussurro para Amanda em um momento em que Lilly se distrai com o celular. – Lilly deve ter feito Matt gastar mais do que ele tá me pagando!- Deve? – Amanda dá uma risadinha. – Meu amor, é claro que ela fez!- Eu não consigo me sentir confortável com isso.- Relaxa! – Ela diz. – Isso é troco de bala para gente como os Lennox. Lilly deve fazer uma compra dessas todo mês.- Ainda assim... Não paro de pensar que esse dinheiro poderia ser muito mais bem gasto com outras coisas. Como
Depois do jantar, o motorista de Matt me leva até em casa. Ou melhor, ele me leva até a casa de Amanda. Além de eu saber que não conseguiria entrar em casa com todas aquelas sacolas sem chamar atenção, também seria difícil explicar o fato de estar descendo de um carro chique. Então peço que ele estacione em frente a casa da minha melhor amiga, que fica há apenas cinco minutos de caminhada da minha casa, e aproveito para descarregar todas as compras lá. Fico apenas com a roupa que usarei na manhã seguinte, já que Matt queria me ver novamente, a qual camuflo dentro de sacolas de mercado. O restante das coisas, Amanda iria me levando aos pouquinhos, toda vez que fosse me visitar.Tento entrar em casa o mais sorrateiramente possível, por mais que pelo horário já fosse para todos estarem dormindo. O problema é que não estavam. Quando entro no meu qua
Fico feliz quando levanto na manhã seguinte e Bianca não está mais no quarto. Eu a tinha ignorado completamente quando ela jogou a cartada do Matt, mas se bem conhecia a minha irmã, sabia que mais cedo ou mais tarde ela voltaria naquele assunto. Ficava feliz que fosse mais tarde.Bianca trabalhava como secretária em uma empresa de advocacia, ela odiava o que fazia. Ainda assim, ela sabia que não podia largar, já que seu salário era uma renda complementar necessária para a nossa família. Ela entrava todo dia às nove horas da manhã, o que significava que tinha que sair de casa, no máximo, às oito. Isso me deu pelo menos uma hora para me arrumar, com a certeza de que não a veria.Quando desço até a cozinha para beber um copo de suco de laranja antes de sair de casa, encontro minha mãe cuidado de Sophia e Giovanna. Meu padrasto também já deve ter saído para trabalhar e Bruno deve estar na venda. Breno ainda deve estar dormindo.- Bonita! – Sophia aponta para mim, provavelmente se referind