Eron chega em sua forma de lobo também. Seus olhos cruzam com os meus por um segundo antes de ele focar em Lucian pronto para atacar.
Barulhos ensurdecedores de luta ecoam por todos os lados, a fortaleza está sendo atacada. O lugar sagrado, seguro e imaculado por inimigos está caindo depois de séculos.
Uma parte minha dói por ver minha herança, a que até há pouco tempo atrás foi o lar da minha avó, que um dia foi o lar do meu pai. O lugar que eu deveria proteger e criar meus herdeiros findou seu momento de glória por minha culpa.
Os dois alfas brigam para matar. Nem um deles tem piedade ao avançar com mordidas na intenção de arrancar pedaços.
Eron está fazendo a parte dele, eu devo fazer a minha.
Procuro reunir minhas forças e meu poder pouco desenvolvido. Este lugar é cheio de bruxas e aura mágica. Canalizo a magia ao redor para mim. Consigo pouco dela antes de começar a ser demais para a minha capacidade de suportar.
Consigo abrir um rombo das grades que me prendem. Esse é um tipo de prisão sem porta, feita para não deixar quem esteja escapar a não ser por uma bruxa habilidosa.
Não sou a mais habilidosa das bruxas por não ter tido o treinamento devido, mas aprendi o básico com a minha avó no tempo que me foi permitido passar com ela.
Empurro as grades para o lado, elas têm uma consistência moldável, em consequência disso estão em uma temperatura de queimar a pele. Faço força para conseguir me libertar daqui. O cheiro de pele queimada me incomoda, não mais do que a dor.
Ignoro tudo o que sinto e continuo até conseguir sair da jaula. Eu mal saio e ela se retorce de volta para o lugar de onde as tirei. Sufoco um grito ao cair no chão com as mãos machucadas. Elas logo começam a se curar de imediato.
As bruxas daqui acharam que estavam me impedindo, tudo o que fizeram foi me ajudar.
Eron empurra Lucian para a parede com um estrondo. Deve ter quebrado alguns ossos. Ele se levanta mesmo ferido, posso ver a força que faz para se aproximar de nós.
Corro para Eron, ele se abaixa para mim. Subo em suas costas e me seguro o melhor que consigo com os braços ao redor do seu pescoço e as pernas em seu flanco.
Ele corre em direção a porta onde outros lobos estavam nos esperando. O cenário pelos corredores por onde passamos é nada bonito.
Tem sangue para todos os lados, bruxas e lobos machucados insistindo em uma luta para me salvar.
Eron fez tudo isso para vir me resgatar, pois ele me ama.
Escondo o rosto em seu pelo para não ver o massacre do qual eu fui culpada de acontecer. Talia grita o meu nome de algum canto. Não levanto a cabeça para procurar sua voz.
Apesar da traição de todas elas que se bandearam para o lado do grande alfa Lucian, elas ainda são do meu clã e me dói ver essa situação.
Me escondo como uma covarde e me agarro a Eron por todo o caminho de volta. As lágrimas escorrem por mim por lembrar da destruição e de que eu fui a culpada por ela acontecer.
Ao chegarmos na matilha, Eron me leva direto para sua casa. Rayka nos espera com panos quentes e ervas curativas. Ela é a nossa médica.
Rayka pergunta se estou bem enquanto se apressa em cuidar dos ferimentos do nosso alfa. Sei que temos as nossas diferenças, mas sei também que não é pessoal. Ninguém na matilha gosta de mim, pois sou filha de uma loba com um descendente de bruxa.
Como bruxa eu sou fraca por não ter podido desenvolver as minhas habilidades a vida inteira. Minha mãe queria que eu focasse em ser uma loba forte. Mas acontece que eu cresci, passei pela puberdade e não me transformei.
Fui mordida diversas vezes, meus pais chegaram a me levar para a minha vó na fortaleza, para ela realizar alguma magia capaz de despertar esse meu lado. Infelizmente para mim e para os meus pais eu não tenho esse lado.
Eu sou só bruxa, nunca vou conseguir me transformar em loba.
Eron se transforma de volta pegando de volta as roupas deixadas separadas. Ele repete a pergunta de Rayka sobre o meu bem-estar.
Quando respondo que sim, antes mesmo de conseguir explicar como estou intacta, ele pega em minhas mãos, surpreso.
— Às vezes esqueço que vocês bruxas têm seus truques — ele fala terminando de se arrumar em frente a um espelho.
Mais uma vez tento explicar como estou intacta, ele fala antes de mim: — Rayka, vou precisar de você para cuidar dos outros.
Ela assente, sai depressa e ficamos só nós dois aqui dentro. Ele toca em meu queixo, olho para ele. Recebo um beijo breve nos lábios.
— Use suas habilidades de cura nos outros também, mais tarde nos encontramos — Eron fala já saindo da casa.
Vou logo atrás. Preciso aproveitar essa chance de ser útil. Não é todo dia que posso me mostrar como um membro contribuinte da matilha. Sendo como sou, devo me esforçar bem mais se quiser ser aceita.
Não sou boa com magia de cura, não sou boa com magia em geral. Sei fazer o básico na prática e pouco além disso na teoria. Meu pai costumava fazer vista grossa para os livros que eu ganhava de presente da minha avó e lia escondido da minha mãe.
Faço o que posso pelos outros. Meu trabalho é mais fazer curativos e jogar pequenos encantamentos nas ervas misturadas para ajudar na cicatrização.
Mesmo com a minha ajuda vão demorar para se recuperar.
— Eu vi você se curando instantaneamente, bruxa. Por que não está fazendo isso por nós? Nós estamos desse jeito por sua culpa, fomos lá para resgatar você e nem se esforça o bastante para curar a gente — um dos lobos que segurava a porta para Eron e eu fugirmos, me acusa.
— Não fui eu quem fiz isso, foi uma magia que jogaram em mim para me impedir de fugir — me defendo, em vão.
Os lobos vão se aproximando de mim, em especial os feridos protestando. Rayka segura o que está fazendo o curativo para ele se sentar de volta e continua com o que fazia.
Um deles põe as garras para fora e arranha o meu braço. Arranca mal surgem linhas vermelhas em minha pele, são tão poucas que elas logo são absorvidas quando a pele se fecha.
— Viu, eu disse. Essa bruxa está se negando a ajudar a gente — ele fala em alto e bom som para que todos os presentes ouçam.
Outro chega perto de mim e repete o ato, e mais outro, e mais um outro. Vou me chegando para trás até estar encostada na parede, me encolho no chão esperando que desistam de me machucar.
— Vocês não veem que isso é inútil? Ela vai continuar se curando enquanto vocês, tolos, estão arruinando os curativos recém feitos — Rayka fala levantando a voz.
Agradeço a ela em um mover de lábios que ela ignora. Sei que fez isso para não ter que refazer os curativos e controlar a bagunça e desordem.
De todo modo eu sou grata por ter me defendido.
Quem entra logo depois da confusão é Eron. Todos se recolhem respeitando a presença do nosso alfa. Ele me olha encolhida no chão e então para todos os outros.
— Nós acabamos de voltar de uma missão de resgate e vocês tentam machucar a resgatada? Quantos eu preciso punir para que entendam que não devem machucar ela? — a voz de Eron ressoa por todos nós com sua autoridade.
Ninguém responde, eu tampouco. Ninguém é louco de interromper nosso alfa.