O sol atravessava as cortinas pesadas da sala, insistente como se zombasse da ressaca que tomava conta do ambiente. No sofá, entre almofadas jogadas e garrafas vazias de água, Sofia gemeu alto, apertando as têmporas com as pontas dos dedos.
— Ah, minha cabeça... — murmurou, a voz rouca e pastosa. — Por que a tequila parece tão legal na hora e tão maldita no dia seguinte? Com os olhos semiabertos, ela virou o rosto devagar, tentando entender onde estava. Quando reconheceu a sala de Isabella, soltou um suspiro cansado. Seus olhos caíram sobre a amiga, ainda dormindo ali do lado, com a boca entreaberta e a maquiagem completamente borrada, deixando marcas escuras ao redor dos olhos. — Olha só quem virou um panda durante a noite... — disse, soltando um riso fraco. Ela se jogou novamente no sofá, escondendo o rosto no travesseiro, quando de repente a campainha começou a tocar com insistência. Uma, duas, três vezes. Sofia grunhiu. — Não... não, por favor... A campainha tocava como uma marreta em sua cabeça. Isabella ainda dormia, mas ao som irritante, resmungou algo ininteligível e se mexeu. — Que inferno... — murmurou, com a voz abafada. — Finge que não é com a gente... — resmungou Sofia. — Eu não vou abrir. — Você que mandou o mundo parar de girar ontem à noite, aguente agora — retrucou Isabella, com os olhos ainda fechados. A campainha insistiu. — Eu juro por Deus, se for vendedor, vou mandar ele tomar naquele lugar... — resmungou Isabella, se arrastando do chão como um zumbi. Estava com a roupa amarrotada da noite anterior, os cabelos bagunçados e o delineador borrado formando verdadeiras manchas nas bochechas. Com passos pesados, ela caminhou até a porta e a abriu de supetão, pronta para xingar quem estivesse do outro lado. — O que foi?! — disparou, sem nem olhar direito. Mas quando finalmente levantou os olhos e encarou quem estava ali, sua expressão congelou. Isabella ficou desconfortável ao ver a carranca que Donavan fazia diante de sua má educação impulsiva. Sua expressão rude parecia não se abalar, e isso a irritou ainda mais. Mas, tentando manter a compostura — embora com dificuldade — ela respirou fundo e ergueu o queixo, firme. — O que o senhor faz aqui? — perguntou, com um toque de arrogância. — Não lembro de ter lhe convidado à minha casa... ou de sermos amigos. Donavan arqueou uma sobrancelha, mantendo-se impassível. Seus olhos pareciam avaliá-la com um desprezo disfarçado de superioridade. — Seus pais não lhe deram educação? — rebateu com frieza. — Essa não é uma forma adequada de se dirigir a uma visita... ainda mais a uma pessoa importante como eu. A tensão entre os dois se tornou quase palpável, como uma tempestade prestes a desabar. Sofia, que até então observava tudo do sofá, se ergueu num pulo, a ressaca esquecida por um breve momento. A cena era boa demais para ignorar. — Gente... isso aqui virou novela mexicana e eu não fui avisada? — disse, rindo alto e caminhando até a porta. Ela olhou para Donavan, depois para Isabella, e então, sem cerimônias, arrancou as flores das mãos dele com um sorriso travesso no rosto. — Essas flores são para a Isabella... ou pra mim? — perguntou, brincando com as pétalas. — Porque, se for pra mim, aviso logo que não aceito rosas de qualquer um. Agora, se for pra Isa... olha, acho que seu amigo ficou interessado nessa pequena tempestade aqui. Ela piscou para Isabella com deboche, depois voltou o olhar para Donavan, analisando-o de cima a baixo com uma expressão fingidamente crítica. — Além do mais, não sei se você faz o meu tipo — completou, encostando no batente da porta com um sorrisinho atrevido. Donavan soltou um suspiro pesado, como se tivesse sido forçado a lidar com dois furacões antes mesmo do café da manhã. Seus olhos voltaram para Isabella, ignorando por um instante a provocação de Sofia. — Dominic pediu que eu entregasse essas flores — disse, tentando manter o tom neutro. — E... ele gostaria de vê-la novamente. Isabella cruzou os braços, sem esconder o ceticismo no olhar. — Ele não é muito de pedir por favor, é? — Ele não costuma ser ignorado — retrucou Donavan, com um sorriso de canto. Sofia revirou os olhos e empurrou a porta com o quadril, deixando espaço para que Donavan entrasse. — Tá bom, galã de terno e pose — disse. — Entra logo antes que a vizinhança comece a tirar foto. Isabella bufou, mas deu de ombros e se afastou, voltando para o sofá. Ainda sentia o gosto da noite anterior na boca e a dor de cabeça começava a dar sinais de que ia durar o dia inteiro. Donavan entrou, observando o ambiente com uma expressão discreta, mas atenta. Nada escapava de seus olhos — nem as fotos nas paredes, nem as garrafas vazias no chão. — Então... Dominic quer me ver? — Isabella perguntou, jogando-se no sofá. — Não é mais fácil ele me ligar? — Ele prefere o mistério — respondeu Donavan. — Além disso, acha que certas conversas devem ser feitas pessoalmente. Sofia, agora sentada ao lado da amiga, ergueu as flores no ar. — Pelo menos ele tem bom gosto — disse, inspirando o aroma. — Melhor do que os buquês mixurucas que eu recebo. — E você vai? — perguntou Donavan, encarando Isabella. Ela mordeu o lábio inferior, pensativa. Ainda lembrava dos olhos intensos de Dominic na noite anterior, do toque quase imperceptível na cintura, da sensação incômoda — e estranhamente excitante — de estar sendo observada. — Talvez... — murmurou. — Mas antes disso, vou tomar um banho. E se ele quiser algo, que me procure como um homem de verdade, e não enviando recados como um príncipe mimado. Donavan deu um leve sorriso, quase imperceptível, e assentiu com a cabeça. — Direi a ele. Mas... se fosse você, não o deixaria esperando muito. Com isso, ele se virou e saiu, deixando um rastro de silêncio e curiosidade atrás de si. Isabella e Sofia se entreolharam. A ressaca parecia ter dado lugar a um novo tipo de dor de cabeça — uma que envolvia flores, olhares intensos e o tipo de homem que você sabe que deveria evitar… mas não consegue parar de pensar. Olhando a porta que Donavan acabara de fechar, as flores nas mãos de Sofia e a cara atrevida e debochada da amiga, Isabella soltou um suspiro arrastado. Nada como começar o dia com uma visita indesejada e indiretas de um homem misterioso que achava que podia mandar recados em vez de aparecer pessoalmente. Sem dizer uma palavra, virou-se com expressão entediada e caminhou em passos lentos até o corredor. Sofia continuava analisando o buquê como se fosse um presente de um reality show amoroso, e aquilo só fez Isabella revirar os olhos. — Vou dormir de novo. Me acorda só quando esse mundo parar de girar — resmungou. Sofia riu alto, acomodando-se novamente no sofá. — Se o Dominic te sequestrar hoje, juro que vou fingir que não vi nada — provocou, balançando as flores no ar. Isabella apenas levantou o dedo do meio antes de desaparecer no quarto. Jogou-se em sua cama macia com um alívio que só o conforto do lar podia proporcionar. Enrolou-se no lençol como se estivesse se escondendo do mundo e fechou os olhos, tentando apagar os últimos minutos da memória. O quarto estava escuro e silencioso, e em poucos instantes ela sentiu seu corpo relaxar. Os pensamentos ainda zumbiam em sua cabeça: Dominic, a balada, o olhar dele, a forma como nenhum homem ousou se aproximar depois daquele toque. Tudo era estranho… perturbador… e intrigante. Mas naquele momento, nada importava mais do que o descanso. Isabella suspirou uma última vez, abraçando o travesseiro. E então dormiu profundamente, como se pudesse escapar da tensão que estava apenas começando a se instalar em sua vida.Enquanto Isabella permanecia mergulhada num sono profundo, abraçada ao lençol e ainda vestindo a roupa da noite anterior, Sofia se movimentava pela cozinha com passos preguiçosos, mas decididos. O cheiro de arroz recém-cozido e tempero caseiro começava a invadir todos os cômodos, dançando no ar até alcançar as narinas de quem estivesse por perto. Ela cantarolava baixinho, tentando afastar a dorzinha teimosa da cabeça que a ressaca ainda insistia em manter.Preparava-se para acordar Isabella com um prato de comida na mão quando a campainha tocou. O som fez seus olhos se estreitarem, e ela olhou na direção da porta com uma expressão indignada.— As pessoas aqui de Sicília já foram mais educadas — resmungou em voz alta. — Antes, ao menos perguntavam se podiam fazer uma visita. Hoje, simplesmente batem na porta como se morássemos numa república.Mesmo contrariada, seguiu até a porta, limpando as mãos num pano de prato jogado sobre o ombro. Quando espiou pelo olho mágico, o aborrecimento d
Sentado em sua poltrona de couro, Dominic girava lentamente o copo de uísque entre os dedos. O líquido âmbar dançava sob a luz baixa do escritório. Do outro lado da sala, Donavan observava em silêncio, os olhos sempre atentos, como o escudeiro fiel que era.— Dominic… — disse Donavan por fim, quebrando o silêncio. — Não é hora pra distrações. Ainda estamos tentando descobrir quem foi o filho da mãe que roubou nossa carga. Temos homens a interrogar, rastros a seguir, e traições pra cortar pela raiz.Dominic não respondeu de imediato. Levantou-se lentamente, levou o copo aos lábios e tomou o restante do uísque de uma só vez. O gelo tilintou no fundo.— Não são distrações — disse com voz firme. — Não se trata de "mulheres", Donavan. Trata-se dela… Isabella.Donavan ergueu uma sobrancelha, franzindo a testa.— Então é sério…Dominic caminhou até a janela e olhou para os jardins da mansão.— Mas não se engane — continuou ele. — Minha prioridade será sempre a famiglia. Eu não me distraio. E
O silêncio entre Dominic e Donavan à mesa era denso. O jantar havia esfriado, e a tensão do telefonema ainda pairava no ar. Dominic girava o copo de uísque com lentidão, os olhos fixos em um ponto qualquer da toalha branca.Foi quando um lampejo cortou sua mente como uma lâmina: Isabella.— Merda... — murmurou, passando as mãos pelo rosto.Donavan o observava com o canto dos olhos, e um sorriso debochado surgiu no rosto dele.— Pior que um tiro... é uma mulher esquecida.Dominic soltou um riso abafado, mais de frustração que de humor.— Com tudo isso... eu simplesmente esqueci que ela estaria me esperando. — Ele se levantou num ímpeto, jogando a guardanapo sobre a mesa. — Vamos. Ainda dá tempo de salvar essa noite.Donavan ergueu-se em seguida.— Isso se a noite não decidir te matar antes.Ambos caminharam para fora do restaurante. O ar noturno estava pesado, quase como um presságio. A brisa carregava um cheiro distante de gasolina e pólvora — ou talvez fosse apenas paranoia. O Knight
As paredes da casa estavam silenciosas demais para uma noite de Domingo na Sicília. Isabella caminhava pela sala com passos lentos e inquietos, lançando olhares constantes para o relógio pendurado na parede. Os ponteiros marcavam exatamente meia-noite. Ela suspirou fundo, frustrada.— É claro que ele não vem... Homens como ele só aparecem quando querem! — murmurou para si mesma.Sofia havia saído mais cedo com Roberto para uma festa de algum conhecido da família, deixando Isabella sozinha com os pensamentos e a espera. A jovem não fazia ideia do que havia acontecido com Dominic, e isso a deixava ainda mais irritada do que a sua ausência em si.Sentindo o estômago roncar de fome, ela foi até a cozinha e abriu a geladeira. Vasculhou por alguns minutos, fazendo caretas para as sobras de comida ou para os ingredientes que exigiriam tempo e paciência que ela não tinha. Resignada, pegou o celular e ligou para a sua pizzaria favorita.— Uma marguerita grande, por favor. E pode colocar bastan
Dominic despertou com um incômodo no ombro esquerdo. O ferimento ardia levemente, lembrando-o dos últimos acontecimentos. Levantou-se devagar, sentindo o lençol colado à pele pelo suor da noite mal dormida. Passou a mão pelo rosto, tentando dissipar o cansaço e a dor que se misturavam em silêncio. Pegou o celular na escrivaninha ao lado da cama e, ao ver o horário — 9:00 — soltou um suspiro impaciente.Dirigiu-se ao banheiro e girou o registro do chuveiro. A água quente deslizava sobre sua pele como uma tentativa de apagar os rastros da violência da noite anterior. Ficou ali mais tempo do que o habitual, em silêncio, com os olhos fechados, como se esperasse que a água levasse embora o peso em seus ombros — e não apenas o físico.Ao sair, vestindo apenas uma toalha, Dominic encontrou Donavan sentado na poltrona no canto do quarto. Ele segurava um copo de água e uma cartela de remédios. Sem dizer nada de imediato, Donavan se levantou, estendeu o copo e os comprimidos ao amigo e o cumpri
Dominic saiu do carro com passos firmes, o sol da Sicília se escondia atrás de nuvens pesadas, anunciando o mau presságio que ele já sentia no ar. O prédio onde ficava seu escritório era afastado do centro da cidade, discreto por fora, mas fortemente protegido. Era ali que decisões importantes eram tomadas, longe dos olhos curiosos da sociedade.Donavan andava ao lado dele, observando tudo ao redor. Assim que entraram no hall de entrada, Dominic ajeitou os punhos da camisa branca impecável e soltou um suspiro de tédio misturado com tensão. Ele não gostava de reuniões, mas sabia que parte de ser líder da famiglia era ouvir reclamações e controlar egos inflados.— Preciso de alguns minutos, preciso resolver uma ligação urgente. — Donavan falou, afastando-se discretamente.— Tudo bem. Encontre-me lá dentro. — Dominic respondeu seco, já caminhando em direção à sala de reuniões.Ao abrir as portas pesadas de madeira escura, todos os olhares se voltaram
Mesmo com o cansaço do dia arrastando-se por cada músculo de seu corpo, Isabella não conseguia simplesmente se render ao silêncio da noite. Havia algo nela que insistia em sair, respirar, olhar para o mundo lá fora. Era como se o vazio do sofá e a quietude da casa estivessem pressionando demais seu peito. Depois de lavar o rosto e colocar um vestido simples, mas charmoso, ela pegou a bolsa e saiu sem rumo certo, apenas com a ideia de espairecer e talvez tomar um sorvete — sorvete de pistache, seu favorito desde criança. As ruas estavam tranquilas, mas vivas. Algumas famílias passeavam com suas crianças, casais andavam de mãos dadas como se o mundo inteiro se resumissem aos olhares que trocavam. Isabella caminhava devagar, saboreando cada colherada do doce gelado que comprara em uma pequena sorveteria de esquina. Sorriu ao ver um garotinho tentando esconder um brinquedo novo atrás das costas da mãe. Ela não pôde deixar de pensar: "Será que um dia terei isso? Uma famíli
Dominic revirava-se na cama, inquieto. Os minutos pareciam horas, e o sono simplesmente se recusava a vir. A madrugada avançava preguiçosamente, mergulhando a casa em um silêncio quase sufocante. Ao longe, ouvia-se apenas o som sutil das folhas balançando com o vento. Ele se levantou, ainda com o gosto amargo do pesadelo anterior entalado na garganta.Decidiu que revisaria algumas papeladas no escritório, talvez o trabalho o ajudasse a colocar os pensamentos em ordem. Vestiu a parte de baixo de seu pijama, amarrou-o com descuido e caminhou até a escrivaninha onde deixara o celular. Quando a tela acendeu abruptamente, uma sequência de alertas apareceu.Os olhos de Dominic se estreitaram ao ler as notificações. Algo estava errado.Sem pensar duas vezes, pegou a arma que mantinha guardada discretamente na gaveta da cômoda. Seu instinto gritava. Aquele tipo de alerta não era normal.Ao descer as escadas apressado, o coração acelerou ainda mais. Quando chegou à sala, parou no meio do camin