Duas semanas depois...
Quando a porta da minha casa se abriu, o ar frio de dezembro me envolveu como um abraço gélido, e tive a sensação de estar entrando em uma cápsula do tempo.
Tudo estava exatamente como deixamos na manhã de Natal, duas semanas atrás.
Parei no meio da sala, incapaz de dar mais um passo. O cenário que antes era sinônimo de aconchego agora parecia uma afronta cruel.
Ava amava o Natal. Sempre dizia que era a época em que as pessoas deixavam de lado as preocupações para celebrar o amor, a amizade, a família. Era o seu momento favorito do ano.
Minha visão se turvou enquanto imagens dela invadiam minha mente: Ava rindo enquanto pendurava enfeites, cantando desafinada nossas músicas preferidas, insistindo em embrulhar os presentes com laços perfeitos, escolhendo papéis brilhantes que combinassem.
“— O Natal é a época de renovar a esperança, sabe? De acreditar que as coisas podem ser melhores.”
Podia ouvir sua voz ecoando, viva demais para pertencer apenas à memória.
Mas agora, o Natal havia me tirado Ava.
Meus joelhos cederam, e caí no sofá. O peso da ausência me atingiu como uma onda que não dá tempo de respirar. Olhei para a árvore cintilante e sussurrei para o vazio:
— Você nunca mais vai ver isso, Ava… Nunca mais vai colocar a estrela no topo da árvore. Nunca mais vai cantar aquelas músicas irritantes.
Minha voz falhou, e as lágrimas desceram pelo meu rosto.
O silêncio esmagador da casa me envolveu. Até o zumbido das luzes elétricas parecia zombar da minha dor.
Enxuguei as lágrimas com as mangas da blusa e, com a voz rouca, fiz uma promessa — ao universo, à memória dela, a mim mesma:
— Eu nunca mais vou gostar do Natal. Nunca. Essa época me tirou você. Levou tudo o que importava.
Minhas palavras ficaram suspensas no ar, pesadas como ferro. A partir de agora, eu odiaria o Natal. Odiaria as músicas, as luzes, os enfeites, tudo. Porque, se o Natal não podia trazer Ava de volta, então não significava nada para mim.
A árvore continuava piscando, indiferente ao meu luto, como se não soubesse que sua beleza agora era apenas um lembrete cruel daquilo que eu havia perdido.
Levantei-me com dificuldade, sentindo cada dor no corpo ainda em recuperação, e desliguei as luzes. A casa mergulhou na escuridão.
Enquanto caminhava até o quarto, jurei a mim mesma que nunca mais celebraria o Natal.
11 meses depois...
Os dias se transformaram em semanas, e as semanas, em meses. Onze meses haviam se passado desde que perdi Ava, mas o tempo parecia ter parado.
A casa era ao mesmo tempo meu refúgio e minha prisão. As janelas estavam sempre fechadas, as cortinas pesadas bloqueando a luz do sol. O mundo lá fora continuava a girar, mas eu me recusava a girar com ele.
Minha padaria — antes o orgulho da minha vida — permanecia fechada. A vitrine, que já exibira pães dourados e doces cuidadosamente decorados, agora estava empoeirada e sem vida. Como eu.
As mensagens dos clientes foram diminuindo, até desaparecerem por completo. Era como se eu tivesse deixado de existir para todos. Todos, menos Sophie.
Foi por isso que, quando ouvi as batidas na porta naquela tarde, soube imediatamente que era ela. Ninguém mais aparecia sem avisar.
Demorei a me levantar do sofá, onde passei horas mergulhada em um torpor silencioso, olhando para o nada. Arrastei-me até a porta e abri.
Lá estava Sophie, como sempre — uma mistura de preocupação e determinação estampada no rosto.
— Você sabe que eu não vou desistir de você, não é? — disse antes mesmo que eu pudesse cumprimentá-la.
— O que você quer, Sophie? — Minha voz saiu cansada, rouca, como se não fosse usada há dias. Talvez não fosse mesmo.
Ela entrou sem pedir permissão, como vinha fazendo ultimamente, e fechou a porta atrás de si. Sua presença carregava uma energia deslocada dentro da minha casa apagada e silenciosa.
Cruzando os braços, ela me encarou por um instante.
— O quê? — arqueei a sobrancelha.
— Vai ter uma festa no trabalho. Meu chefe está organizando porque vai escolher o próximo CEO da empresa. Eu quero que você vá comigo.
Ri sem humor.
Ela suspirou e se aproximou, segurando meus ombros.
O nome de Ava era como uma faca cravada com cuidado, mas ainda assim afiada demais. Afastei-me, cruzando os braços.
— Não — ela respondeu, firme. — Mas talvez te lembre que ainda existe algo além desta casa. Além da dor.
Sophie esboçou um sorriso pequeno, quase triste.
Hesitei, encarando-a. Sophie sempre soube como me alcançar, mesmo quando eu me escondia no meu luto. E embora uma parte de mim quisesse recusar, outra — uma bem pequena e tímida — sussurrava que talvez ela tivesse razão.
Talvez fosse hora de tentar.
— Tá bom. Eu vou. — As palavras escaparam antes que eu pudesse pensar demais.
O rosto dela se iluminou com um sorriso de alívio.
Enquanto ela falava animada sobre o local e os detalhes, meus olhos se desviaram para o espelho da sala.
O reflexo me encarava como uma estranha: cabelos despenteados, olhos fundos, ombros curvados pelo peso de meses de luto.
Talvez fosse hora de tentar começar de novo. Não por Ava. Mas por mim.
Suspirei, ainda duvidando se havia tomado a decisão certa.
E torci para não me arrepender.