O som do vento cortando pelas folhas altas era quase meditativo. O ar cheirava a terra úmida e flores silvestres, com o toque sutil de uma tempestade que ainda se formava no horizonte. Estávamos na clareira mais afastada do Clã, onde o silêncio reinava e a natureza parecia respirar junto conosco.Lis estava à minha frente, com os cabelos prateados presos em uma trança simples e os olhos fixos nos meus. Ela segurava um bastão de madeira negra que usava como canalizador, embora eu soubesse que ela não precisava daquilo. Era mais simbólico. Uma lembrança de que até os mais poderosos às vezes precisavam de raízes para se manterem firmes.— De novo — disse ela, firme, mas paciente.Eu respirei fundo, sentindo o peso do cansaço acumulado. A gravidez avançava, e meu corpo começava a dar sinais claros de que não podia manter o mesmo ritmo de antes. Mas havia uma urgência latente em tudo. O tempo corria, e o mundo não esperaria por mim.— Está tudo bem se desacelerar — Lis comentou, como se ad
O frio da manhã beirava o gélido, mesmo com o céu limpo e o sol já subindo preguiçosamente no horizonte. Eu estava na varanda da mansão, envolta em um manto grosso, com as mãos pousadas sobre meu ventre arredondado, sentindo os primeiros raios de luz aquecerem minha pele. A gravidez já avançava o suficiente para que os movimentos do bebê fossem constantes, e às vezes, imprevisíveis.Mas hoje... havia algo diferente no ar.Freiren se revirava inquieta dentro de mim, os sentidos aguçados, como se uma presença invisível se arrastasse pelas sombras da floresta. Ela ainda não dizia nada — não com palavras — mas havia uma tensão no modo como rosnava em silêncio, como se esperasse algo surgir do nada.“Fique alerta”, ela murmurou por fim. “A magia se mexe em lugares que não vemos.”Respirei fundo, tentando me concentrar, mas algo em mim se agitou. Não era exatamente medo. Era uma sensação antiga, instintiva, que crescia com o mesmo ritmo que minha ligação com a terra, com a magia, e com o fi
O tempo passou com a leveza de um sopro e o peso de uma tempestade. Cada dia que nascia trazia novas descobertas, não apenas sobre a magia que fluía em mim, mas sobre o corpo que mudava a cada fase da lua. Já não era apenas eu. Nunca mais seria. A vida dentro de mim crescia com uma força ancestral, preenchendo todos os espaços da minha alma — e também exigindo de mim uma coragem que eu nunca soube que tinha. Lis foi incansável. Mesmo com minha barriga avançada e as costas reclamando a cada passo, ela me treinava com firmeza, como se soubesse que o tempo estava contra nós. E talvez estivesse. O feiticeiro ainda espreitava nas sombras. Sentíamos sua presença, mesmo quando os ataques cessavam, como se ele apenas aguardasse o momento certo para se erguer com fúria renovada. Mas ao lado de Lis, e com Caelum sempre próximo, eu aprendi a usar a magia não apenas como defesa — mas como extensão de quem eu era. — Concentre sua energia aqui, Izzy — disse Lis, tocando meu peito suavemente. —
A primeira dor veio como uma onda surda, pesada e profunda, arrancando-me o ar por um momento. Eu estava no jardim dos fundos da mansão, colhendo folhas de hortelã com Lis para o chá da noite, quando ela me olhou de lado, olhos estreitados como se ouvisse algo que o mundo ainda não captava.— Sentiu?Assenti, levando a mão à barriga. A dor já havia passado, como se nunca tivesse estado ali, mas deixou para trás um calor estranho, uma promessa silenciosa. Meus dedos apertaram levemente a barriga arredondada e senti o bebê se mover — não como das outras vezes. Era diferente. Mais forte. Quase impaciente.Lis largou as folhas.— Está começando.Minha garganta secou.— Tem certeza?Ela me encarou com a calma que só os séculos trazem.— Eu conheço esse olhar. E conheço essa energia. Está na hora, Izzy.A notícia correu como fogo entre as árvores. Quando cheguei ao quarto, Caelum já estava lá, olhos arregalados, o rosto dividido entre ansiedade e amor bruto.— Agora? — ele perguntou, como s
A luz suave da manhã filtrava-se pelas janelas da mansão, dançando sobre os lençóis e acariciando minha pele ainda sensível. O quarto estava em silêncio, exceto pelo som das respirações suaves dos meus filhos. Um em cada braço. Dois corações pequenos, batendo em uníssono com o meu, como se sempre tivessem feito parte de mim.O príncipe e a princesa do Clã Eclipse.Ainda me parecia um sonho.Me acomodei melhor na poltrona próxima à lareira, com almofadas apoiando minhas costas doloridas, e puxei meu robe de algodão branco para amamentar minha filha. Seus olhos dourados — tão estranhamente conscientes — se fecharam devagar quando ela encontrou o seio e começou a sugar com determinação. Ao meu lado, o pequeno dormia, a expressão serena como a de Caelum quando repousa em paz.A maternidade era muito mais do que eu imaginara. Era visceral. Selvagem. Mágica.E transformadora.Estava há dias em resguardo, respeitando os ritos do clã para as mães recém-paridas. Não sair, não tocar em terra fr
A noite caiu com uma suavidade que parecia escolhida pelos próprios deuses. A Lua Cheia pairava sobre o céu do Clã como uma joia líquida, iluminando a clareira com um brilho prateado. Era como se o mundo inteiro tivesse silenciado para aquele momento. A cerimônia de nomeação dos meus filhos. Meu coração batia acelerado, quase fora de ritmo, enquanto segurava os dois em meus braços, envoltos em mantos de linho branco com pequenos bordados em fios de prata. Caelum caminhava ao meu lado, imponente e solene, com os olhos voltados para o centro da clareira onde os Anciões já aguardavam, cercados por um círculo de pedras e runas acesas com chamas azuis. O ar cheirava a alecrim queimado e flores noturnas. Cada membro do clã formava um semicírculo ao redor da clareira, todos com as testas pintadas com o símbolo da Lua. Silêncio absoluto. Respeito. Expectativa. Quando cheguei ao centro, respirei fundo. Sentia o peso de cada olhar sobre nós, mas acima de tudo, sentia o calor dos dois coraç
Meses se passaram desde a cerimônia de nomeação, e embora a paz tenha se mantido na superfície, em meu coração crescia uma inquietação constante. Era como uma brisa gelada que soprava entre os ossos mesmo sob o sol, sussurrando que a calmaria era apenas a respiração funda antes da tempestade. Naquela noite, a tempestade finalmente veio. Acordei com os uivos da vigília de guerra e o som grave dos sinos de alerta ecoando pela floresta. As crianças, que dormiam tranquilas ao meu lado, se remexeram com um leve choramingo, e meu coração se apertou. Caelum já não estava ao meu lado. Havia sentido o perigo antes mesmo de mim, como sempre. Seu instinto de Rei e de pai era afiado. Ele deixara apenas um bilhete breve em cima da cadeira: *“Proteja nossos filhos. Confie em Lis. Estarei na linha de frente.”* Levantei-me de um salto, o corpo reagindo como se a guerra fizesse parte de sua essência. Auren e Lira ainda dormiam, inocentes demais para entender o que se aproximava. Peguei os dois no
A mansão surgiu entre as árvores como um farol depois da tempestade. Cada pedra de suas paredes parecia familiar e acolhedora. Meu corpo doía, minha alma latejava, e meu coração clamava por um único nome. Caelum. Respirei fundo, forçando as pernas a continuarem. A batalha havia terminado — por ora — mas a adrenalina ainda corria sob minha pele como um rio bravo. As roupas rasgadas, as mãos manchadas de sangue, os cabelos colados na testa... tudo em mim exalava desgaste e exaustão. Mas dentro da mansão, havia algo que me mantinha de pé. Algo que era mais forte do que qualquer feitiço ou lâmina: ele. As portas se abriram antes que eu as tocasse. Dois guerreiros me olharam com alívio e reverência, abrindo passagem. O calor do interior me envolveu, o cheiro de madeira, ervas e terra me arrancando um suspiro. E então, ali, no pé da escadaria principal, ele estava. Caelum. Nossos olhos se encontraram. O tempo congelou. Eu o vi, inteiro. Os cabelos presos no alto da nuca, a camisa man