04
No dia seguinte, levantei com o cabelo desgrenhado, o rosto marcado pelo travesseiro e um turbilhão de pensamentos na cabeça. Fui direto para o banheiro. A água quente caía sobre meu corpo, mas não era suficiente para acalmar o que borbulhava dentro de mim.
Me olhei no espelho enquanto enrolava a toalha no corpo. A imagem refletida era a minha — mas ao mesmo tempo, não era. Havia algo diferente nos meus olhos, um brilho novo, quase desafiador. Como se a mulher que me encarava soubesse de algo que eu ainda estava tentando entender.
Naquela entrevista, Elói não só me ofereceu um emprego. Ele despertou algo adormecido. Uma parte de mim que eu mesma havia esquecido. E isso me apavorava... e excitava ao mesmo tempo.
Abri o armário e vesti a roupa que havia separado na noite anterior: calça de alfaiataria preta, blusa branca com leve transparência e um blazer justo. Um salto alto preto completava o visual. Eu estava pronta para enfrentá-lo — ou pelo menos fingir que estava.
Cheguei ao prédio pouco antes das nove. A recepcionista já me esperava com um sorriso e disse:
— O senhor Elói a aguarda na cobertura. Pode subir.
Na cobertura.Claro que seria na cobertura.O elevador parecia lento demais. Meu coração batia no ritmo da expectativa, da dúvida, da tensão.
As portas se abriram com um ding suave, revelando um andar silencioso, elegante, revestido de madeira escura e vidro. Caminhei pelo corredor até a porta dupla entreaberta. Bati levemente.
— Entre — a voz inconfundível dele ecoou lá de dentro.
Entrei. Elói estava de pé, junto à janela, de costas para mim. Usava uma camisa azul-marinho, com as mangas dobradas até os cotovelos. O sol batia sobre ele, como se até a luz soubesse onde deveria estar.
Ele se virou devagar, um sorriso discreto surgindo no canto dos lábios ao me ver.
— Vejo que levou a sério o salto alto.
— Disse que não era fácil de lidar. Achei justo vir armada.
Ele riu. Um som grave, controlado, como tudo nele.
— Gosto disso.
— Do quê? — perguntei, caminhando até ele.
— De mulheres que sabem a força que têm... mas ainda assim, não têm medo de arriscar.
Por um instante, ficamos apenas nos olhando. O silêncio entre nós não era incômodo. Era tenso. Quente.
Então, ele apontou para a pasta sobre a mesa:
— Precisamos revisar alguns pontos do contrato. Mas antes disso... — Ele se aproximou mais. — Me diga, você está aqui por causa do projeto... ou por mim?
Engoli em seco.
A resposta estava presa entre o que eu queria dizer e o que eu deveria dizer.
E talvez... as duas fossem a mesma.
Fiquei imóvel por um segundo. O ar parecia mais denso dentro daquela sala. Os olhos dele estavam cravados em mim, como se pudessem ver através da minha armadura cuidadosamente construída.
— Eu estou aqui… — comecei, medindo as palavras — porque gosto de riscos. E você, Elói, é um dos maiores que já cruzei.
Ele sorriu, mas seus olhos não sorriam. Havia algo mais ali. Controle. Curiosidade. Desejo?
— Gosto de honestidade. Mas ainda não respondeu. Está aqui por causa do projeto... ou por mim?
Cruzei os braços, me aproximando apenas o suficiente para provocar sem ceder.
— Estou aqui por mim.
Isso o fez levantar uma das sobrancelhas, satisfeito.
— Excelente resposta.
Ele contornou a mesa devagar, como um predador que estuda a presa — ou talvez, um homem surpreso por estar prestes a ser caçado. Parou ao meu lado, sem me tocar.
— Neste jogo, não ofereço metades — disse, com voz baixa. — Se entrar, é de corpo inteiro. Inclusive... fora dos escritórios.
Meu estômago deu um salto. Mas mantive o queixo erguido.
— Só mergulho onde sei nadar. E você ainda não me provou que vale o mergulho.
Ele soltou um riso breve, quase admirado.
— Justo.
Então, como se fechasse uma cortina sobre aquele momento intenso, ele pegou a pasta na mesa e a abriu, voltando ao modo executivo.
— Precisamos revisar os pontos sobre sua estadia em Seul. Já reservei o hotel — ele lançou um olhar rápido. — E é no mesmo que o meu, por praticidade, claro.
— Claro... — respondi, sentando.
Mas nada era "claro" com Elói. Cada frase dele vinha com um subtexto, cada gesto parecia escolhido com precisão cirúrgica.
Enquanto discutíamos cláusulas, salários e responsabilidades, meus pensamentos viajavam para além do papel.
Porque, no fundo, eu sabia: aquela viagem não seria só uma experiência profissional.
Seria um campo minado.
E eu… estava disposta a atravessá-lo.
Terminamos a revisão do contrato em pouco mais de uma hora, mas a tensão entre nós durou bem mais que isso. Cada vez que nossos olhos se encontravam, era como se uma linha invisível se esticasse entre nós — prestes a romper ou incendiar.
Fechei a pasta, ajeitei a cadeira e me levantei. Elói também se levantou, quase no mesmo ritmo que eu, como se não quisesse que a distância entre nós aumentasse.
— Então é isso — disse, tentando manter minha postura profissional.
— Quase isso — ele corrigiu, abrindo um leve sorriso. — Hoje à noite haverá um jantar informal com alguns investidores. Quero que venha comigo.
— Hoje à noite?
— Sim. Nada de gravatas ou vestidos de gala. Apenas uma boa taça de vinho e conversas... estratégicas.
— E eu sou o quê? Um acessório de poder?
Ele se aproximou, ficando a poucos centímetros de mim. O perfume dele invadiu meu ar, e minha coragem ameaçou vacilar.
— Não. Você é o trunfo — respondeu com firmeza. — Eles precisam ver que estou apostando alto. E você representa exatamente isso.
Pisquei, tentando decifrar o jogo. Mas a verdade é que parte de mim... gostava de jogar também.
— Às 20h? — perguntei, já sacando o celular para anotar.
— Passo para te buscar às 19h30. Vista algo que diga: “Eu comando minha própria história.” — Ele piscou e deu meia-volta, voltando à mesa como se não tivesse acabado de lançar uma granada emocional em cima de mim.
Saí da sala sentindo minhas pernas bambas. Não por medo. Mas por antecipação.
A noite prometia.
E se eu ia mergulhar nesse jogo… que fosse com salto alto, batom vermelho e a certeza de que, se alguém ia sair queimado, não seria eu.