Paris amanhecia quando o avião pousou.
Lá fora, uma névoa suave cobria a pista, e as luzes da cidade ainda piscavam como se estivessem acordando devagar. O frio atravessou a porta da aeronave assim que ela se abriu — um frio que entrava pelos ossos, mas que, de alguma forma, também clareava os pensamentos.
Com a mala pequena em mãos, caminhei pelo aeroporto sem pressa. Cada passo parecia mais firme, como se eu finalmente estivesse tocando o chão depois de meses flutuando num lugar onde eu não cabia mais.
No saguão, procurei por ela.
E lá estava Sophia Romano.
Enrolada num cachecol azul-marinho, com o cabelo castanho preso num coque bagunçado e os olhos arregalados de emoção. Ela segurava uma plaquinha de papel com meu nome rabiscado em letras tortas:
ALLEGRA — com um coração no fim.
Sorri antes mesmo de perceber.
Ela correu até mim, me abraçou forte, como se quisesse colar os pedaços que restaram.
— Você veio — ela sussurrou, com a voz trêmula. — Você realmente veio.
— Eu vim — respondi, com a garganta apertada. — E não faço ideia do que vai ser agora.
— Ótimo. Isso é exatamente o que você precisava.
Rimos juntas, baixinho, ainda abraçadas, como se o tempo não tivesse passado. Ela me puxou pelo braço com leveza e caminhamos para fora do aeroporto, onde um carro antigo e vermelho — típico da personalidade caótica e encantadora de Sophia — nos esperava.
— Dirigido por mim mesma — ela disse, abrindo a porta. — Reze para chegarmos vivas.
O carro tossiu ao ligar, mas andou.
O caminho até o apartamento foi silencioso, no melhor sentido. Paris parecia respirar de outro jeito. As ruas eram mais cinzas do que as de Nápoles, sim, mas também mais livres. Gente andando devagar, cafés com as cadeiras voltadas para a rua, padarias exalando cheiro de croissant recém-saído do forno.
— A cidade parece me entender — murmurei, olhando pela janela.
— Paris entende todas as mulheres que chegam cansadas — ela respondeu. — Ela te escuta em silêncio e depois te devolve com um pouco mais de coragem.
O apartamento dela ficava num prédio antigo, com escadas que rangiam a cada passo e uma porta principal pintada de verde-escuro. A pintura descascava nas bordas, e a maçaneta tinha que ser girada com um jeitinho especial. Mas o lugar tinha alma.
Assim que entramos, fui envolvida por um cheiro de café, incenso e vida real. A sala era pequena, cheia de plantas em potes diferentes, livros empilhados em lugares improváveis e um gato laranja dormindo sobre a mesa.
— Esse é o Louis. Ele manda aqui — ela disse. — E sim, antes que você pergunte, ele sabe abrir a porta sozinho.
Sorri.
Ela me levou por um corredor estreito e empurrou uma porta à esquerda.
— Esse era o quarto da minha antiga colega de apê. Ela se mudou há uns meses. Desde então, esse quarto ficou vazio. Tá meio improvisado, mas é seu, Allegra.
Entrei devagar. O cômodo era simples, mas charmoso. As paredes tinham marcas de quadros antigos, a janela era enorme e dava vista para os telhados de Paris e uma torre de igreja ao fundo. Tinha uma cama estreita com colcha branca, uma estante pequena e uma cadeira encostada num canto.
— Aqui você dorme. No seu espaço. Sem sofá, sem improviso.
Assenti, sem saber como agradecer.
Voltei para a sala e deixei a mala no canto. Tirei os sapatos. Sentei no chão como quem finalmente encontrou repouso.
Sophia apareceu na cozinha e disse:
— Tem café fresco. E pão com manteiga, se o Louis não tiver roubado.
Fechei os olhos por um instante. Não havia cobrança. Não havia um roteiro. Não havia ele.
Só eu.
E uma amiga de verdade.
Sophia voltou com duas canecas fumegantes. Me entregou uma e sentou ao meu lado.
— Você tá em casa agora. Sem pressão. Sem máscaras. Aqui você pode chorar, gritar, dormir por três dias, ou fazer tudo ao mesmo tempo.
— Eu… — comecei, mas a voz falhou. Engoli em seco. — Eu achei que nunca ia sair de lá.
— Você saiu. Isso já é tudo.
Ela encostou a cabeça no meu ombro, como fazia no colégio, quando alguma de nós tinha o coração quebrado.
Ficamos em silêncio por um tempo. O tipo de silêncio bom, que não precisa ser preenchido.
— Paris é só o começo — ela disse depois, com um sorriso sereno. — Mas primeiro, você precisa descansar. Amanhã, a gente começa a lembrar quem você é.
Assenti.
E as lágrimas vieram. Sem escândalo, sem barulho. Caíram com leveza, como chuva fina em vidro antigo.
Mas não eram de tristeza.
Eram de alívio.
Ali, com uma caneca quente entre as mãos, um gato roncando aos meus pés e a voz da Sophia preenchendo o ar, eu respirei.
De verdade.