Meus olhos permanecem fechados, perdidos entre o sono e a realidade, quando sinto uma mão suave acariciando meus cabelos. O toque é reconfortante, mas o cansaço de ter ido dormir tarde demais torna abrir os olhos quase uma missão impossível.— Filha. — a voz grossa de papai me chama, e, de repente, a curiosidade supera o sono, me forçando a abrir os olhos e olhar em sua direção.Ele está vestido com seu habitual terno e gravata, os cabelos loiros bem penteados, e um olhar doce que me faz sentir segura. Sua mão continua acariciando meus cabelos, e nesse momento, eu desejaria que o tempo parasse. Não apenas porque estou desfrutando desse momento tão bom com ele, mas também porque já amanheceu e eu sei que logo terei que ir para a escola.A ideia de encarar o dia e falar com John me dá um frio na barriga. Não me sinto pronta para isso, não agora. Meu maior desejo nesse instante é poder ficar aqui, nesse quarto quentinho e aconchegante, e simplesmente não ir à escola. A ideia de mais uma
Estou sentada na mesa quase vazia, porque todo mundo está na escola e em casa só estamos eu, mamãe, Benjamin e Lucca. Eu realmente deveria estar na escola, mas acordei com uma baita dor de garganta — aposto que foi por causa do vento gelado que peguei ontem. Típico, né?A refeição ao lado de Lucca foi surpreendentemente leve, como se a atmosfera estivesse mais relaxada pela primeira vez desde que ele chegou. Não vi aqueles olhares julgadores que ele costuma lançar sobre mim, nem ouvi ele soltando piadas sobre eu ser a "criança mimada da mamãe" quando ninguém está olhando. Sério, isso é tão irritante! Mas, dessa vez, talvez tenha rolado uma leve mudança de atitude da parte dele.Por incrível que pareça, isso fez eu gostar um pouquinho dele, fazendo com que aquela onda de ódio que estava sentindo começasse a diminuir. Tipo, quem diria que eu poderia achar algo nele remotamente suportável? A vida é cheia de surpresas!Depois do almoço, tomei meu remédio e decidi deitar um pouco no meu qu
Depois do almoço, mamãe saiu para cumprir sua função de “Mãetorista”, buscando os meninos na escola, levando-os ao treino e levando as meninas ao ballet. Eu me vi sozinha em casa, e o silêncio que era tão raro se espalhou pelo ambiente, tornando tudo ainda mais estranho.Por mais que às vezes eu reclamasse do barulho constante da minha família, a ausência deles deixava a casa sem vida, como um quadro em branco. As risadas, as brigas e até mesmo os choros de Benjamim eram uma melodia familiar que eu não percebia o quanto amava até que tudo isso se calasse.Olhei ao meu redor, percebendo o quanto a bagunça de brinquedos espalhados pelo chão e as meias perdidas pela casa eram uma parte essencial do meu lar. A mesa ainda estava um pouco bagunçada com pratos e talheres, e eu peguei o meu celular, tentando distrair minha mente do vazio que se instalara.Entrei nas redes sociais novamente, mas desta vez, tentei ignorar as postagens que me faziam lembrar do que aconteceu. Em vez disso, procur
— Denise, sua mãe está aí embaixo. — A voz de Beta, mãe da Taty, ressoa pela porta. Ela aparece com um sorriso gentil, e meu coração dá uma leve murchada porque, mesmo não querendo, a realidade volta a bater à porta.Olho para Taty, um pouco triste por ter que ir, mas grata pelo esforço dela em me animar.— Obrigada, Beta. — Respondo, usando o apelido carinhoso que ela insistiu que eu usasse desde a primeira vez que pisei aqui.Taty me dá um abraço apertado, do tipo que parece dizer “você vai ficar bem, mesmo que ainda não acredite nisso”. De alguma forma, sinto que esses pequenos momentos estão reconstruindo as partes quebradas de mim, devagarinho.Taty me acompanha até o carro, onde, como sempre, meus irmãos estão fazendo a maior algazarra. Dá pra ouvir a confusão antes mesmo de abrir a porta, com risos, conversas desenfreadas e alguns gritos de "Para, Enzo!" e "Mamãe, o Felippo pegou meu brinquedo!" vindos dos bancos de trás. A rotina de sempre, mas que hoje, por algum motivo, pare
— Denise? — mamãe chama meu nome, batendo duas vezes na porta. — Filha?— Oi, mãe, entra! — respondo, tentando controlar o turbilhão de emoções que ainda está girando dentro de mim.Ela abre a porta e entra, e só pela expressão dela, já sei que ela vai querer saber tudo: por que eu fugi da escola e o que está acontecendo. Mamãe se senta na cama ao meu lado, e não consigo evitar disparar tudo, porque sei que não adianta adiar mais.— Eu sei que o que eu fiz foi errado, eu não devia ter saído da escola.— Não, não devia — ela concorda, puxando-me para deitar em sua perna, como se eu ainda fosse a garotinha que precisa de consolo. O gesto é tão reconfortante que me faz sentir um pouco mais leve. — Mas eu conheço minha pequena, e se você fez isso, é porque teve um bom motivo.A voz dela é suave e compreensiva, e eu sinto um nó se desfazer no meu peito. Sabe, quando você está prestes a explodir e alguém simplesmente te abraça e te entende? É assim que me sinto agora.As lágrimas voltam a e
Ah, minha cama, meu porto seguro! Me jogo nela como se fosse um prêmio depois de um dia de pura sobrevivência. Puxo a coberta até cobrir o rosto, tentando me esconder de tudo e de todos, e fecho os olhos, torcendo para que minha mente finalmente tire uma folga. Hoje foi um daqueles dias que eu queria esquecer — tipo, deletar da memória mesmo.Viro de lado e, inevitavelmente, pego meu celular. Coitadinho, ficou abandonado depois da última ligação com a Jojo, e eu nem lembrei que ele existia. A tela se acende e lá estão, todas as chamadas do John, cada uma mais ignorada que a outra. Ele insiste, né? Paciência zero pra isso hoje.Abro minhas redes sociais, só pra dar aquela conferida básica, e quem aparece logo de cara? Lucca, claro. A foto dele toda metida com a Estátua da Liberdade ao fundo e a legenda mais sem graça possível: “Cá estou.” Sério? Só isso? Eu rio baixinho, porque é tão... Lucca. Não dou o braço a torcer e passo reto, sem curtir. Ele que lute.De repente, a foto do John s
Decido ir até a janela, e quando olho para fora, lá está Lucca, sentado na grama, claramente fumando. O que ele está fazendo aqui a essa hora? Meu coração dá uma acelerada enquanto minha cabeça entra em um verdadeiro parafuso. Fico naquele dilema cruel: ir até ele ou ficar aqui, ignorando a presença dele e a fumaça que está invadindo minha casa?Por um lado, eu poderia simplesmente voltar a me deliciar com a torta e esquecer que ele existe. Mas, por outro lado, uma parte de mim está curiosa, querendo saber o que ele está pensando, o que o trouxe até aqui no meio da noite. Sabe como é, a vida é cheia de drama e eu sou a rainha do drama. E aí, o que eu faço?Quando percebo, já estou atravessando a porta da cozinha, decidida a ir até o jardim. Meus passos são pesados, como se cada um deles estivesse carregando todo o peso da noite, e logo paro na frente de Lucca, que ainda está lá, fumando como se não estivesse nem aí.Sem pensar duas vezes, puxo o cigarro da mão dele.— Ow, mas que po..
Aqui estamos nós, presos nesse trânsito infernal de Nova York. Sério, alguém me lembra por que eu concordei com isso? Depois de mostrar para o Lucca todos os pontos turísticos que papai praticamente exigiu, ele decidiu que "precisávamos" ir para o centro. Porque, segundo ele: "É onde a vida acontece."Vida? Ele realmente chama esse caos de vida? Porque, se isso aqui é viver, eu preferia estar em casa com um pote de sorvete e minha playlist triste no fone. Sério, tudo ao nosso redor parece um teste de paciência. Carros buzinando sem parar, sirenes das viaturas ecoando como se fosse um filme de ação mal dirigido, e as pessoas correndo pelas calçadas como se a cidade fosse explodir em cinco minutos. Mas enfim, né? Cada louco com sua mania.Olho para o semáforo que já está aberto faz tempo, e o carro da frente? Parado. Provavelmente o motorista tá em algum mundo paralelo ou tirando um cochilo em pleno trânsito de Nova York. Não aguento e acabo me rendendo àquela velha tradição da cidade: