Fechou a porta às suas costas, segurando-a com o peso de seu corpo enquanto olhava ao redor, procurando por algo que pudesse usar para se manter segura. O cano de metal de uma espingarda pareceu brilhar em meio à escuridão, correu para pegá-la e a segurou com firmeza enquanto encarava a porta que sacolejava, respirou fundo – tentando se manter calma – e rezou para que a espingarda estivesse carregada.
Calculou suas possibilidades e para piorar tudo, percebeu que não poderia errar o tiro, pois precisaria recarregar.
A porta chacoalhou três vezes e na quarta, o ferrolho se rompeu. Inicialmente, nada aconteceu, até que a criatura colocou o focinho para dentro – como se farejasse o medo dela –, e então, parte de seu corpo passou pela porta.
Rosely se atrapalhou enquanto destravava a espingarda, mas, enfim, quando aquela coisa se aproximou, conseguiu dar um disparo, que a jogou alguns metros à frente com o coice, seu corpo coberto de pólvora e as mãos chamuscadas. Ouviu a criatura ganir com a dor e quando ergueu a cabeça, a viu retornando para a escuridão.
Não perdeu tempo e escorou a porta com um móvel pesado.
O resto da noite foi em claro, com os olhos secos. Quando o dia amanheceu e batidas soaram na porta, ainda estava sentada no chão, agarrada à espingarda.
Era Millan e a esposa, ambos com os olhos arregalados. Estavam horrorizados com a visão que tinham, tanto que seus rostos pálidos só voltaram ao normal quando a porta do casarão se abriu e viram o rosto de Rosely.
– Ouvimos o tiro. – Millan explicou um tanto ofegante. – Você saiu da casa?
– Que diab*s de lugar é esse? – Rosely resmungou, mais para si do que para eles, arrumou os fios bagunçados atrás da orelha e tornou a encará-los. – Não me olhe assim, Millan. Eu ouvi uma criança chorando, pensei que estivesse perdida…
Eles engoliram em seco.
– E-e onde está essa criança? – Eleonore perguntou, olhando assustada para dentro da casa.
– Não consegui encontrá-la, deve ter voltado para casa e … – Rosely foi se explicando, porém, se calou ao perceber que não sabia como contar o que havia visto.
No fim, resolveu mentir.
– Acho que era um lobo, deve ter vindo por causa das ovelhas. – disse, evitando olhá-lo nos olhos. – Acho que o acertei.
Suas palavras fizeram com que ambos olhassem para as pequenas manchas de sangue ainda visíveis no chão, mas o que realmente chamava a atenção eram as marcas de garras na porta, na altura de um homem adulto.
– Bom. Graças a Deus você está bem! – Millan exclamou mudando de assunto. – Isso é o que importa.
E como ela permaneceu em silêncio, resolveu continuar:
– Precisamos consertar essa porta. Foi um grande estrago.
Rosely concordou, balançando a cabeça e dentro de poucos minutos, ambos já estavam novamente sobre a carroça – sob os olhares enciumados da outra mulher – , seguindo tropegamente em direção à vila.
Era óbvio que Elionore não confiava numa mulher estrangeira e solteira se acercando de seu marido. Mas não podia impedir.
Enquanto isso, entre os solavancos, Rosely sentia os olhos de Millan observando-a de soslaio, ele nem conseguia esconder.
– Aquele conselho – ela comentou, quebrando o silêncio que caia entre eles. – O que quis dizer com aquilo?
– A senhorita deveria ir embora – ele respondeu, surpreendendo-a.
Rosely ergueu uma sobrancelha.
– Creio que possa tomar conta de mim mesma, Millan. – afirmou com uma forte expressão de seriedade em seu rosto.
– Acha mesmo que um lobo consegue destruir uma porta daquele jeito? – retrucou o homem, ficando irritado. – O seu irmão já havia mencionado ter visto um POOKA antes de morrer.
– Não é como se eu tivesse escolhido estar aqui – ela sussurrou, olhando para o caminho, não queria falar sobre aquilo.
Millan perguntou o porquê, mas ela não respondeu. E acabaram permanecendo naquele silêncio pelo resto da viagem, sendo que mal chegaram à vila, e a mulher começou a procurar por algum lugar onde pudesse comprar pelo menos munição.
Entrou numa loja de “especialidades” e se deparou com um rapaz analisando os equipamentos disponíveis sobre as mesas. Era alto, cabelos castanhos rebeldes e olhos bicolores que logo se focaram nela por sob o chapéu de abas largas, observando-a dos pés à cabeça.
– O que a senhorita procura? – ele perguntou arqueando uma sobrancelha. – Não que encontre neste lugar.
Rosely se sentiu ofendida com suas palavras, mas não demonstrou, olhou para o balcão e pegou um revólv*r qualquer, girou o tambor, vendo que estava vazio e então, encarou o homem.
– Quanto custa esse? – perguntou, séria.
– Isso é muito grosseiro para suas mãozinhas delicadas, precisa de balas ponto 38 e tem um coice pesado. – O homem explicou, pegando a arm* da mão dela.
Nesse exato momento, um senhor baixinho, usando óculos redondos, irrompeu por uma porta lateral, suas mãos cheias de pequenas peças metálicas.
– Essa peça que você quer está em falta – explicou, voltando seus olhos ao moreno.
E ao ouvir isso, Rosely o encarou furiosa.
– Ora seu… – resmungou, mas não terminou sua frase, pois mordeu a língua.
– Oh, não. – Eslen respondeu com um sorriso divertido. – Só queria ajudá-la.
Rosely se virou para o homem no balcão – ignorando o outro –, colocou o revólv*r sobre a mesa e apontou para os sacos de pólvora.
– Quero esta arm* e munição para uma espingarda de cano único. – afirmou rapidamente, sem dar chances para acabar gaguejando.
O senhorzinho pareceu desconcertado, mas o outro homem apenas deu de ombros.
Mercadoria paga, Rosely deixou a loja com algumas moedas de ouro a menos e armam*nto para se defender. Encarou a rua, procurando por Millan, mas se viu tendo sua atenção roubada por aquela voz grave e aveludada.
– Quem a senhorita planeja matar? – perguntou com um sorriso pretensioso.
“ Você!”, Rosely pensou consigo mesma, revirando os olhos.
– Sou excelente pistoleiro, caçador, veterinário… – ele começou a listar suas qualidades, e quando seus olhos se encontraram, abriu um belo sorriso. – Aos seus serviços.