Capítulo 2°

Gioconda cobriu a boca com uma das mãos porque a outra estava segurando o peito.

— Mamma, mas que ideia estapafúrdia é essa! Minha bambina ainda é muito criança mamma!— ela dizia assustada.

Giulia franziu a testa e espalhou as mãos na mesa, cheia de farinha e pôs-se a abrir a massa resmungando:

— Está louca Gioconda, louca, hein! Pois se a tua bambina já tem vinte e dois anos! E tu que questa idade já era madre há mui tempo, hein!

As duas começaram a falar e misturar os idiomas, nervosas até que a discussão trouxe Salvatore para a cozinha.

— Mas o que está acontecendo, hein! Loucas, estão loucas! Parem com isto, per favore!— ele falava alterado e gesticulando muito.

Gioconda abraçou o marido falando com voz chorosa:

— É Nina, amore! Mamma acha que Nina tem que casar! Absurdo isso!

Salvatore olhou sério para a sogra e afastou a esposa assustado.

— Sério isso mamma! A minha bambina está pronta para casar?— ele falava andando na direção da sogra que manuseava a massa descarregando nela a sua aflição e falando com voz alterada:

— Si Salvatore, si! A tua bambina tem que casar, pois a ragazza cresceu sem que ninguém percebesse, han?

Salvatore segurou o queixo pensativo e depois saiu em silêncio.

Gioconda acompanhou o marido com o olhar, depois virou-se para a mãe e põe-se à falar sem parar:

— Viu mamma, viu o que fez? Pois Salvatore vai casar a minha bambina com um desses homens perigosos, ô Dio mio!

Giulia começou a cortar a massa em várias partes, enquanto falava reprovando a filha:

— Homens como ele, filha! Como ele! Pois se tu não casaste sabendo quem ele era, han! Eu tentei abrir os teus olhos, adiantou?

Gioconda rebateu imediatamente chorando:

— Mai io tinha só dezoito anos, mamma! E eu me arrependo tanto mamma, tanto! E eu perdi o mio papá por causa dele! Por causa daquela chacina, mamma!

As duas se abraçaram e choraram com a mesma dor.

Nem mesmo depois de vinte anos elas deixaram de sentir a dor das perdas que foram obrigadas a guardar no peito. Mesmo quando Gioconda contou para Salvatore que estava grávida, ele ainda esperou a filha completar dois anos e só então decidiu sair da Itália antes que toda a sua família se dissipasse.

Salvatore voltava para a sala quando viu Nina descendo as escadas, pronta para ir à faculdade.

Ele olhou para a filha como se só agora tivesse percebido que ela cresceu.

— Filha mia!— ele exclamou indo encontrá-la ao pé da escada.

Nina sentiu o abraço caloroso do pai e ficou paralisada sem compreender o que acontecia.

— Papá, o que passa? Por que estás assim papá?— ela indagava sentindo-se comprimida nos braços fortes de Salvatore

— Ma io non tinha percebido que a mia bambina cresceu, han!

Nina sabia que quando Salvatore começava a misturar os idiomas é porque estava nervoso.

Ela se afastou e olhou nos olhos dele tentando compreender.

— Que passa papá?— ela insistiu.

Salvatore sacudiu a cabeça e se afastou sorrindo, ansioso, nervoso e feliz ao mesmo tempo.

Nina acompanhava o pai com o olhar, enquanto percebia que ele escolhia as palavras para falar, como se acabasse de chegar ao Brasil e não soubesse falar a língua mãe daquele lugar. Era sempre assim, quando os seus pais ou a sua avó ficavam muito nervosos, só conseguiam falar em italiano e isso sempre a deixava tensa.

— figlia mia, tuo padre ti sposerà con un brav'uomo!

Nina ficou boquiaberta por um instante depois gritou:

— Não!

Salvatore desmanchou o sorriso instantaneamente.

Nina começou a andar em círculo em volta do pai falando sem parar:

— Não vai me casar com quem quer que seja! Não quero papá, não quero! Eu fujo de casa, mas não caso, não caso!

Salvatore segurou a filha pelos braços sorrindo e falando nervoso:

— Figlia mia, si! Ti sposerò con un bell'uomo!

— Não papá!— Nina gritou livrando-se das mãos do pai. Depois virou-se e continuou a falar com voz cansada e chorosa:

— Não vou me casar com homem nenhum! Não pode me obrigar!

Salvatore franziu a testa sem entender. Sempre achou que quando chegasse aquele momento seria fácil.

— Não quero homem nenhum— Nina disse olhando para a televisão que ainda passava o noticiário e Valentim Dourado, repórter investigativo, aparecia dividindo a tela com outra imagem numa delegacia.

Seu coração suspirou e seus lábios quase lhe traíram num sorriso. Os seus olhos brilharam e ela elevou a mão ao peito.

Salvatore olhou para o aparelho e foi desligá-lo irritado.

— Esse infeliz não para de falar!— ele desabafou.

Nina piscou quando a imagem do jovem elegante sumiu.

Salvatore voltou da pequena sala conjugada a sala se estar, ainda insistindo no assunto que deixou a filha transtornada:

— Se a tua nonna disse que tu precisa casar, Giannina, é per que tu precisa, capisce?

Nina virou-se para responder e deu de cara com duas italianas agitadas vindo da cozinha, então suspirou olhando para o teto e deu a volta novamente no corpo para se retirar às pressas dali.

— Giannina! Giannina!

Nina ignorou os gritos da sua avó e apressou o passo. Entrou no seu carro conversível vermelho e partiu. Abriu o vidro e deixou o vento soprar os seus cabelos longos e castanhos bem claros. Os olhos cheios de lágrimas e a revolta lhe impulsionaram a parar num posto de combustível e entrar numa loja de conveniência.

Ali também tinha uma televisão ligada no mesmo canal de notícias e ele estava lá.

Valentim Dourado, o homem por quem o seu coração batia mais forte. Não era de hoje que o admirava.

Valentim era alto moreno bronzeado, tipicamente italiano. Nina sorriu segurando o copo de refrigerante na mão e meneou a cabeça pensativa: " italiano, não pode ser!"

Olhou fixamente para rapaz falante e seu coração disparou com um pensamento: " papá nunca me deixaria casar com ele!"

Nina olhou para algumas pessoas que assistiam Valentim com admiração e sorriu.

— Ele é incrível!— disse sem querer.

Um rapaz olhou rapidamente para ela e respondeu:

— Ele é fantástico! Vai ajudar a polícia a desvendar essa máfia italiana nojenta que se infiltrou no nosso país!

Nina ficou boquiaberta, estática por um instante e começou a ouvir vários comentários de outras pessoas ali presentes, então se levantou e se dirigiu lentamente para o caixa, pagou a conta rapidamente e saiu ainda ouvindo os burburinhos.

Ela andava depressa, mas parecia não parar de ouvir aquelas pessoas atacando instintivamente o seu pai: o poderoso Don Salvatore.

Nina chegou à faculdade finalmente. Sentou-se no seu lugar de costume e assistiu às aulas, quieta e absorta em seus pensamentos.

Meneava a cabeça por vezes se lembrando do pai avisando que lhe arranjaria um bom casamento, como se ela não fosse capaz de escolher com quem gostaria de passar o resto da sua vida.

Suspirou triste ao ver os colegas saindo da sala para o intervalo, todos agitados e famintos, muitos deles voltavam de um dia cansativo de trabalho.

— Nina, vamos comer alguma coisa?— Era Cinthia sua única companheira.

Os olhos da amiga brilhavam e o sorriso fácil lhe contagiou e Nina saiu puxada pela mão.

Parecia ouvir a nonna falar: "cuidado com amigos, não pode deixá-los saber da nossa vida!"

Cinthia era alegre e bonita. Os cabelos negros e longos. Vestia-se muito bem e era muito educada. Nina sabia que se tratava de uma moça rica como ela e que não lhe deixava aborrecida querendo lhe bajular como as outras.

As duas sentaram-se numa cantina e Cinthia foi direta:

— Fala Nina! O que está te deixando assim, aflita!

Nina baixou a cabeça e ficou pensativa por alguns instantes, não sabia até que ponto podia confiar na amiga.

— Está apaixonada pelo cara errado?— Cinthia arriscou curiosa.

Nina suspirou e respondeu:

— Ele é o cara certo!

Cinthia ergueu as sobrancelhas deixando Nina sem graça.

— Qualquer mulher o amaria, é isso!— ela disse se ajeitando na cadeira.

Cinthia sorriu antes de falar:

— Falando assim até parece que ele é um desses galãs de televisão!

— E é…— Nina disse suspirando olhando para o nada.

Cintia ficou preocupada e começou a falar:

— Nina! Ei, calma! Você está me assustando! Você não é assim! Esse cara te deixa frágil!

Nina voltou a realidade e esboçou um sorriso malicioso, então disse, apoiando as mãos na mesa:

— Ninguém me deixa frágil! Eu o faria render-se aos meus pés!

Cinthia ficou boquiaberta por um instante, depois quis saber:

— E porque não o deixa logo aos seus pés, garota, do jeito que estou vendo, ele vai te domar!

Nina fechou o semblante e disse num fio de voz:

— Ele não sabe que eu existo!

Cinthia piscou algumas vezes e sorriu.

— E o que está esperando para surpreendê-lo?— ela quis saber.

Nina passou a mão pelos cabelos confusa, sem saber explicar aquela sua insana paixão.

— Digamos que ele seja algo inatingível para mim, é isso!— ela disse, evitando o olhar da amiga.

— Inatingível para a poderosa Giannina? Duvido!— Cinthia brincou.

Nina olhou para o relógio de parede e se levantou subitamente.

— Vamos voltar para a sala Cinthia!— ela disse ofegante.

A amiga saiu atrás ainda falando zombeteira:

— Então o negócio é sério! A minha amiga poderosa está caidinha por um homem misterioso, lindo e possivelmente casado.

Nina parou, virou-se assustada para a amiga e disse:

— Casado! Meu Deus, não sei se ele é solteiro!

Cinthia desatou a rir cobrindo a boca com uma mão e saiu empurrando Nina para a sala enquanto dizia:

— Vamos logo! Estou lhe assustando! Ele é só um jovem bonito, inteligente e astuto!

Nina parou novamente virando-se para a amiga. Estava cada vez mais assustada com a destreza de Cinthia.

— Como sabe de todas essas coisas?— ela indagou nervosa.

Cinthia riu antes de responder:

— Que ele é bonito e inteligente?

— Sim, e astuto!— Nina completou.

Cinthia abraçou a amiga, brincalhona e depois se afastou dizendo:

— Amiga, não seria qualquer um que conquistaria esse coração forte e indomável que você tem, esse homem deve ser muito especial.

— E perigoso — Nina disse pensativa.

Cinthia se sacudiu falando, enquanto empurrava a amiga novamente:

— Por que você o ama? Ora Nina, os homens são perigosos, mas nós mulheres somos muito mais.

Nina se deixou levar e apenas assentiu com a cabeça.

As duas se despediram ao final da aula e Nina saiu com o seu carro vagando um pouco pela cidade.

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