ESCRITÓRIO / LUKENNE E AAROW
O ar-condicionado da sala de reuniões assobiava de tão forte. Lá fora, a cidade derretia sob o sol, mas ali dentro o ambiente era glacial, metálico, como o próprio Mike — sempre alinhado, sempre contido, sempre... no controle. Aarow, em contraste, era mais espalhafatoso. Camisa branca aberta até o segundo botão, rindo alto das próprias piadas, os sapatos de couro batendo no chão como se o mundo fosse o palco dele. E talvez fosse. — Cara, você precisa parar de andar como um general — Aarow dizia, rindo. — Tá sempre com essa cara de quem quer dar ordem até pro tempo. Mike não respondeu. Apenas levantou os olhos do tablet e encarou o amigo. — Eu dou ordens pro que for necessário — disse, seco. — Principalmente quando o caos ronda por todos os lados. — E a Younya, como tá? Silêncio. — Ela viajou de novo? Mike apenas assentiu com a cabeça. — Caramba... e os bebés? — A babá. E a... — ele hesitou — ...a Yanika também ajuda. Só de pronunciar aquele nome, algo dentro dele se acendeu. Como uma linha de pólvora queimando rápido. Yanika. Aquela menina-mulher de vestidos soltos e passos leves, que chegava cheirando a baunilha e riso tímido. Ele a observava mais do que devia. Sempre. O modo como o tecido dos vestidos rodados subia quando ela descia escadas. O balanço macio dos glúteos sob o pano fino. Os seios fartos, generosos, que pareciam convidar a mãos que ele não tinha direito de usar. Tudo nela era excesso de calor, em contraste ao gelo de Younya — Cuidado, hein — Aarow brincou. — A minha mulher é linda demais pra você deixar tanto na sua casa. Vai que se apaixona? Mike apenas soltou um sopro de ar pelo nariz. Não sorriu. "Apaixonar, não. Mas... comer ela, sim. Comer até ela esquecer o nome." Não era amor. Não era romance. Era fome. Sede. Desejo cru e sem vergonha. Sempre que ela se inclinava pra pegar uma fralda. Sempre que cruzava as pernas no sofá e o vestido subia um pouco demais. Sempre que o chamava de "Mike" com aquele tom meigo, inocente. E ela sentia. Ele sabia. Ela desviava o olhar, mas o corpo dela tremia perto dele. E ele gostava disso. Gostava demais. Mas nunca fez nada. Porque o autocontrole dele era mais forte do que a vontade. Ainda. --- Casa de Aarow e Yanika NOITE A televisão murmurava ao fundo, mas ninguém prestava atenção. Yanika estava sentada no sofá, de pernas dobradas, com uma manta jogada sobre os joelhos. Aarow, do outro lado, mexia no telemóvel. Como sempre. — Você não vai me perguntar como foi o dia? — ela soltou de repente. — Uhm? Ah... foi bom? — Foi. — respondeu seca. — Fui pra cobertura da Younha. — Ah. — silêncio. — Os bebés tão bem? — Estão. Dormiram no meu colo. Mais silêncio. Ela virou o rosto pra ele. Aarow era bonito. Sempre foi. Mas agora era como uma bela pintura antiga numa parede fria. Estava ali, mas não dizia nada. Não tocava. Não vibrava. Não causava nenhum incêndio dentro dela. — Você alguma vez quis mesmo ter filhos, Aarow? — Yanika... você sabe como eu penso. Não é o momento. Nossa carreira, nossas viagens, nossa liberdade... — Nossa distância — ela completou. — Às vezes, nem parece que somos um casal. — E a gente briga? Tem gente que se mata por menos. — Isso não é relacionamento, Aarow. Isso é... convivência educada. Ele soltou um riso curto, debochado. — Ah, entendi. Quer drama? Briga? Me jogar taça na cabeça? — Quero tesão, Aarow. Quero olhar pra você e sentir que você me deseja. Que vai me pegar, me puxar, me virar no sofá e me fazer esquecer onde estou. Quero olhar nos teus olhos e saber que você me quer nua agora. Aarow ficou quieto. Encostou o telemóvel na mesa. — Você tá me comparando com quem? Ela sentiu o estômago virar. Não respondeu. Porque sim, ela estava. Queria ser a Younha naquele momento de beijo. Queria ser a mulher que faz Mike perder o controle. Mas era só... Yanika. A menina boa. A esposa invisível. — Boa noite, Aarow. Levantou-se e foi pro quarto, com os passos suaves demais pra quem estava desmoronando por dentro. --- Dia seguinte na cobertura Fim de tarde A luz do pôr do sol entrava pelas cortinas finas da sala. Tudo estava tranquilo demais. Os bebés dormiam no quarto, a babá tinha saído mais cedo — por ordem da Younya, como sempre — e Yanika estava sozinha... até ouvir o som da porta. Virou-se e viu Mike. Tinha acabado de chegar do trabalho. Terno preto, cabelo um pouco desalinhado pelo vento. O rosto cansado, mas com aquele olhar... aquele olhar que parecia despir sua alma inteira. — A babá saiu? — ele perguntou, com a voz grave, já tirando o paletó. — Saiu. A Younya mandou. Achei que ia demorar mais no escritório. Ele soltou um suspiro e passou a mão nos cabelos. A gravata ficou solta no pescoço. Yanika desviou o olhar, mas não antes de reparar como o suor da rua marcava a camisa sobre o peito forte. — Os bebés dormiram? — ele perguntou. — Sim. Fiquei com eles o dia todo. — Obrigado — ele disse, aproximando-se até ficar mais perto do que precisava. — Você é boa com eles. Yanika engoliu seco. Ele estava perto demais. — Eu gosto deles... muito. Só queria que a Younha também gostasse tanto quanto eu. Às vezes... eu fico com raiva dela. Mike encarou ela. Longamente. O silêncio doía. — Ela nunca foi feita pra ser mãe — ele disse. — Você, por outro lado... parece ter nascido pra isso. As palavras ficaram no ar. Quentes. Carregadas. Yanika sentiu o rosto corar, o coração disparar. Aquilo não era elogio. Aquilo era um convite mudo. — Mike... — ela tentou, mas não conseguiu continuar. Ele deu um passo mais próximo. Agora estavam frente a frente, tão próximos que ela podia sentir o calor do corpo dele, o cheiro de colônia misturado com suor e masculinidade. — Você tá tremendo — ele sussurrou, e o tom da voz era um sussurro perigoso, grave e baixo, quase roçando o desejo. — Não... é só... o frio. Mentira. Estava queimando por dentro. O olhar dele desceu lentamente pelo corpo dela. O vestido leve marcava as curvas fartas, os seios cheios e os quadris que ele tanto gostava de observar em silêncio. Ela sabia. Ele sabia. Mas nenhum dos dois se movia. — Yanika... — ele começou, mas parou. O nome saiu da boca dele como se fosse sagrado. Ela fechou os olhos por um segundo. Queria dizer que não podia. Que aquilo era errado. Que ela era casada. Que ele era casado. Que a culpa a corroía por dentro. Mas em vez disso, ela disse: — Às vezes eu queria... só por um segundo... saber como é estar no lugar da Younha. Mike ficou imóvel. Então, como se o universo todo estivesse esperando a explosão que não veio, ele simplesmente respirou fundo e se afastou. — Eu vou tomar banho — ele disse. — Obrigado por cuidar deles. E saiu, como se não tivesse dito nada. Como se o mundo não tivesse parado por trinta segundos. --- YANIKA mais tarde em casa Ela chorou no banho. Não por tristeza. Mas por alívio. Porque sabia que, se ele tivesse se aproximado só um pouco mais... ela não teria recuado. E a culpa agora era uma chama que queimava lento, sem pressa, mas consumia tudo.