ESCRITÓRIO / LUKENNE E AAROW
O ar-condicionado da sala de reuniões assobiava de tão forte. Lá fora, a cidade derretia sob o sol, mas ali dentro o ambiente era glacial, metálico — como o próprio Lukenne, um alfa lúpus puro.
Sempre alinhado, sempre contido, sempre... em guerra com os próprios instintos.
Aarow, um alfa com genes lúpus latentes, era seu completo oposto. Camisa branca aberta até o segundo botão, rindo alto das próprias piadas, os sapatos de couro batendo no chão como se o mundo fosse o palco dele. E talvez fosse.
— Cara, você precisa parar de andar como um general — Aarow dizia, rindo. — Tá sempre com essa cara de quem quer dar ordem até pro tempo.
Lukenne não respondeu. Apenas levantou os olhos do tablet e o encarou.
— Eu dou ordens pro que for necessário — disse, seco. — Principalmente quando o caos ronda por todos os lados.
— E a Younha, como tá?
Silêncio.
— Ela viajou de novo?
Ele apenas assentiu.
— Caramba... e os bebés?
— A babá. E a... — ele hesitou — ...a Yanika também ajuda.
Só de pronunciar aquele nome, algo dentro do lobo acordou. Como uma linha de pólvora queimando rápido, com cheiro de cio e de perigo.
Yanika.
Aquela ômega comum, de vestidos soltos e passos leves, que chegava cheirando a baunilha e calma, como se fosse feita pra acalmar bestas. Mas nele, só fazia provocar o oposto.
Ele a observava mais do que devia. Sempre. O modo como o tecido dos vestidos rodados subia quando ela descia escadas. O balanço macio dos glúteos sob o pano fino. Os seios fartos, generosos, que pareciam chamar as mãos do alfa, não do homem.
Tudo nela era excesso de calor. E o lobo dele sentia. Reagia. Rosnava.
— Cuidado, hein — Aarow brincou. — A minha mulher é linda demais pra você deixar tanto na sua casa. Vai que se apaixona?
Lukenne apenas soltou um sopro pelo nariz. Não sorriu.
"Apaixonar, não. Mas... marcar ela, sim. Comê-la até o cio inteiro sumir da pele dela."
Não era amor. Era fome. Sede. O início de um vínculo que o lobo dele começava a exigir, mesmo que ele resistisse.
Ela tremia perto dele. O cheiro dela mudava. Se adocicava. E ele amava isso. Amava mais do que devia.
Mas não fazia nada. Ainda. Porque o autocontrole dele era maior do que a vontade. Por enquanto.
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CASA DE AAROW E YANIKA — NOITE
A televisão murmurava ao fundo, mas ninguém prestava atenção. Yanika, uma ômega submissa por natureza, mas guerreira por decisão, estava sentada no sofá, de pernas dobradas, com uma manta sobre os joelhos. Aarow, do outro lado, mexia no telemóvel. Como sempre.
— Você não vai me perguntar como foi o dia?
— Uhm? Ah... foi bom?
— Foi. — ela respondeu seca. — Fui pra cobertura da Younha.
— Ah. Os bebés tão bem?
— Estão. Dormiram no meu colo.
Silêncio. Um silêncio que pesava mais do que qualquer grito.
Ela virou o rosto pra ele. Aarow era bonito. Sempre foi. Mas agora, para o lobo interior dela — mesmo sendo uma ômega comum — ele era frio. Vazio. Inerte. Nada nele despertava seus instintos.
— Você alguma vez quis mesmo ter filhos, Aarow?
— Yanika... você sabe como eu penso. Não é o momento. Nossa carreira, nossas viagens, nossa liberdade...
— Nossa distância — ela completou.
— E a gente briga? Tem gente que se mata por menos.
— Isso não é relacionamento, Aarow. Isso é... convivência educada.
Ele riu, debochado.
— Ah, entendi. Quer drama? Me jogar taça na cabeça?
— Quero instinto. Tesão. Desejo biológico. Quero que meu cheiro te desestabilize, que você lute pra não me pegar aqui mesmo. Quero olhar nos teus olhos e saber que o teu lobo me quer nua agora.
Aarow ficou quieto. Deixou o telemóvel na mesa.
— Você tá me comparando com quem?
Ela sentiu o estômago revirar. Porque sim. Estava comparando. Não com outro homem. Com outro alfa. Um lúpus.
Queria ser a Younha naquele momento de cio. Queria ser a mulher que fazia Lukenne perder o controle.
Mas era só... Yanika. Uma ômega comum. A esposa invisível.
— Boa noite, Aarow.
Levantou-se e foi pro quarto com passos suaves demais pra quem estava desmoronando por dentro.
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COBERTURA / FIM DE TARDE
A luz do pôr do sol entrava pelas cortinas da sala. Os bebés dormiam no quarto. A babá tinha saído — por ordem da Younha — e Yanika estava sozinha, até ouvir a porta abrir.
O cheiro veio primeiro. Alfa lúpus. Dominante. Feromônio forte.
Ela soube quem era antes de vê-lo.
Lukenne. Terno preto, gravata solta, cabelo um pouco bagunçado pelo vento. Cansado, mas com aquele olhar selvagem, que parecia querer marcar território só com o olhar.
— A babá saiu? — ele perguntou, grave, já tirando o paletó.
— Saiu. A Younha mandou. Achei que ia demorar mais no escritório.
Ele suspirou, passou a mão pelos cabelos. A camisa colava no peito largo e úmido de suor, e o cheiro dele mudou o ar da sala. Yanika sentiu o corpo reagir. A pele formigou. O lobo dentro dela — pequeno, submisso — se agitou.
— Os bebés dormiram?
— Sim. Fiquei com eles o dia todo.
— Obrigado — ele disse, aproximando-se. Perto demais. — Você é boa com eles.
O cheiro dele estava denso, pesado de alfa. A presença ocupava todo o espaço.
— Eu gosto deles... muito. Só queria que a Younha também gostasse tanto quanto eu. Às vezes... fico com raiva dela.
Lukenne a encarou. Os olhos dourados, quase predadores, fitaram os dela como se pudessem arrancar verdades não ditas.
— Ela nunca foi feita pra ser mãe. Você, por outro lado... nasceu pra cuidar. Nasceu pra isso.
As palavras tinham outro peso naquele universo. Era um reconhecimento. Uma identificação biológica. Algo primal.
— Mike... — ela tentou falar, mas o corpo tremia.
Ele chegou mais perto. O cheiro dele estava mexendo com cada fibra da ômega que ela tentava reprimir.
— Você tá tremendo — ele disse, a voz rouca, baixa. Alfa demais.
— Não... é só... o frio.
Mentira. Estava queimando. O cio não tinha chegado, mas o corpo dela reconhecia o dele. Como se a pele tivesse memória. Como se os feromônios dele fossem um convite.
— Yanika... — ele disse, e o nome saiu como um toque.
Ela fechou os olhos. Queria dizer que não podia. Que ela era casada. Que ele também. Mas disse:
— Às vezes eu queria... só por um segundo... saber como é estar no lugar da Younha.
O lobo dele rosnou por dentro. Mas Lukenne apenas respirou fundo e se afastou. O autocontrole do alfa lúpus ainda vencia. Ainda.
— Eu vou tomar banho — ele disse. — Obrigado por cuidar deles.
E saiu, como se o mundo não tivesse quase desabado.
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YANIKA — EM CASA
Ela chorou no banho.
Não por tristeza. Mas por alívio.
Porque se ele tivesse avançado... ela não teria fugido.
E o mais assustador é que o corpo dela queria ser marcada. Queria ser possuída.
Mesmo sendo só uma ômega comum, ela queria ser escolhida pelo lobo mais perigoso que já conheceu.