Uns meses haviam se passado desde o casamento oficial de Lukenne e Yonya. Tudo havia sido um conto de fadas na cerimônia: o vestido impecável, os sorrisos radiantes, o amor prometido diante de todos. E agora, a casa estava mais cheia — literalmente. As crianças haviam nascido: dois bebés adoráveis, tão pequenos e frágeis que pareciam feitos de nuvens.
O menino, Minho, tinha olhos puxadinhos de cor escura como a noite sem lua, herdados de Mike, e uma pele suave como porcelana. Já a menina, Sae, era uma cópia da mãe — olhos claros mas penetrantes, feições delicadas e uma expressão tão séria que parecia já compreender o mundo. Eram tão doces juntos, principalmente quando dormiam lado a lado com os bracinhos entrelaçados. Mas, infelizmente, Younya não parecia tocada por essa bênção. Sua presença era cada vez mais ausente, o olhar sempre distante, como se a maternidade tivesse sido um fardo inesperado. E por mais que ela fosse minha melhor amiga, eu não podia fingir que o que ela fazia não me incomodava. Ela os deixava constantemente aos cuidados da babá — ou às vezes, aos meus próprios cuidados — enquanto seguia com sua agenda de viagens e compromissos vazios. Já o meu relacionamento com Mike (apelido carinhoso que só eu ainda usava) se tornara... complicado. Nós viramos amigos. Íntimos. Eu era o seu ombro, sua confidente. Às vezes, até seu porto seguro, quando Younya o deixava emocionalmente exausto. E mesmo que ele não dissesse diretamente, eu sabia — ela o cansava. E o pior? Ele parecia ainda mais lindo agora. A paternidade lhe deu um ar mais maduro, uma aura protetora. E o sentimento que eu lutava tanto para esconder só crescia. Era errado. Eu sabia. Mas não conseguia evitar... ... Chegada à Cobertura Cheguei na cobertura deles por volta das 10h. Já sabia que a babá estaria com os bebés, então levei umas fraldas e brinquedos novos. A porta estava destrancada — como sempre — e entrei sem cerimônia. A cobertura tinha aquele cheiro leve de lavanda e chá verde, e o som baixinho de uma playlist clássica tocava ao fundo. Logo no hall, cruzo com Yonya, arrastando duas malas e vestida como se fosse para uma semana de luxo em Paris. Seus saltos ecoavam no chão de mármore. — Yanika, o que faz aqui? — ela pergunta, com aquele tom quase automático — Veio cuidar dos bebés? Já agradeço por isso, você sabe que eu não daria conta, e a minha viagem já está marcada. — Oi, Younya, — respiro fundo — mas você não acha que está viajando cedo demais? Eles ainda são tão pequenos... — "Cedo demais?" — ela arqueia uma sobrancelha, sem nem parar para olhar para mim — Yanika, você sabe que eu não fui feita pra esse tipo de vida. Eu preciso de espaço. Preciso viver. Não posso me afundar em fraldas e choros, não é isso que me define. — Mas você é mãe agora, Yonya. Não é só sobre você. Ela solta um suspiro impaciente e continua empurrando a mala. — E é por isso que eu sou grata por ter pessoas como você na minha vida. Sempre pronta pra ajudar. Agora, com licença, o meu motorista já está esperando. Ela me dá um beijo rápido na bochecha e desaparece pelo elevador sem nem olhar para trás. Suspiro. Olho para cima, tentando me recompor. Aquela mulher... às vezes, nem parecia a mesma amiga de infância que eu conheci. --- Na Cozinha Entro na cozinha já familiarizada, com passos leves. A babá me cumprimenta com um sorriso cansado: — Olá, dona Yanika. Vou só descansar um pouco no quarto de apoio. Eles estão dormindo. — Tudo bem, pode descansar sim. Eu fico aqui. Ela sobe, e o silêncio toma conta da casa. Abro o frigorífico, pego uma garrafa de água, e me viro... quando dou de cara com ele. Mike. Com uma camisa social meio aberta no peito, os cabelos levemente bagunçados. Um copo de café na mão. — Ah... é você. — ele diz, surpreso, mas sorrindo de leve. — É. Sou eu. De novo. Ele ri, de um jeito leve e íntimo. — Já devia saber que quando a Younya some, você aparece. — E alguém tem que cuidar do que ela deixa para trás. O olhar dele fixa no meu por um segundo mais longo do que deveria. — Eu devia ficar bravo com isso... mas sou grato. Mesmo. Ficamos ali, frente a frente, no meio da cozinha, num silêncio denso. Como se o mundo estivesse prestes a desmoronar ou... recomeçar. — Eu devia ficar bravo com isso... mas sou grato. Mesmo. — Mike repetiu, encostando-se à bancada de mármore, os braços cruzados, o copo de café ainda quente entre os dedos. Yanika sorriu de leve, tentando disfarçar o tremor nos lábios. Aquilo ali... aquele homem parado ali, olhando pra ela com aqueles olhos escuros como noite sem lua — tão intensos, tão fixos, como se a estivesse vendo por dentro — a fazia estremecer. Ele não dizia muito, mas seu silêncio dizia tudo. Ou talvez fosse coisa da cabeça dela. — Você parece cansado — ela disse, tentando manter o tom leve. — Dormiu mal? — Eu durmo mal há semanas. — Ele não sorriu. — Bebés... esposa ausente... vida bagunçada. Ele deu um gole no café, depois a olhou de cima a baixo. Disfarçado, mas não o suficiente para passar despercebido. Yanika sentiu o rosto esquentar, como se ele tivesse tocado cada parte que o olhar percorreu. Os ombros dela se contraíram levemente, o corpo querendo se esconder e se exibir ao mesmo tempo. Ela virou de costas e fingiu abrir o armário só pra respirar. "Será que ele percebeu como eu tremo? Será que ele sente? Ou sou só eu, sendo estúpida de novo?" — Você fica bem aqui. — ele murmurou. Ela congelou. Lentamente, virou o rosto para ele. — Como assim? — Aqui. Com eles. — Ele fez um gesto leve com a cabeça, indicando o andar superior. — Você... tem jeito. Tem calor. É mais mãe do que a própria mãe. Ela riu, um riso nervoso, frágil. — Isso não é um elogio, Mike. Isso me faz sentir como... como se eu estivesse invadindo o espaço dela. — Talvez ela nem queira esse espaço. Ele se aproximou devagar, cada passo ecoando como um tambor dentro dela. Quando parou, estavam a meio metro de distância, e ele inclinou levemente a cabeça. O cheiro do café misturado ao perfume dele, algo amadeirado, adulto, masculino, deixou a cabeça dela leve. — Por que você fica, Yanika? — ele perguntou, sério. — Mesmo com tudo isso, mesmo vendo tudo... Ela mordeu o lábio inferior, o coração martelando como louco no peito. — Porque eu não sei ir embora. — sussurrou. Silêncio. Um silêncio espesso, pesado. Carregado. Ele a olhou. Com fome. Com sede. Com qualquer coisa que não era dita, mas estava lá. Um leão faminto, como ela sempre pensava. Aqueles olhos de bicho predador. Ela sentiu um calor crescendo dentro, junto de um nó de culpa que a sufocava. "Você é a amiga da esposa dele, Yanika. Melhor amiga. Que tipo de pessoa deseja o marido da melhor amiga?" Mike abriu a boca pra dizer algo, mas, no mesmo instante, a porta do elevador se abriu. Younya entrou com passos decididos, como se tivesse esquecido alguma coisa. Ela parou ao vê-los tão próximos, mas não demonstrou surpresa. Largou a bolsa em cima da mesa, tirou os óculos escuros e sorriu com tédio. — Ah, você ainda está aqui, Yanika. Pensei que já tinha subido. — Ia subir agora... — disse, engolindo seco. Seu rosto estava corado, o estômago virado. Younya se aproximou de Mike, puxou-o pela gola da camisa e o beijou. Forte. Cheio de vontade. Sem pressa. Yanika ficou imóvel. Assistiu. Sentiu. O beijo deles era... gostoso de se ver. Como se os dois ainda tivessem fogo, mesmo com tudo. A mão dele apertava a cintura dela com firmeza. O jeito como ele fechava os olhos. O som abafado do beijo entre eles. Era aquilo que ela queria. Ser segurada daquele jeito. Beijada daquele jeito. Desejada daquele jeito. E não podia. Quando Younya se afastou, Mike apenas passou a mão pelo cabelo da esposa, sem muita emoção. — Tenta não demorar tanto da próxima vez — ele disse, simples. — Você sente minha falta? — Os bebés sentem. Ela riu, mas havia algo ali, entre os dois... como se o beijo fosse só uma peça no teatro do casamento deles. Yanika forçou um sorriso e subiu, o coração destruído. ...No quarto das crianças As crianças dormiam. Minho com os punhos fechados, Sae chupando o dedo. Yanika os observou. E chorou. Baixinho, sem som. A culpa queimava mais do que o desejo. E o desejo era um veneno que já estava na corrente sanguínea. Ela queria ele. Queria ser ela no lugar da amiga. Queria aquele beijo. Queria aqueles olhos nela, de novo. Mas não podia. "Por que é que amar alguém errado pode parecer tão certo assim?" Ajoelhou-se entre os dois berços e prometeu em silêncio: — Eu não vou destruir essa família. Mesmo que isso a destruísse por dentro.