Mundo de ficçãoIniciar sessãoRuby
Era uma terça-feira cinzenta e eu estava atrasada para o almoço. Entrei correndo no café da esquina do trabalho, sacudi o cabelo molhado da chuva e pedi um latte grande. Enquanto esperava, senti o perfume antes de ver o dono dele. Amadeirado, quente, com um toque de limão. Virei o rosto e Andrew Sinclair estava encostado no balcão, olhando direto para mim. Terno cinza-claro impecável, camisa branca aberta no primeiro botão, barba por fazer. O sorriso de canto que já tinha ficado na minha cabeça desde a festa. — Está me seguindo, senhor Sinclair? — brinquei, tentando disfarçar o nervosismo. Ele riu baixo, aquele som grave que parecia descer pelo meu peito. — Talvez. Ou talvez Londres seja pequena demais para uma ruiva como você. Pagou os dois cafés sem me perguntar e apontou para uma mesa no fundo. — Vinte minutos, Ruby. Depois você pode fugir. Sentei. Não sei por que aceitei. Talvez porque estava cansada de dizer não para tudo. Conversamos por duas horas inteiras. Duas horas em que ele me fez rir de verdade, coisa que eu achava que tinha esquecido como fazer. Contou que cresceu pobre em Glasgow, que dormia em escritórios alugados quando começou a Sinclair Tech, que odeia sushi e ama futebol escocês. Imitou o sotaque dos investidores japoneses da festa e me fez gargalhar tão alto que a mesa ao lado olhou feio. Perguntou sobre mim sem pena, sem rodeios. Sobre o divórcio, sobre o apartamento minúsculo, sobre o que eu como quando estou em casa. E eu respondi. Respondi tudo. Quando o quinto café já estava gelado, ele se recostou na cadeira, cruzou os braços e me encarou. — Case-se comigo. Eu engasguei com o último gole. — Você está louco? — Não. — Ele nem piscou. — Contrato. Um ano, renovável se os dois quiserem. Você ganha conforto, segurança, liberdade total. Eu ganho uma esposa presente e um herdeiro. Balancei a cabeça, sem acreditar. — Eu acabei de sair de um casamento sem amor, Andrew. — Exatamente por isso. — Ele se inclinou para frente, voz mais baixa. — Eu não estou te oferecendo amor. Estou te oferecendo escolha. Você entra sabendo exatamente o que vai acontecer. Nada de surpresas. Nada de noites esperando alguém que nunca chega. Senti um aperto no peito. Era como se ele estivesse lendo cada cicatriz que Ethan deixou. — E depois do herdeiro? — perguntei. — Depois a gente decide. Você pode ficar e ser minha mulher de verdade, ou pode ir embora com uma parte do que eu construí e ninguém nunca mais vai te mandar calar a boca. Sempre sua decisão. Fiquei em silêncio. Ele se levantou, deixou duas notas de cinquenta na mesa. — Pensa. Sem pressão. — Caminhou até a porta, mas parou antes de sair. — E quando você quiser ser desejada de verdade, Ruby… não vai precisar implorar. Vai só precisar dizer sim. A porta tilintou. Eu fiquei ali, olhando o lugar vazio na frente, o coração batendo tão forte que doía. Ninguém tinha me olhado assim desde que eu saí da mansão. Ninguém tinha me tocado com as pontas dos dedos e feito meu corpo inteiro acordar. Ninguém tinha me feito sentir que eu valia mais do que o silêncio de um homem que nunca me quis. Saí na chuva com as pernas tremendo. O vento frio bateu no rosto, mas eu não senti frio. Senti fogo. E, finalmente, após muito tempo, eu me senti desejada. Desejada de verdade. Naquela mesma tarde eu voltei para o escritório com a cabeça em outro planeta. A agência de eventos era pequena, dez funcionários no máximo, mas o movimento parecia de empresa grande. Minha chefe, Alexis, uma morena de quarenta e poucos anos que usava salto quinze o dia inteiro, já estava gritando assim que abri a porta. — Ruby, pelo amor de Deus, a lista VIP da gala de sexta está errada! Tem três nomes repetidos e o sponsor principal está na mesa errada! Corrige isso agora, por favor! Eu corri para minha mesa. A sala era aberta, mesas coladas umas nas outras, telefone tocando sem parar. Ao meu lado sentava a Lívia, vinte e cinco anos, cabelo rosa e tatuagens nos braços, a única pessoa que tinha virado amiga de verdade ali. — Menina, você está com cara de quem ganhou na loteria e perdeu o bilhete ao mesmo tempo — ela sussurrou, enquanto me passava um chiclete de menta. — Conta logo. Eu só balancei a cabeça e abri o notebook. Não conseguia contar. Ainda não. Alexis passou voando de novo. — Ruby, as flores para o evento de sábado ainda não foram confirmadas! Liga pra fornecedora, confirma cor, quantidade e horário de entrega. E depois revisa o seating chart inteiro, tem gente que não pode ficar perto de gente! Anda! Eu obedeci. Liguei, anotei, corrigi planilhas, mandei e-mail atrás de e-mail. Quando deu seis da noite, Alexis bateu na minha mesa. — Você fica até as oito, tá? Preciso desse relatório impecável pra amanhã cedo. E leva um café pra mim, por favor. Sem açúcar. Lívia revirou os olhos quando ela saiu. — Um dia ela vai explodir de tanto café preto. Quer ajuda? — Quero minha vida de volta — brinquei, mas aceitei. Ficamos até quase nove, rindo baixinho enquanto separávamos crachás e imprimíamos placas de mesa. Quando finalmente saímos, a chuva tinha parado. Lívia acendeu um cigarro na porta. — Sério, Ruiva, o que tá acontecendo? Você tá estranha desde o almoço. Eu hesitei. Olhei para o céu escuro de Londres e soltei: — Um cara me pediu em casamento hoje. De verdade. Tipo contrato, herdeiro, tudo assinado. Ela quase engasgou com a fumaça. — O Ceo gataço da outra festa? Aquele que parece que saiu de capa de revista? Não, eu vi o jeito que ele te olhou. — Ele mesmo. — E você disse…? — Nada ainda. Só fiquei olhando pra ele como uma idiota. Lívia deu um gritinho abafado e me sacudiu pelos ombros. — Ruby, acorda! Você está solteira há cinco minutos, mora num apartamento que cabe dentro do meu banheiro e tem um bilionário te oferecendo cartão black e filho no pacote! Onde assina? Eu ri, mas o riso morreu rápido. — Eu ainda penso no Ethan o tempo todo, Liv. Ainda acordo achando que vou ouvir a moto dele. Como eu vou casar com outro homem se nem consegui esquecer o primeiro? Ela apagou o cigarro e me abraçou de lado. — Você não precisa esquecer. Só precisa decidir se vai continuar se punindo pra sempre ou se vai dar um tapa na cara do destino. Cheguei em casa quase meia-noite. Joguei as chaves na mesinha, tirei os sapatos e me joguei no sofá. O cartão preto ainda estava na gaveta, embaixo das calcinhas. Peguei, passei o dedo no número, abri o celular umas dez vezes e fechei de novo. Casar com Andrew Sinclair. Um contrato. Segurança. Um filho. Liberdade depois, se eu quisesse. Era loucura. Era tentador. Era exatamente o oposto de tudo que eu vivi com Ethan. Eu imaginava ele me beijando sem pedir licença, me colocando contra a parede do quarto dele, me fazendo esquecer cada noite que passei sozinha. Imaginava o peso do corpo dele em cima do meu, a voz rouca mandando eu olhar pra ele enquanto ele… Deus, só de pensar minhas pernas tremiam. Mas aí lembrava do olhar frio de Ethan na noite de núpcias. Do “nunca vou te tocar”. Do jeito que ele assinou o divórcio sem nem ler. E se eu aceitasse Andrew só pra me vingar? E se eu me apaixonasse por ele e ele nunca me amasse de volta? E se eu nunca conseguisse tirar Ethan da cabeça? Eu estava confusa demais. Curiosa demais. Com medo demais. Coloquei o celular de lado, abracei o travesseiro e fechei os olhos. Não tinha resposta ainda. Mas eu queria descobrir qual era.






