Canela havia levado o jantar, mas ela não quis comer nada, nem beber. Sentia o rosto inchado, os hematomas nas faces, as bochechas doloridas por todos os golpes que Olimpia lhe dera. Esperava que para o dia seguinte tivesse melhor aspecto, por isso deixou de chorar, seus olhos já estavam muito vermelhos e não queria estragar ainda mais o rosto.
Contaria ao pai tudo o que suas irmãs haviam feito ou o que Rosario pretendia ao desejar que fossem suas filhas as que se casassem com o herdeiro Queen.
Jamais pensou que a situação tomaria esse rumo; mesmo que não fosse bem recebida, tampouco imaginou que sua “família” quisesse humilhá-la.
Eles a odiavam por razões que Chiara nem compreendia, mas tinha certeza de que a odiavam.
Pediu a Canela que, por favor, falasse com seu pai quando ele chegasse, para que passasse a vê-la, porque Chiara não tinha como perceber sua chegada.
Por volta das onze da noite, sua porta se abriu de golpe.
Era seu pai.
Chiara levantou-se de um salto da cama, estudando o rosto do pai, absorvendo cada detalhe: as novas rugas que ele tinha, o olhar, coisas que não se podiam notar em uma foto.
Mas tudo o que viu foi um cenho franzido que, conforme os segundos passavam, se transformou em um rosto irado.
Onde estava a alegria de vê-la?
Onde estava o primeiro sorriso ao tê-la diante de si depois de tanto tempo?
—Pai… É bom vê-lo.
Seu pai caminhou lentamente até ela e se aproximou, pousou as mãos em seus ombros. Chiara pretendia abraçá-lo, mas… suas mãos a mantiveram longe. Tentou uma segunda vez, queria verdadeiramente abraçar aquele homem, seu pai, mas ele a impediu novamente.
Por alguns segundos, o olhar daquele homem se suavizou, reconhecendo naquele rosto, naquela expressão, parte da essência de sua falecida esposa. Mas não havia afeto por Chiara. Passara a vida inteira afastando-a, agora não seria diferente.
—Espero que tudo isso acabe logo, para que já vá embora —deixou uma mão em seu rosto, mas rapidamente a retirou, virando-se de costas.
—Pai… Eu… —o que dizer a um homem que, depois de anos sem vê-la, aquelas eram as primeiras palavras que saíam de sua boca? Decidiu não implorar amor, afeto, pelo menos por enquanto, mas sim falar do que havia acontecido—. Olimpia e Darnelly usaram meus vestidos, Olimpia rasgou meu vestido de noiva.
—Que palavras mais ridículas. Você as ataca e agora as culpa de terem estragado seu vestido?
—Eu não as ataquei —disse pausadamente—. Rosario quer que sejam elas as que se casem em meu lugar.
—São meninas! Como ousa dizer isso?! —A voz forte de seu pai a estremeceu e, de imediato, suas lágrimas se tornaram visíveis. Ele continuou falando coisas que eram mentiras, provavelmente ditas por Rosario ou por uma de suas filhas. Ela não se defenderia; ele não a deixaria e, provavelmente, só acrescentaria mais raiva naquele homem.
Apenas ficou ouvindo, como se toda a culpa fosse dela.
Ao terminar seu longo e furioso discurso, o senhor Moretti se dirigiu até a porta.
—Espere, pai. Ainda não vá, por favor.
—Estou cansado, tenho que ir para a cama.
—Não posso me casar com este vestido rasgado. Preciso de outro.
—Então por que o estragou? Vai ter que usá-lo assim.
—Não… não fui eu. Foi Olimpia! Não quero usar esse vestido amanhã.
—É meia-noite! O que está me pedindo?! Você o rasgou! Assuma e resigne-se!
—Se minha mãe estivesse viva, não permitiria que isso acontecesse. Meu casamento seria algo especial, não onde suas filhas tentam tomar meu lugar ou sua esposa me humilha. As coisas seriam muito diferentes.
E foi só isso que disse antes que o caos tomasse conta do quarto.
Moretti se aproximou da filha e, quando levantou a mão contra seu rosto, Chiara rapidamente percebeu a intenção e tentou se proteger. Ele mudou a trajetória da mão, não aceitando ficar com o desejo de lhe dar um pouco de “educação”. Empurrou-a contra a parede, mas sua força não foi medida. A cabeça de Chiara bateu com força e, olhando para o pai, foi deslizando lentamente até o chão, com um fio de sangue escorrendo da cabeça.
Os lábios de Chiara se separaram para emitir um gemido, os olhos ardiam, mas seu coração doía mais do que o corpo.
—Não devia ter voltado, Chiara. Aqui você não tem nada —disse, saindo rapidamente dali.
—Nem em nenhum outro lugar… simplesmente não tenho nada —soluçou, caída.
(…)
Para a família Queen, que havia se trasladado completa a São Francisco, o casamento de Davide Queen e Chiara Moretti era a união que esperavam há anos. Mas não era precisamente Davide quem deveria se casar, por isso havia um certo amargor em toda aquela situação.
Se bem ele fosse o irmão mais velho, antes não era assim, não quando ainda estava vivo seu gêmeo, que era de fato o primogênito.
—Enfim chegou o dia —havia certa tensão em toda a situação, perceptível na voz do pai, porque a família duvidava que Davide aparecesse no casamento. Durante quase vinte anos haviam castigado o filho pela morte do irmão. Davide aceitara cada castigo, cada rejeição, mas há algum tempo as coisas começaram a mudar quando encontrou o amor.
—Sim, já é o dia —sua mãe olhava pela janela do hotel onde toda a família estava hospedada, sem saber nada sobre o paradeiro de Davide, salvo que já havia chegado a São Francisco.
—Duvido muito que essa jovem possa mudar o coração de Davide —disse seu pai.
—E quem espera que ela mude aquela fera? O único que espero dele é o casamento. E dela? Herdeiros.
—Chiara. Tem um belo nome.
—E tenho certeza de que é tão bela quanto a mãe.
—Foi uma mulher linda —o senhor Queen se aproximou da esposa, rodeou-a com o braço, puxando-a para junto de si—. E se ele não vier?
—Hoje haverá um casamento, com ele ou sem ele. Teremos casamento —respondeu Fiorella friamente.
—Você pensa em…?
—Ainda temos dois filhos.
—Dante e Nico? Mas, Fiorella…
—O que quer que eu diga, Gian? Davide tem tentado nos subestimar desde que está com aquela prostituta sueca. Se não se casar, perde o controle das empresas e um deles se casa com a Moretti.
—Talvez isso não importe a Davide —disse Gian.
—Está brincando? É o que mais lhe importa! Seu único orgulho é esse, não tem mais nada. Se não chegar hoje ao casamento, um de seus irmãos ocupará seu lugar.
O senhor Queen engoliu seco, pouco animado com toda a situação.
—Chamarei os meninos para dizer que é provável que um deles se case com Chiara Moretti.
Enquanto ele saía do quarto, ela se permitiu chorar agora que estava sozinha.
Poderia ser o casamento de seu belo filho, o dono de seu coração, mas ele já não estava vivo.
Seu esposo voltou com os dois filhos mais novos.
Dante tinha vinte e nove anos, era um homem tranquilo, às vezes pouco sociável e, em ocasiões, seu mau humor o dominava, afastando-o ainda mais do que pretendia. Mas amava sua mãe de todo coração, porque via a tristeza nela e como ainda não superava a morte do filho. Poderia se dizer que era o mais compreensivo de todos. Embora sua personalidade não fosse a mais alegre, seu físico fazia um equilíbrio perfeito. Aqueles olhos verdes diziam muito mais que sua expressão e, no fundo, era um homem alegre, mas que não sabia como expressar isso. Seu cabelo castanho estava sempre curto, era tão alto quanto o irmão mais velho e compartilhavam certo parecido, sobretudo na forma da boca e do nariz. Era magro, de ombros largos e pernas fortes, mas magro. Quando sorria, o fazia de maneira sincera.
Ao contrário de seus dois irmãos, apesar de ter se preparado para a gestão empresarial, o que apaixonava Dante eram as artes culinárias. E a isso se dedicava. Sua mãe o considerava um dos maiores fracassos como filho, mas ele não era de se deixar levar pelas opiniões alheias. Estava mais do que preparado para as críticas.
Nico, o caçula dos irmãos, era como um sol, mas não caloroso e reconfortante, e sim ardente e abrasador. Fogo era provavelmente o que corria em suas veias.
Era um homem de cabelos negros, olhos cinzentos, lábios grossos e sobrancelhas espessas, tinha uma risada chamativa e, assim como os irmãos, era de uma beleza invejável. Destilava sensualidade até em sua maneira de falar, olhar, sorrir, até em sua respiração. Tinha apenas vinte e cinco anos e se considerava um homem sem amarras, ainda que de vez em quando desse ouvidos aos pais, o que não acontecia com tanta frequência.
Era tão imprevisível, que tê-lo por perto deixava os pais muito nervosos. Nunca fazia nada que se pudesse imaginar; prever seu comportamento era praticamente impossível. Dava-se muito mal com os irmãos, e isso ia em várias direções: detestava de forma direta cada coisa que eles faziam.
Para Nico, Davide era sério demais, Dante entediante demais, e não via sentido em viver a vida desse jeito. Uma vida sem aventuras, para ele, era um suplício. Sua mente não seguia regras, muito menos as respeitava.
Aquele homem era um completo boêmio.
—Pode ser que um de vocês dois se case hoje com Chiara Moretti —A risada de Nico foi o que seguiu às palavras da mãe.
—Espera… está falando sério?
—Sim, não me importa qual dos dois, mas quem o fizer estará no comando das empresas. Algum dos dois se oferece voluntário?
—Porra! Já podia ter facilitado, mamãe. Duas coisas que não suporto: responsabilidades e casamento.
—E você, Dante?
—Mãe… é o que deseja? —Se fosse o que ela queria, ele estava disposto.
—Não acredito! —exclamou Nico, vendo que o irmão aceitava—. Ao menos já viu a noiva?
—Posso lhe assegurar que é uma mulher linda, completamente linda —disse a mãe.
Essa afirmação já fazia Nico reconsiderar.
—Bom… —estava mesmo pensando nisso?—. Se for uma autêntica beleza italiana, posso fazer o sacrifício. Importa-se, Dante?
—Não, só o farei se não houver outra opção.
—Quão leviano você trata o casamento —bufou Nico.
—Você se baseia só na beleza, e eu é que sou o leviano?
—Chega! Não quero discussões, só queria que levassem isso em conta caso seu irmão não apareça no casamento. De qualquer forma, temos que ir, já estamos atrasados.
—Tanto faz! Pode ser que eu me case hoje —disse Nico com um sorriso.
—Você é realmente imprevisível —resmungou Dante, incapaz de imaginar o irmão mais novo casado com qualquer mulher.
A família Queen se dirigiu para a igreja.
A primeira coisa que notaram foi a ausência do irmão, apesar de todos os convidados já estarem ali. Embora a igreja não estivesse cheia, havia pelo menos umas cinquenta pessoas.
—Já estou com dor de cabeça —disse a mãe—. Por favor, Dante e Nico, vejam se seu irmão está por perto. Se supõe que ele deve chegar antes da noiva!
—Calma, mamãe, vamos procurá-lo.
O noivo não havia chegado, enquanto o carro da noiva já estava estacionado em frente à igreja, esperando a indicação de que Davide Queen já estava ali.