O som do impacto ecoou pela clareira.Alicia caiu de joelhos na terra úmida, o peito arfando. As palmas das mãos estavam sujas de barro e pequenas folhas secas grudavam em seu cabelo. O gosto metálico de sangue enchia sua boca. De novo.— Levanta. — A voz de Kael soou firme, cortante.Ela apertou os punhos, tremendo.— Você não está pegando leve — cuspiu, entre os dentes.— Não posso. — Ele deu um passo à frente, o olhar impassível. — Seus inimigos também não vão.Ela o odiava naquele momento. Odiava a calma com que ele falava, a frieza dos olhos, a forma como seus músculos se moviam sob a pele bronzeada, impecável, como se aquilo tudo fosse fácil demais pra ele. Como se ela fosse apenas uma novata quebrada tentando sobreviver.Mas também… parte dela o admirava. E talvez fosse isso que doía mais.Alicia se levantou, os músculos gritando em protesto. O treinamento havia começado ao amanhecer, e o sol já se escondia entre as árvores. Kael não poupava esforços — e ela também não aceitava
O vento carregava o cheiro de algo errado.Kael sentiu antes mesmo de atravessar a trilha que levava à fronteira norte. Seus sentidos estavam em alerta, o lobo inquieto sob a pele. Alicia o seguia de perto, os olhos dourados estreitados, farejando o mesmo rastro estranho que cortava o ar.— Não é da nossa matilha — ela disse, franzindo o cenho. — Esse cheiro...— É antigo — Kael rosnou. — Mas familiar.Havia algo no perfume selvagem e adocicado que trazia lembranças sombrias. Uma presença que ele não sentia há anos, mas que jamais esqueceria.Eles alcançaram a clareira próxima à pedra dos limites. A energia ali vibrava como um aviso silencioso.E então, ele apareceu.Vestia apenas uma calça preta, os pés descalços na terra. Alto, esguio, com músculos finos como lâminas escondidas sob a pele morena. Os olhos eram prateados como metal líquido. E seu sorriso... um corte afiado, sem humor.— Draven — disse ele, como quem saboreava uma palavra maldita.Kael avançou, ficando entre Alicia e
O céu estava carregado de nuvens, e o cheiro de chuva se misturava ao perfume da floresta. Alicia caminhava entre as árvores, tentando organizar os pensamentos. Caelus não era só um perigo. Ele era uma sombra viva do passado — e talvez a chave para compreender tudo o que lhe fora negado.Ela parou ao lado de uma árvore retorcida e apoiou a mão no tronco. Sentia o pulsar da terra, como se algo dentro dela quisesse acordar de vez.— Não é seguro andar sozinha — disse uma voz atrás dela.Kael.Alicia não se virou.— Desde quando me deixar respirar é considerado perigoso?Ele parou a alguns passos.— Desde que Caelus entrou no jogo.O silêncio entre eles era espesso. A tensão, constante.— Por que você nunca me contou sobre ele? — ela perguntou, finalmente o encarando. — Sobre o que ele fez com a minha mãe?Kael desviou o olhar para o horizonte, o maxilar trincado.— Porque reviver aquela história me custa mais do que você imagina.— Mas é minha história também, Kael.— Eu sei.Ele deu al
A lua cheia estava alta, seu brilho prateado tingindo a floresta com uma luz fantasmagórica. Alicia caminhava com passos firmes, mas o coração batia em descompasso. Algo estava prestes a acontecer. Algo que ela sabia que não poderia controlar, mas que, ao mesmo tempo, sentia como se fosse inevitável.Kael estava ali, observando-a de longe. Seus olhos eram profundos, como se carregassem o peso de mil segredos e batalhas perdidas. Ele parecia ser uma extensão da noite, imponente e selvagem, e Alicia não conseguia afastar o magnetismo que o envolvia.Ela parou no meio da clareira, o vento agitando seus cabelos, sentindo o chamado da marca pulsando em sua pele. A dor e o desejo misturados em uma dança que ela tentava, mas não conseguia, escapar.Kael deu um passo à frente, e tudo ao redor dela pareceu sumir. Apenas ele e ela existiam naquele instante.— Você me chama, Alicia. Sente isso? — a voz dele soou rouca, carregada de uma necessidade que Alicia não conseguia negar.Ela o encarou, a
O silêncio entre eles era tão denso quanto o calor que preenchia o ar. Alicia ainda sentia a respiração de Kael em sua pele, mesmo com centímetros entre seus corpos. O toque que ele deixara em sua cintura parecia um incêndio em brasa, consumindo cada parte de sua razão.Ela deveria ter se afastado. Ter dito algo. Qualquer coisa.Mas o que fez foi se aproximar.Seus olhos dourados buscaram os dele — escuros, dilacerantes, selvagens. E pela primeira vez, ela viu algo além da fúria e do domínio. Viu desejo. Viu dúvida. Viu um homem lutando contra algo maior que ele.Kael tocou seu rosto com uma delicadeza que não combinava com sua postura de Alfa. Os dedos ásperos deslizaram pela bochecha dela até se perderem entre os fios ruivos. Alicia fechou os olhos por um segundo, permitindo-se sentir. Apenas sentir.— Você me enlouquece — ele murmurou, a voz rouca, rasgando o silêncio.Alicia entreabriu os lábios, mas não disse nada. Quando voltou a encará-lo, a decisão já estava feita. Não porque
A lareira ainda estava apagada, mas o calor persistia na cabana. Alicia acordou primeiro, envolta no corpo de Kael, sentindo a respiração dele contra sua nuca e o peso do braço dele em sua cintura. Por um instante, ela apenas ficou ali, ouvindo o silêncio que os cercava, tentando entender a tempestade que agora rugia dentro de si.Ela havia cedido.Mas não por fraqueza. Não por submissão.Ela havia escolhido Kael. Havia aceitado a conexão que os ligava desde o primeiro olhar. E, acima de tudo, havia se permitido sentir. Desejar. Amar?Alicia afastou o pensamento com um suspiro. Ainda era cedo demais para colocar um nome naquele turbilhão.Com cuidado, ela deslizou para fora do abraço dele, procurando por suas roupas espalhadas pelo chão. A marca ainda queimava leve em sua pele, como uma brasa viva sob a epiderme. Não doía. Mas era impossível ignorar. Como ignorar um pedaço de si mesma que, até pouco tempo, ela nem sabia existir?Quando se vestiu, virou-se para Kael — que agora a obser
O dia seguinte amanheceu coberto por uma névoa espessa, como se a própria floresta hesitasse em revelar seus segredos. Alicia caminhava ao lado de Kael até o Círculo Sagrado — um espaço ancestral no coração da matilha, onde os rituais mais antigos eram realizados.— Eles vão tentar te derrubar — Kael disse, sem rodeios. — O Conselho não aceita facilmente mudanças. Ainda mais quando vêm de uma forasteira.— Eu sou mais do que isso — Alicia retrucou, ajustando o casaco de couro nos ombros. — E vou provar. Nem que eu precise fazer cada um deles engolir o próprio orgulho.Kael olhou de lado, o traço de um sorriso surgindo nos lábios.— Essa é minha garota.Ela o ignorou, mas sentiu o coração acelerar. "Minha garota". Três palavras e o chão parecia ceder sob seus pés. Ele ainda não havia dito o que sentia — talvez nem soubesse ao certo — mas Alicia percebia os sinais. O toque que se demorava. O olhar que se suavizava. O instinto de protegê-la, mesmo quando ela não precisava.Ao chegarem ao
A tensão ainda pairava no ar. O Círculo Sagrado, que antes era um lugar de reverência e poder, agora parecia uma arena de desafios implacáveis. Os membros do Conselho, que observavam Alicia com ceticismo, agora pareciam indecisos, perturbados pelo que acabaram de testemunhar. Alicia havia provado sua força e sua origem — ela não era uma simples humana. Ela era filha da Loba da Lua, e aquela verdade alterava tudo.Kael, ainda ao lado de Alicia, sentiu a mudança. Alicia Blake, a mulher que havia desafiado tudo e todos, agora estava marcada com a herança dos lobos. Seus olhos dourados brilhavam com a intensidade de uma força ancestral, e ele sabia que ela não seria mais a mesma.— Você passou no teste. — Merek disse, finalmente quebrando o silêncio, sua voz mais grave do que nunca. Ele parecia pesar as palavras, com um olhar agora mais respeitoso. — Mas o Conselho não se rende com facilidade.Alicia não disse nada. Ela sabia que a prova que havia enfrentado não era o fim da jornada. Era