O Jardim Invisível
Acordei naquela manhã como quem se arruma para uma festa secreta. O coração batia acelerado e, por mais que eu tentasse, não conseguia disfarçar a ansiedade. Coloquei meu vestido rosa pastel, prendi o cabelo em um coque charmoso e desci as escadas com o carrinho de compras que havia preparado na noite anterior. Dentro dele estava a verdadeira revolução que eu planejava levar para aquele escritório cinzento. As rosas do deserto, com suas cores vibrantes, pareciam sorrir para mim, como se soubessem do impacto que causariam. As suculentas em cascata, caindo em ondas verdes, lembravam pequenas quedas d’água que dariam movimento ao ambiente. As gloxínias, tão delicadas com seus sininhos roxos e rosas, pareciam cantar um hino silencioso de boas-vindas. Havia também vasos de cactos floridos, pequenos mas cheios de personalidade, e as palmeiras ornamentais, perfeitas para transformar a entrada em algo imponente. Por fim, um estrado de madeira, simples mas essencial, para acomodar as trepadeiras que cobririam de vida a varanda fria e esquecida. Ao chegar no prédio da De Luca Group, antes mesmo da Francesca, senti um frio na barriga. A recepcionista arregalou os olhos quando me viu empurrando aquele carrinho lotado de vasos, como se eu fosse uma florista perdida no endereço errado. — É para dar um pouco de vida àquela varanda enorme do senhor De Luca, — expliquei com naturalidade, como se fosse a coisa mais comum do mundo. Ela ainda me olhava com espanto, mas eu sorri e segui em frente. No elevador, apertei o botão do último andar e senti minhas mãos suarem levemente. E se ele não gostar? — pensei. Mas logo rebati a dúvida com firmeza: eu não estou ali para agradar gostos pessoais, e sim para transformar um espaço estéril em algo humano. Assim que as portas se abriram, arregaçei as mangas e comecei a missão. Posicionei as palmeiras nas laterais da porta do escritório, criando uma entrada que lembrava o hall de um hotel de luxo, só que mais acolhedora. Na mesa do senhor De Luca, coloquei um vaso de suculentas em flor: simples, elegante, impossível de ignorar. Na minha própria mesa, fiz questão de plantar gloxínias lilases num vasinho branco — uma forma de marcar meu espaço e dizer silenciosamente: eu também faço parte deste lugar. E então veio a parte mais demorada e prazerosa: a varanda. Montei o estrado de madeira, acomodei as trepadeiras, espalhei vasos de rosas do deserto nos cantos e, no centro, deixei as suculentas em cascata se derramarem como fios de esmeralda. Quando terminei, respirei fundo. O ar parecia diferente. O ambiente, antes cinzento e sóbrio, tinha se transformado em um jardim discreto, mas cheio de alma. Foi nesse exato instante que ouvi o barulho da persiana sendo erguida. Congelei. Luccero havia chegado. Ele empurrou a cortina com um gesto automático, provavelmente sem esperar nada além da mesma paisagem fria de sempre. Mas quando viu a varanda… vi seus ombros se retesarem, o corpo inteiro parando por alguns segundos, como se o ar lhe tivesse sido roubado. Eu o observei em silêncio, meu coração disparado. Onde antes havia apenas concreto sem vida, agora floresciam cores, formas e perfumes. Ele entrou mais alguns passos no escritório, os olhos varrendo cada detalhe: as palmeiras na entrada, o vaso de suculentas em sua mesa, as gloxínias iluminando a minha. Até que, finalmente, murmurou, visivelmente confuso: Ele olhou em volta, confuso, e sua voz grave quebrou o silêncio: — De onde saiu… tudo isso? Eu ainda segurava um pano nas mãos, o mesmo que tinha usado para limpar a poeira da mesa antes de colocar as gloxínias. Senti meu rosto esquentar, mas antes que eu pudesse responder, ele se virou em direção ao corredor e chamou: — Francesca! Meu coração quase saltou pela boca. Será que eu tinha ultrapassado os limites? Será que aquela explosão de cores ia me custar o emprego já no segundo dia? A porta se abriu devagar, e a Francesca apareceu, ajeitando os óculos no rosto. Trazia nos lábios aquele mesmo sorriso maternal que sempre me dava um pouco de coragem. — Sim, senhor De Luca? — perguntou, entrando. Ele apontou com um gesto amplo para todo o ambiente: a mesa, a varanda, as palmeiras, as flores. — Explique-me… o que é isso? Por um instante, Francesca hesitou. Seus olhos encontraram os meus e eu soube que ela estava prestes a me proteger, a assumir a responsabilidade pelo jardim invisível que agora florescia diante dele. Mas eu não podia deixá-la carregar esse peso. Respirei fundo e dei um passo à frente. — Fui eu, senhor De Luca. — Minha voz soou firme, embora minhas mãos ainda tremessem levemente. — Achei que seu escritório merecia um pouco mais de vida. Tudo estava… cinzento demais. Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso com a ousadia da minha resposta. Não disse nada de imediato, apenas me encarou com aqueles olhos azuis que pareciam atravessar a gente até a alma. Francesca, percebendo que a conversa era só entre nós dois, pigarreou discretamente. — Com licença. — E se retirou, fechando a porta atrás de si. O silêncio se instalou. Eu sentia a respiração dele mais pesada do que o normal. Ele caminhou até a mesa, passou os dedos sobre as pétalas das gloxínias, depois se aproximou da varanda. Abriu a porta de vidro e deixou que a brisa matinal invadisse o espaço. — Você fez isso tudo sozinha? — perguntou, sem olhar para mim. — Sim, senhor. Ontem passei na floricultura, comprei as plantas e preparei tudo para hoje cedo. Ele virou-se devagar, avaliando-me de cima a baixo. — E por que não pediu autorização? Travei por um instante. Era uma pergunta justa. Eu podia dizer que tinha sido empolgação, mas a verdade era outra. — Porque se eu tivesse pedido, o senhor provavelmente teria dito “não”. — soltei a resposta antes que meu bom senso pudesse me frear. Um canto da boca dele se ergueu quase imperceptivelmente. Não era exatamente um sorriso, mas algo próximo disso. — Você é… ousada, senhorita Dahl. Engoli em seco, mantendo a postura. — Prefiro dizer que sou determinada, senhor. Ele não respondeu de imediato. Apenas voltou a olhar para a varanda, como se ainda não acreditasse no que estava vendo. — Determinada… — repetiu, como se testasse a palavra nos lábios. O silêncio entre nós não era desconfortável. Havia algo diferente ali, uma espécie de energia nova. Eu podia sentir. E, pela primeira vez, tive a impressão de que aquele homem cinzento talvez estivesse deixando uma pequena fresta aberta para o cor-de-rosa entrar.