Ele se voltou para mim, cruzou os braços e disse com aquela ironia fria que parecia sua marca registrada:
— Quando eu disse ontem que você ia destruir o meu escritório, parece que eu estava adivinhando. Respirei fundo, sentindo minhas mãos formigarem, mas ergui o queixo. Não deixaria a provocação dele me abalar. — Mas, doutor Luccero, — falei com calma, mas sem perder o brilho no olhar, — um jardim é destruição? Pelo amor de Deus… o senhor vive em cinza e preto. Ontem mesmo estava com aquele terno chumbo, camisa branca, gravata chumbo, sapatos pretos. O senhor parecia uma fotografia antiga. A única cor que havia em todo o conjunto eram seus olhos… — fiz uma pausa, engoli em seco e acrescentei com sinceridade — que, com todo respeito, são lindíssimos. Ele arqueou uma sobrancelha, e percebi que não estava acostumado a ouvir elogios tão diretos. Continuei, apontando discretamente para a varanda e para as plantas distribuídas pelo espaço: — Agora, eu trouxe natureza. Eu trouxe vida para este escritório. Hoje mesmo o senhor veio de preto, camisa cinza e gravata preta. Não acha que merece um pouco de cor na sua vida? Minha voz suavizou quando acrescentei: — Quando eu vivia no orfanato, minha vida era exatamente assim: cinza e preto. Foi por isso que decidi que não seria mais invisível, não seria mais apagada. Eu escolhi ser sempre colorida. Eu escolhi o rosa. Ele me encarou por alguns segundos em silêncio, e eu podia jurar que um brilho diferente surgiu em seus olhos. Um traço de curiosidade, talvez até de respeito. — Você veio combinando, então, — ele murmurou, desviando o olhar para minha roupa. — Hoje você está com esse conjunto pink, e a blusa branca com essas mini rosinhas cor-de-rosa. Sorri de leve, ajeitando a barra da saia e levantando um pé para mostrar. — Tudo combinando, doutor. Mas repare: o sapato é branco. Viu? Nem tudo é rosa. Ainda deixo espaço para o contraste. Ele deixou escapar um suspiro, quase um riso abafado, como se lutasse contra a própria reação. Eu, por dentro, comemorava. A cada frase, a cada planta posicionada, eu sentia que as paredes daquele escritório não eram as únicas a florescer. Algo dentro dele, mesmo que pequeno, começava a se mover também. Ele me fitou de novo, com aquela expressão que misturava irritação e curiosidade, e disse num tom firme, quase um desafio: — Você tem resposta pra tudo, não é? Endireitei os ombros, respirei fundo e deixei as palavras saírem sem medo. — Eu tive que aprender a ter resposta pra tudo, senhor De Luca. Aprendi a me defender desde cedo. Mas, na verdade, só consegui me defender de verdade depois que conheci a minha madrinha, quando eu tinha cinco anos de idade. A lembrança me atravessou como um vento súbito, trazendo de volta o cheiro úmido do orfanato, os risos cruéis das outras crianças. — Até então, no orfanato, eu era chamada de feia, de gorda, de tudo quanto é nome. Diziam que meu cabelo cacheado não combinava com os meus olhos verdes, que eu era morena demais pra ter olhos verdes, que eu era gorda demais pra ser bonita. Eu me escondia em cantos, chorava sozinha… e foi num desses dias que a madrinha entrou e me encontrou. Eu estava chorando porque tinham acabado de dizer que eu era feia. Senti meus olhos marejarem, mas sorri ao lembrar o que vinha depois. — Ela me olhou e disse que eu era linda. Eu não me achava linda, mas ela me convenceu disso. E no dia seguinte, trouxe um pijama cor-de-rosa, com pequenos botões brilhantes, e um monte de roupas em tons de rosa. Foi a primeira vez que eu me vi diferente. Foi daí que a minha vida se tornou um jardim. Olhei diretamente para ele, minha voz ganhando força. — A sua mãe fez da minha vida um jardim, senhor De Luca. Desde aquele dia, ela passou a cuidar de mim. Se eu sou o que sou hoje em dia, é porque a sua mãe acreditou em mim. Ela viu beleza onde todo mundo dizia que havia feiura. Toquei de leve uma folha da suculenta sobre a mesa dele, como se confirmasse minhas palavras. — Então, onde eu vejo que está faltando beleza, eu trago beleza. Se eu fui invasiva, me desculpe, mas seja sincero: não está mais leve o seu escritório agora? Ele permaneceu calado, observando-me com intensidade. Eu, porém, não aguentei e deixei escapar uma provocação bem-humorada: — Principalmente depois que aquela sua noiva veio aqui ontem. Ai, que mulher carregada! O senhor só usa preto e cinza, e ela só veste bege e marrom. É isso? Vocês são um casal monocromático? Meu Deus, como vão se vestir os filhos de vocês? Preto, cinza e bege? Uma paleta de tristeza… Foi a primeira vez que vi um riso escapar de verdade dos lábios dele. Mas logo se recompôs e rebateu, a voz mais firme: — Eu não sou noivo dela. Eu não vou me casar com ela. Ergui uma sobrancelha, surpresa. — Bom… não foi isso que ela falou. E, aliás, lá fora ela ainda me disse um monte de desaforos. Ele me encarou de novo, e naquele momento percebi que, talvez pela primeira vez, estava realmente interessado no que eu tinha para dizer.