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Jon Odero estava prestes a cruzar a esquina sob uma tempestade furiosa. O olhar fixo no semáforo. Faltavam apenas alguns segundos para o sinal abrir.
Os nós esbranquiçados em suas mãos firmes no volante revelavam sua relação com o tempo naquele instante. Os olhos, por vezes, fechavam e se abriam, tentando conter a fúria que crescia dentro dele.
— Mal**** tempestade — murmurou chateado.
O sinal abriu. Ele acelerou. Estava quase virando a próxima esquina quando percebeu, a tempo, um vulto cruzando diante do carro. Foi preciso todo o seu autocontrole para não ferir quem quer que tivesse se atrevido a atravessar.
Jon saiu do carro sem se importar com o guarda-chuva no banco ao lado. Seus olhos encontraram uma mulher sentada no asfalto, bem à frente do veículo. As mãos dela cobriam o corpo trêmulo; os cabelos, uma cascata negra, colavam ao rosto encharcado.
Ele se agachou até ficar à altura dela. Observou-a por alguns segundos antes de falar, mantendo certa distância:
— Sua vida é tão miserável assim, a esse ponto? — A voz grave, quase angelical, fez a garota erguer o rosto para ele.
"Eu devo estar no céu... e este deve ser o anjo mais lindo que já vi."
Jon ergueu uma sobrancelha, como se tentasse ler os pensamentos dela.
— Consegue me entender? Quer que eu te leve ao hospital? — Sua paciência estava quase no fim.
A chuva caía sobre eles como uma torrente incontrolável. Percebendo que ele aguardava uma resposta — e que parecia muito chateado —, ela respondeu, engasgando com as palavras:
— Eu sinto muito, senhor! Eu só... alguém estava me perseguindo! — As mãos dela estavam coladas ao corpo; a pele, num tom arroxeado.
— Venha! Vamos sair debaixo dessa tempestade e você me conta tudo no caminho! — Ele havia estendido a mão para ela, ajudando-a a levantar-se do chão.
Ela o acompanhou até o carro. Ele abriu a porta ao lado do motorista para ela entrar.
No instante que ele tomou o seu lugar, a encarou nos olhos enquanto passava as mãos pelos cabelos.
— Coloque o cinto, por favor, senhorita! — Sua voz era uma carícia doce aos ouvidos da moça, que o encarava desacreditada.
— Sim... desculpe... eu só... — a voz dela sumiu.
Jon suspirou, carregado, desviando o olhar para a rodovia.
— Vamos primeiro passar na minha casa e depois vou deixar você na delegacia! — Ele soou inquestionável.
A garota engoliu em seco, apertando a si mesma como um embrulho. Mesmo o aquecedor não surtia efeito.
"Espero que ela não morra congelada até chegarmos! O que di***** eu fui querer ajudando esta mulher?"
Os olhos dele tentavam não notar cada detalhe que sua mente já havia guardado.
"Joelhos machucados… pulsos arranhados… desnutrida... O que ela passou de verdade?"
A encarou através do espelho.
— Como ela consegue dormir com esse frio?
Parou diante da enorme mansão. Seu motorista particular já o aguardava. Assim como o mordomo e seu secretário- cada qual com um guarda-chuva enorme. Ele a carregou para seu quarto.
— Agora vou descobrir tudo sobre você!—Os olhos dele estavam presos na imagem da desconhecida que continuava a dormir em seu quarto ao lado do seu escritório.
Romero, seu secretário, havia pesquisado em instantes tudo sobre ela. Não havia nada que aquele homem não descobrisse.
— Até que essa tempestade horrível calhou, Romero — murmurou Jon, com um meio sorriso.
Seus olhos escuros se voltaram para o homem à sua frente — tão alto quanto ele, porém de cabelos mais claros.
— O senhor quer dizer que… — Romero pareceu finalmente encaixar as peças do quebra-cabeça.
Jon deixou escapar um sorriso malicioso.
— Uma gaiola dourada. É o que a espera ao final.
No monitor diante dele, a imagem de Elara reluzia como um quadro perfeito: idade, família, hábitos, gostos, número do salto, medidas, hobbies. Tudo o que podia ser conhecido sobre ela estava ali, organizado e classificado como mais um dos objetos de coleção de Jon Odero.
— Prepare o contrato — ordenou, sem desviar os olhos da tela.
Sua voz ressoou firme, quase gélida, para Leon Volmer, seu advogado, que estava ao lado. O homem, tão sério quanto ele, apenas assentiu antes de deixar o cômodo. Restaram apenas Jon e Romero, cercados por peças raras e artefatos que Jon amava acumular.
— Com um passado como este… — ele sorriu de canto, olhando o relatório — vamos ver até onde ela está disposta a ceder.
O tom zombeteiro que usava soava como parte de uma orquestra silenciosa, da qual apenas ele conhecia a melodia.
Enquanto isso, Elara se remexia inquieta na cama de lençóis de seda, prisioneira de um pesadelo.
— Não… por favor!... pare!... eu imploro! — sua voz saiu embargada, trêmula.
Os dedos dela se agarravam com força ao tecido fino, os olhos fechados em agonia.
— Por favor… eu imploro… — murmurou, já sem forças, a voz se perdendo entre soluços.
Jon entrou no quarto e se deteve por um instante, observando a cena. Ela parecia lutar contra alguém invisível.
Aproximou-se, sem saber exatamente por quê, e segurou as mãos dela, prendendo-as contra o próprio pescoço, forçando-a a despertar.
Os olhos dela se abriram, marejados.
Jon sentiu um incômodo crescente.
Lágrimas. Sempre as odiara — não sabia desde quando, nem o motivo, mas elas o faziam se sentir… vulnerável.E, ainda assim, ali estava ele, abraçado a uma mulher que mal conhecia, enfrentando aquilo que mais desprezava.
"M****** sejam as lágrimas. A***** seja esta mulher."
Elara o segurou com força, como se ele fosse sua tábua de salvação.
— Obrigada... muito obrigada... eu jamais saberei como te agradecer por hoje — sussurrou, a voz rouca e trêmula.
Jon sentiu uma corrente elétrica percorrer-lhe o corpo, e num impulso, afastou-se dela.
Por um momento, o silêncio tomou conta do quarto. Os olhos de ambos se encontraram — buscando respostas que nenhum dos dois ousava dizer.
— Na verdade — disse ele, num tom que misturava frieza e cálculo —, tenho uma proposta para você.
Elara franziu o cenho, confusa.
— Seja o que for... eu aceito.







