5. Caminho

Crystal (Hoop)

Caminhávamos para longe dos muros da alcateia. Eu e Meg, já fora do alcance dos patrulheiros noturnos. Ela mordeu uma maçã e me entregou outra.

— E agora? Para onde vamos? — perguntou.

— Ainda não sei — murmurei, com os olhos no chão. — Só quero ficar o mais longe possível daqui. De toda essa dor.

Ela me olha com semblante triste, se fosse outra pessoa eu me incomodaria, mas é Meg, minha melhor amiga e irmã... sei que ela sente a minha dor, assim como eu sinto a dela quando algo acontece com ela.

— Depois que te deixei no quarto... fui falar com o Tom. — Ela diz, encarando o nada.

Suspirei.

— Não devia ter feito isso.

— Devia, sim. Ele foi um babaca escroto com você. E outra, você teria feito o mesmo.

Não respondi, pois eu teria mesmo.

As palavras dela ecoaram dentro de mim. A decepção era um nó na garganta, mas… o que eu podia fazer? Minha aparência assustava até crianças. Não dava para culpá-lo por proteger a alcateia.

O silêncio se fez pesado. Até que Meg o quebrou, num tom quase sussurrado:

— Como é... não sentir sua...?

Levantei os olhos para ela, sentindo o peso daquela pergunta.

— Minha loba?

Ela apenas confirma com a cabeça.

— É como se tivesse perdido uma parte de mim. Como estar incompleta o tempo todo. Triste. Doloroso. Solitário.

— Sinto muito — ela disse, com uma sinceridade que me tocou.

O clima está tenso, então decido mudar de assunto.

— Estava pensando em mudar de nome. Crystal. Em homenagem a ela. O que acha?

— Amei a ideia. Vou mudar o meu também. Sempre gostei de Melanie — Meg fala, com um sorriso que me fez querer abraçá-la.

— Então está decidido. Somos oficialmente batizadas pela lua nova. — Digo, apontando para a lua tímida no céu. — Mas só usaremos nossos nomes verdadeiros quando estivermos sozinhas.

Meg assentiu, mas seu olhar ficou sério.

— Por que a deusa fez isso com você? — sua voz era mais dor do que pergunta. — Você sempre foi tão leal à alcateia… aos costumes antigos. Sempre focada, disciplinada, treinava para ser Luna. A mais comprometida, a que mais incentivava a seguir as tradições que muitas alcateias nem sequer conhecem...

— Tem coisas que não têm resposta, Meg. Talvez eu precise passar por isso. Ou... não sei. Tento não pensar.

Ela mordeu os lábios, os olhos ainda cheios de indignação.

— E quanto ao seu rosto? — perguntou, hesitante. — Os humanos não vão entender. Alguns podem apoiar as bruxas… mas outros vão te condenar só por existir.

— Usei maquiagem para disfarçar. Mesmo com ela, eu consigo ver as marcas da maldição… — puxei o capuz para trás. — Você consegue ver?

Meg me olhou com atenção e carinho.

— Não. Você está linda. Como sempre foi.

Tentei sorrir, mesmo sabendo que, por baixo da pintura, ainda era uma aberração.

Caminhamos por quilômetros até avistarmos uma pequena cidade. O cansaço pesava em mim. Minha força de loba se foi com a Cristal, e a fragilidade humana me castigava a cada passo. Mas o silêncio da estrada me acolhia mais do que o barulho dentro da minha mente.

— Acho melhor comprarmos algo para comer e seguirmos viagem. Essa cidade é muito próxima da alcateia. Assim que perceberem nosso sumiço, meu pai vai mandar soldados atrás de nós — falei, observando os arredores.

— Concordo. Olha, tem uma padaria abrindo ali — disse Meg, apontando.

Entramos. Um homem alto, moreno, de olhos azuis intensos, nos atendeu com um sorriso gentil. Havia algo nele… calmo, acolhedor. Um contraste gritante com o caos que eu carregava por dentro.

Connor

Duas mulheres entraram na padaria naquela manhã silenciosa, mas apenas uma prendeu minha atenção.

Ela era como o céu antes da tempestade: silenciosa, intensa, quase irreal. Os cabelos loiros, dourados como o sol em sua última luz, caíam em ondas soltas, escondendo parte do rosto. E os olhos… pela deusa da Lua, aqueles olhos! Um tom amarelo-esverdeado impossível de esquecer.

Meu coração disparou. Senti, com uma certeza que não vinha da razão, que ela era minha. Minha parceira. Minha metade. Quis dizê-lo em voz alta, sem medo, sem reservas. Como se meu lobo gritasse, enfim, por algo que nunca soube que esperava.

Brutus rugiu dentro de mim, não em alerta, mas em êxtase.

‘É ela.’

‘Ela é nossa.’

Mas a euforia virou confusão.

‘Não sinto a loba dela. Como isso é possível? Ela é nossa, mas está... vazia'… murmurou Brutus, inquieto.

Tentei manter o foco.

‘Talvez você esteja empolgado demais, Brutus.’ Tentei brincar, disfarçando a angústia que me apertava o peito. Mas a dúvida persistia. E o vazio também.

Ela não reagia. Não me olhava como quem reconhece um elo sagrado entre almas. Nenhum sinal. Nenhuma conexão. E, pior, eu não sentia o cheiro da loba nela. Só um traço fraco, distante, quase imperceptível. Aquela essência que deveria gritar dentro de mim... simplesmente não estava lá.

‘Isso não faz sentido.’ Brutus resmungou, cada vez mais inquieto.

A observei em silêncio. Os dedos dela tremiam. O olhar era atento, como quem esperava o pior a qualquer momento. Assombrado. Quando estendi o pacote com os produtos, ela evitou qualquer contato visual. Capuz puxado para frente, cabelo cobrindo o rosto, a cabeça baixa como se o mundo lá fora fosse perigoso demais.

Mas por que alguém tão linda se esconderia assim?

Tudo dentro de mim queria tocá-la. Afastar as madeixas douradas, olhar dentro dos olhos dela e reivindicar o que era meu por direito. Mas como fazer isso, se ela sequer me reconhecia?

Movido por um impulso incontrolável, toquei seu braço com suavidade. A pele dela era gelada, não quente como a de uma loba.

— Qual o seu nome? — perguntei.

Ela hesitou, depois respondeu:

— Crystal. E o seu?

— Connor.

— É um prazer te conhecer, Connor. Mas precisamos ir agora.

— Para onde vão? — arrisquei perguntar, mesmo sem saber por quê.

— Não te interessa, grandão — disse a amiga, ríspida, puxando-a para fora.

Crystal.

O nome ficou ecoando na minha mente. Soava certo e errado ao mesmo tempo. Havia algo ali, algo fora do lugar. Eu não sabia o quê, nem por quê, mas meu instinto gritava que tinha algo muito, muito errado.

Ela se afastou. E Brutus rosnou dentro de mim, furioso:

‘Você deixou nossa parceira ir embora!’

‘O que poderia fazer? Ela não nos reconheceu e temos uma missão, lembra? Uma alcateia inteira depende de nós’

‘Mas, é nossa parceira!’

E então, silêncio. Brutus se calou abruptamente, rompendo o elo mental com uma força que doeu mais do que deveria.

Fechei os olhos por um instante, respirando fundo. Eu tinha um dever. Um compromisso com minha alcateia.

E Crystal, se é que esse era mesmo seu nome, não me reconheceu.

Ou talvez… talvez tenha reconhecido, mas não soube como reagir.

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