Enquanto cavalgo em Black Jack, observo a paisagem do rancho à distância. James e eu estamos indo até os Benett buscar as correntes para os pneus da caminhonete. Eles pegaram emprestado no ano passado e disseram que devolveriam, mas o tempo passou e nada foi feito.
— Earl é um homem bem ignorante — murmuro, sem desviar o olhar. James me olha por baixo do chapéu e sorri de leve. — Assim como a maioria por aqui — responde, a voz carregada de um tom de quem já se acostumou com isso. — No começo, incomoda. Depois, você aprende a deixar passar. — E seu pai, James? — pergunto, ainda olhando para a paisagem, tentando não pensar no que estava prestes a acontecer. — Bom... ele foi casado com uma brasileira. Então, digamos que aprendeu a ser mais educado com ela. — James ri baixo. — Antes disso, era um sujeito insuportável. Assenti, compreendendo o peso das palavras. — O casamento dos meus pais foi arranjado pelos meus avós, então minha mãe... bem, ela não tem muita paciência por ele. — Um sorriso amargo se forma nos meus lábios. — Meus avós sempre foram bem controladores. — Eram? — James olha para mim, curioso. — Ainda são... só que agora moram na Califórnia. Não os vejo há anos, mas eles ainda tentam escolher um "pretendente à altura" para mim. — Falo isso sem entusiasmo, quase como se fosse uma piada sem graça. James sorri, ajeitando o chapéu, e um silêncio confortável se instala entre nós enquanto cavalgamos. Chegamos ao rancho dos Benett e Earl, que estava sentado na varanda em uma cadeira de balanço, observa nossa chegada sem pressa. — Earl Benett — James chama, subindo os degraus da varanda. — Como vai? — Vou bem, James. O que posso fazer por vocês? — Ele se levanta da cadeira, os olhos azuis avaliando os dois. Earl é um homem de cabelos grisalhos e um bigode branco que parece ter sido moldado por décadas. A camisa xadrez surrada e as botas gastas completam sua aparência de homem do campo. — O Sr. Carter pediu que eu viesse pegar as correntes da caminhonete — James fala, com um tom mais seco. Earl franze a testa por um momento, depois solta uma risada baixa. — Ah, sim! — Ele me encara com mais atenção. — Você é a filha dele, Ellie, não é? Quanto tempo, menina! Da última vez que te vi, você ainda era só uma criança. — Pois é, Earl. — Sorrio. — Fico feliz que tenha se lembrado de mim. — Claro que lembro! Esperem só um segundo que já vou pegar as correntes. Ele entra na casa mancando levemente e logo retorna com as correntes. Pegamos o que viemos buscar e nos dirigimos de volta para o rancho. Ao chegar, encontro meu pai na varanda, assando alguns bifes na churrasqueira. — Estamos comemorando a primeira neve do ano! — Ele sorri animado, mas sua alegria é interrompida por um mugido alto e angustiado, que ressoou pelo ar e fez meu coração disparar. — Droga! — Meu pai exclama, largando o pegador de carne. James já está atento, olhando na direção do celeiro, tenso. — Fica tranquilo, eu vou ver o que está acontecendo — murmura, começando a caminhar até Black Jack. — Vamos, Ellie. Corro atrás dele e subo no cavalo rapidamente. Cavalgamos em direção ao celeiro, antes que a tempestade nos alcance. Chegamos ao celeiro e logo avistamos uma vaca completamente enroscada em um arame farpado perto da cerca. Sua pata está presa e, na tentativa de se soltar, ela se machucou ainda mais. O sangue se espalha pela neve, tingindo-a de vermelho. James franze o cenho, visivelmente preocupado. — Ellie, precisa amarrar uma das patas dela para que eu consiga examiná-la com mais facilidade — ele ordena, a voz firme, mas sem perder a calma. Corro até onde as cordas estão penduradas e, ao fazer o laço, sinto um puxão forte e, de repente, um impacto brutal. Um coice acerta minha mão com toda a força. Solto um grito abafado de dor e recuo instintivamente, caindo sentada na entrada do celeiro. — Puta merda! — James exclama, correndo até mim. — Tá tudo bem, Ellie? Seguro minha mão contra o peito, fechando os olhos com força. O latejar intenso me diz o que já sei: desloquei dois dedos. — James... me escuta. — Gemo, tentando controlar a respiração. — Você vai precisar colocá-los no lugar. Ele me encara, os olhos castanhos observando cada detalhe da minha expressão. Mesmo com a preocupação, ele mantém a calma. Sem dizer uma palavra, ele me pega no colo, com a agilidade de quem já fez isso antes, e me leva para dentro do celeiro, colocando-me suavemente sobre o feno. Sinto meu coração batendo forte, e o silêncio do celeiro parece amplificar a dor que pulsa na minha mão. — Isso vai doer muito — ele murmura, a voz mais baixa. — Preparada? Nego com a cabeça, mas a dor é inevitável. A dor é insuportável, mas tão breve quanto uma lâmina afiada cortando a carne. O alívio vem rapidamente, deixando-me trêmula e com a respiração ofegante. Tento abrir os olhos e olhar para ele, mas a luz do celeiro parece embaçada. — O-obrigada — murmuro, ainda um pouco atordoada. Ele apenas assente, um alívio visível em seus olhos também. — A tempestade está chegando. Cuide dos cavalos, e eu termino com a vaca. — Não force essa mão — ele me adverte, seu olhar intenso. Concordo e me levanto, fazendo o possível para recolher os cavalos para o celeiro. Há duas portas, uma de cada lado. Fecho a primeira e me dirijo para a segunda, planejando também fechá-la em breve. James trabalha rápido, conseguindo retirar a vaca do arame e suturando os ferimentos com precisão. — James! — chamo, minha voz quase perdida na tempestade que já se aproxima. Ele levanta o rosto e me olha do lado de fora. — Entra! Não temos tempo de voltar para a fazenda. Ele acena com a cabeça e traz a vaca para dentro, seus instrumentos seguidos por ele. A neve já cai pesadamente, e o vento começa a assobiar através das frestas do celeiro. — E sua mão? — ele pergunta, a preocupação ainda presente. — Está bem. Colocamos uma tala depois. — Respondo, mais por querer evitar um debate do que por realmente acreditar. Fecho a última porta justo quando o vento gelado rasga o ar, anunciando a chegada da tempestade. Olho para James, que já está começando a preparar o ambiente. — Acho que vamos ter que passar a noite aqui — digo baixinho, resignada. Ele solta um suspiro, balança a cabeça e, por um momento, fico sem saber se ele realmente vai dizer algo. — Péssima ideia — murmuro. — Principalmente porque não temos cobertores. — Talvez tenha algo no andar de cima. — Ele aponta, com um pequeno sorriso. — Costumava passar o horário de almoço aqui. Vamos dar uma olhada, depois fazemos uma fogueira. Concordo com a cabeça, e sigo atrás dele. O barulho da tempestade parece mais intenso agora, como se o mundo lá fora tivesse se tornado um monstro selvagem, disposto a destruir tudo em seu caminho. Eu tremo, involuntariamente, e James nota. — Você tá congelando — diz, com a voz baixa e rouca. Antes que eu possa protestar, ele já tira o casaco grosso e o abre como um convite silencioso. Hesito por um instante, mas o frio é implacável. — Eu tô bem — minto, embora meus dentes batam levemente. Ele ergue uma sobrancelha, com aquele olhar desafiador que sempre me faz sentir vulnerável. Sem mais palavras, puxo-me para mais perto dele, o calor do seu corpo imediatamente aquecendo a minha pele congelada. Ele coloca o casaco por cima de nós e um cobertor fino, os movimentos naturais, mas o gesto carrega mais significado do que eu consigo processar. Foi aí que começou. O toque de seus dedos deslizando lentamente no meu pulso. O calor do seu corpo contra o meu. Minha respiração falha por um momento. E, de algum jeito, sei que ele percebe.