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A floresta estava escura demais para uma noite comum. Não havia animais, nem vento, nem som. O silêncio parecia anunciar apenas uma coisa: eles estavam próximos.
Ela corria.
Os pés batiam no chão úmido, o coração disparado, a respiração curta. O medalhão preso em sua mão brilhava em pulsos rápidos — como se alertasse que o tempo estava acabando.
Um estalo ecoou atrás dela.
Ela olhou por cima do ombro e viu as sombras se levantando entre as árvores. Altas, tortas, se moviam como fumaça presa num corpo. O ar ficou gelado.
— Não hoje… — ela murmurou, acelerando.
O caminho estreito levou até uma clareira circular. No centro, o ar tremulava como se estivesse sendo rasgado. Uma luz azulada se espalhava no chão, iluminando as pedras antigas.
O portal.
Ele nunca estivera tão instável.
Ela correu até ele. O medalhão reagiu, brilhando mais forte. A luz dentro do portal aumentou, puxando o vento para dentro da fenda como um redemoinho.
Mas o som atrás dela fez seus cabelos arrepiarem.
Passos.
Ela se virou rápido.
A primeira criatura saiu da escuridão — magra, comprida, sem rosto, apenas dois rasgos prateados onde deveriam ser olhos. Outras surgiram logo atrás.
Ela apertou o medalhão com força.
— Vocês não podem tê-la — ela disse.
A voz da criatura não veio da boca. Veio do ar.
— Ela pertence ao outro lado.
A mulher deu um passo para trás, aproximando-se do portal.
— Não enquanto eu respirar.
As sombras avançaram.
Ela levantou o medalhão. A pedra estourou numa luz prata que cortou o chão como uma lâmina. As criaturas recuaram, gritando agudo, mas não pararam. Elas nunca paravam.
A mulher virou-se para o portal. A luz puxou seu braço para frente, como se pedisse o medalhão. Era agora. Era a última chance.
— Me ajuda… só mais uma vez — ela sussurrou.
A pedra respondeu com outro pulso intenso.
Ela encostou o medalhão na rachadura.
Um estrondo atravessou a clareira. A luz explodiu, empurrando tudo para longe. O portal se abriu completamente por um segundo — um único segundo — revelando a cidade do outro lado: torres escuras, céu manchado, soldados correndo.
E então começou a fechar.
A mulher caiu de joelhos. A energia drenava seu corpo como se arrancasse sua vida pela pele. Ela não soltou o medalhão.
Atrás dela, uma criatura gritou:
— A herdeira precisa cruzar!
— Ela não vai — a mulher respondeu, firme. — Nunca pela mão de vocês.
O portal fechava rápido. A luz diminuía. O tempo acabava.
Ela levou a mão ao ventre — uma barriga pequena, mas suficiente para lembrar a razão de tudo. Lá dentro, a criança se mexeu.
— Você vai viver — ela sussurrou. — Mesmo sem mim. Mesmo longe do seu mundo.
Um galho quebrou perto.
Alguém chegou.
Mas não era criatura.
Eram soldados — guerreiros do próprio reino dela. Armaduras prateadas, lanças de energia, máscaras escuras. Eles cercaram a clareira com passos firmes.
Na frente deles, veio o comandante. Alto, rígido, com olhos frios que brilhavam igual ao medalhão.
— Você desobedeceu o conselho — ele disse. — Abriu o portal sozinha. E tentou salvar a criança.
— Ela é minha filha — a mulher respondeu, sem medo.
— Ela é uma herdeira — o comandante rebateu. — E herdeiros pertencem ao reino.
Ela segurou o medalhão junto ao peito.
— Não enquanto eu viver.
O comandante ergueu a mão. A lâmina de luz se formou ao redor do punho.
— Você não deixa escolha.
A criança chutou dentro dela. A mulher fechou os olhos por um instante — um único segundo de despedida silenciosa.
Quando abriu de novo, olhou não para o comandante, mas para o garoto parado atrás dele.
Um menino de uns onze anos, olhos prateados idênticos aos dela, marca recém-gravada no pulso — símbolo de guardião. A expressão dele era assustada, mas firme.
Ela o reconheceu.
E ele a reconheceu.
— Kael… — ela chamou, com a voz fraca.
O garoto engoliu em seco. O comandante virou-se para ele por instinto, e foi nesse instante que a mulher falou:
— Quando ela despertar… proteja. Mesmo que precise mentir. Mesmo que precise ser duro. Mesmo que precise enfrentá-los. Proteja minha filha.
Kael apertou os punhos, o olhar tremendo.
O comandante avançou.
A mulher fez força. Toda que tinha. Encostou o medalhão no chão, bem no limite onde o portal fechava. A pedra brilhou mais uma vez — uma última vez.
A luz prateada engoliu tudo.
O portal se fechou com um estrondo tão forte que derrubou metade dos soldados.
Quando a poeira baixou, ela estava caída no centro da clareira.
Ainda respirava.
Por dois segundos.
Depois, não mais.
O medalhão sumira.
Os soldados se espalharam, desesperados. O comandante rugiu ordens. A clareira tremia, como se o mundo tivesse sentido a morte.
Kael ficou parado, olhando o corpo dela.
O comandante colocou a mão no ombro do garoto.
— Você viu onde o medalhão foi parar?
Kael fechou os olhos.
— Não — respondeu.
O comandante estreitou os olhos.
Kael manteve a voz firme:
— O portal fechou rápido demais. Não deu para ver nada.
Foi a primeira mentira do garoto.
Mas não seria a última.
Porque naquele instante, ele sabia:
A herdeira havia escapado.
E um dia, ele teria que buscá-la. Viva ou morta.







