Era madrugada quando Kieron chegou ao antigo hospital psiquiátrico de Ashmoor. O lugar havia sido desativado há sete anos, mas uma fonte nos documentos dizia que alguns internos da Casa Branca haviam sido transferidos para lá — discretamente, sem registros oficiais.
A névoa cobria o asfalto. O vento uivava como um aviso.
Kieron entrou com uma lanterna velha e a pasta preta embaixo do braço.
Os corredores estavam podres. Paredes descascadas.
Mas no fim do corredor esquerdo… uma luz fraca.
Uma sala com porta entreaberta.
Dentro dela, apenas uma cama metálica e uma figura sentada no chão.
Cabelos curtos, desgrenhados. Olhos fundos, que encararam Kieron como se o conhecessem há anos.
— Evelyn? — ele perguntou.
A figura o observou em silêncio.
Depois sorriu.
Mas o sorriso não era dela.
— Você é o rapaz dos mortos — disse a voz que saiu da boca dela. — O garoto que conversa com os que já partiram. O colecionador de histórias que não têm fim.
Kieron congelou. Não era Evelyn falando.
Era algo através dela.
— Ela está em algum lugar aqui dentro. Mas não sozinha — murmurou a voz. — Há um espelho dentro dela. E ele está trincando.
Evelyn se encolheu, segurando a cabeça. Como se brigasse com algo.
Nix sussurrou no ouvido de Kieron:
— Ela foi marcada... como eu. Mas com mais profundidade.
Há algo dentro dela que não quer ser lembrado.
Kieron se ajoelhou perto da garota.
— Evelyn… você me conhece? Você lembra da Nix?
Silêncio.
Então, lágrimas. Não dela — do espelho.
— Nix… correu. Mas eu fiquei.
Fiquei e vi.
Vi o que fizeram com os esquecidos.
Com os que “não cooperavam”.
Kieron respirou fundo.
— O que fizeram?
Evelyn tremeu. Depois, com voz infantil, sussurrou:
— Enterraram vivos… na ala espelhada.
Aquela que nunca aparece nos mapas.
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Kieron saiu dali com o coração pesado. Evelyn estava viva, mas quebrada.
E com ela, veio a certeza: o segredo da Casa Branca era maior do que ele podia imaginar.
Era um ritual.
Um experimento.
Um culto?
Nix chorava em silêncio dentro de sua consciência.
Evelyn apenas repetia, antes que ele saísse:
— A próxima é você.
Se chegar perto demais…
Eles quebram o espelho.
O relógio marcava 3h33 da manhã quando Kieron se postou diante dos portões da Casa Branca. A cidade dormia, mas ele estava desperto — e decidido.
Na mochila: lanterna, cópia das chaves de Miriam, um mapa alterado com anotações rabiscadas de Evelyn… e coragem instável.
Nix o acompanhava em silêncio, pairando como uma brisa fria que lhe acariciava a nuca.
— Você tem certeza? — ela sussurrou. — Se entrar… talvez não possa sair o mesmo.
Kieron não respondeu. A certeza já havia morrido dias atrás.
Agora era a necessidade que o movia.
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A entrada da ala espelhada não estava em nenhum plano oficial.
Mas Evelyn havia indicado: um alçapão atrás do antigo consultório 03-B, encoberto por uma estante falsa e camuflado com gesso novo.
Kieron encontrou.
Forçou. Rompeu. Desceu.
E o mundo mudou.
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A escada rangia como se gritasse por socorro.
Lá embaixo, o ar era denso, úmido, gelado. As paredes… espelhadas.
Mas não refletiam seu corpo.
Apenas fragmentos da própria memória.
— Mamãe… — murmurou ele, vendo o vulto da mãe falecida atrás do vidro.
— Você me deixou aqui… — disse outra imagem, a de um garoto jovem, corpo aberto sobre uma mesa — um dos doze.
Nix apareceu entre os reflexos, mas também distorcida.
— Esta não é apenas uma ala… É uma prisão para as verdades.
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O corredor levava a portas numeradas.
Cada uma, um eco.
Kieron abriu uma ao acaso.
Dentro, apenas uma maca… e uma criança de olhos negros.
Ele se aproximou. A criança o encarou.
— Você é o décimo terceiro, sabia? — ela disse. — O que eles nunca conseguiram apagar.
— O quê?
— A morte passou por você… e hesitou.
O frio se intensificou.
De repente, um alarme.
A porta atrás dele se trancou.
No espelho da sala, uma figura surgiu.
De sobretudo cinza. Chapéu cobrindo o rosto.
A mesma figura que havia deixado a pasta.
Ele se aproximou do vidro, de dentro do reflexo.
E sorriu.
— Você abriu a última porta, Kieron.
Agora… só resta quebrar o espelho.
E atrás da figura, dezenas de olhos brilhavam na escuridão.
Vultos que sussurravam:
— Traga de volta os nomes.
Traga de volta os nomes.
Traga de volta os nomes…