A Origem da Guerra ( flashback)
A sala de jantar da mansão Reed era ampla, silenciosa — e sufocada por formalidade. Os patriarcas, Richard Winters e Graham Reed, sentavam-se frente a frente como peças opostas num tabuleiro de xadrez. O silêncio era a regra. As taças de vinho, intocadas. Os queixos erguidos, como se ceder fosse humilhação. Charlotte, ao lado do pai, observava em silêncio. Conhecia bem aquela dinâmica: a tensão disfarçada de civilidade, o teatro antes da queda. Na outra ponta da mesa, Alexander — então apenas um jovem promissor nos negócios da família — também assistia. Ainda havia leveza nele. Algo que a ambição ainda não endurecera. Mas os olhos... aqueles olhos já sabiam o que queriam. — Vamos ser claros, Richard — disse Graham. — Não vamos permitir que assumam o controle da joint venture. Era um acordo de cooperação, não uma tomada hostil. — Hostil? — Richard arqueou as sobrancelhas. — O que é hostil é ceder tecnologia de ponta sem garantir retorno. Meus termos foram justos. — Foram uma ameaça velada — Graham rebateu. — E você usou sua filha como isca. Charlotte manteve o rosto impassível, mas a frase doeu. Não porque fosse verdade, mas porque ecoava antigos sussurros. Antes que ela reagisse, Richard falou: — Charlotte está aqui porque enxerga mais que metade dos seus diretores. Não cometa o erro de tratá-la como moeda. Silêncio. Denso. Alexander olhou para ela — e naquele instante, houve algo diferente. Empatia. Breve, quase imperceptível, mas real. Um momento antes da rivalidade, antes da política, antes da fratura. Mas aquela noite terminou mal. O acordo ruíra semanas depois. As famílias cortaram laços. A imprensa especulou traições. Charlotte sabia: foi ali que a guerra começou. Uma guerra que agora os obrigava a fingir que aquele jantar jamais existira. --- A cidade se estendia como uma tapeçaria de vidro além da janela. Charlotte, sozinha na sala de conferência menor, revisava relatórios com precisão cirúrgica. A fusão ainda era um campo minado. E amanhã, ela precisava dele ao lado. Alexander. Ela o odiava por ser necessário. Mas reconhecia sua força: presença magnética, voz certeira, olhos que dominavam salas. Ele era um risco. E uma arma. E Charlotte sabia usar armas. Enquanto folheava os papéis, a lembrança daquele jantar voltou. O olhar dele. Não com pena. Com respeito. Uma cumplicidade silenciosa entre dois herdeiros acorrentados às ambições dos pais. Agora estavam na linha de frente. Ela pegou o telefone. Hesitou. Depois, discou. — Winters — disse ele, ao atender. A voz rouca, ligeiramente surpresa. — Algo errado? — Preciso de você amanhã. Dois minutos. Apresente comigo. Você sabe dobrar investidores melhor que qualquer gráfico. Pausa. Um silêncio calculado. — Isso é um convite? — É uma exigência. Mas você pode fingir que teve escolha. Uma risada breve. — Ela lembra que jogamos do mesmo lado, às vezes. Charlotte quase sorriu. — Não se acostume, Reed. É só negócios. Mas quando desligou, sabia: não era só negócios. --- A sala estava cheia. Investidores, conselheiros, analistas. Todos esperando falhas. Esperando que dois herdeiros rivais não conseguissem dividir o mesmo trono. Charlotte entrou primeiro. Impecável. Blazer azul-marinho. Cabelo preso com precisão militar. Ela não sorria. Ela comandava. Alexander entrou segundos depois. Terno escuro, olhar confiante — e aquele brilho nos olhos que fazia salas se dobrarem. Mas hoje, seus olhos procuravam apenas uma pessoa. Ela não se virou. Mas soube. Charlotte iniciou a apresentação com precisão. Voz firme. Controle absoluto. Então passou o bastão: — E para falar do impacto internacional, convido meu... colega, Alexander Reed. A leve ênfase em “colega” não era sarcasmo. Era aviso. Alexander tomou o centro da sala. Quando passou por ela, seu braço roçou o dela. Não foi acidente. Ele falou com carisma contido. Humor cirúrgico. Pausas teatrais. Cada frase voltava para ela, num olhar discreto, intenso. Como se dissesse: Você quis isso. Estou aqui. Segure comigo. Ao final, aplausos. E... algo mais. Sorrisos trocados entre investidores. Um cochicho entre conselheiros. Eles tinham percebido. Não o toque. Não os olhares. A química. Perigosa. Visível. Incontrolável. Quando tudo terminou, Alexander aproximou-se por trás. — Você percebeu, não percebeu? Ela se virou, olhar firme. — Que estamos ganhando credibilidade juntos? Sim. — Que eles acham que tem algo mais? Ela hesitou. — Que pensem o que quiserem. Desde que não interfira. Ele sorriu. Dessa vez, não com provocação. Com promessa. — Ah, Winters... Você sabe: às vezes, o que os outros pensam muda tudo.