Mundo ficciónIniciar sesiónSou acordada pelo despertador. Como minha mãe disse que o chefe dela não tolera atrasos, decidi levantar bem cedo para me arrumar. Tomo um banho rápido e vou até o meu guarda-roupa procurar uma roupa adequada.
Como será uma entrevista, eu preciso impressionar o meu possível novo chefe. Pego uma saia social lápis, visto uma blusa social preta, faço uma maquiagem leve e prendo o cabelo. Estou tão ansiosa que nem consigo comer. Pego meu celular, saio de casa e chamo um Uber. Enquanto espero, minha mente me trai e me leva de volta àquela noite… aquele homem. Nunca imaginei fazer uma loucura daquelas. Eu perdi minha virgindade com um completo desconhecido — um homem que eu provavelmente nunca mais vou ver. E, sinceramente, espero que seja assim. Pelo carro e pelas roupas dele, dava para ver que era podre de rico. Ele jamais olharia para mim se soubesse onde eu moro ou conhecesse as minhas condições. Não que eu tenha vergonha disso — muito pelo contrário. Tenho orgulho. Minha mãe lutou muito para chegarmos até aqui, e eu sei que nada foi fácil para ela. É por isso que eu não aceito que ninguém nos humilhe. O carro para em frente a mim e embarco. O trajeto até a empresa do patrão da minha mãe me dá um frio na barriga. Eu já não gosto dele pelo modo como trata minha mãe, como se ela não tivesse família, como se fosse descartável. Mas, se eu for contratada, vou me esforçar. Quero ajudar minha mãe e tirá-la daquele lugar. — Chegamos no endereço — o motorista avisa. Pago, agradeço e desço. Fico parada por alguns segundos olhando para o enorme prédio espelhado. Respiro fundo. Eu preciso dar o meu melhor nessa entrevista. Tomo coragem e entro. Vou até a recepção, e a recepcionista me observa da cabeça aos pés como se já estivesse me avaliando. — Eu tenho uma entrevista hoje com o senhor William — digo. — Pode subir. Está acontecendo uma seleção no décimo segundo andar. O senhor William ainda não chegou, mas quem vai entrevistá-la enquanto isso é a secretária dele, que está para sair — ela responde. Agradeço com um aceno e sigo até o elevador. Meu coração está acelerado, batendo forte no peito. Aperto o botão do décimo segundo andar e fico observando meu reflexo nas portas de aço escovado. Tento ajeitar uma mecha de cabelo que insiste em escapar, mas minhas mãos estão trêmulas. Quando as portas se abrem, dou de cara com uma sala ampla, moderna, cheia de cadeiras organizadas em fila. Algumas garotas já estão sentadas, todas arrumadas, todas com a mesma expressão tensa. Caminho até uma cadeira vazia e me sento, passando as mãos pela saia para disfarçar a ansiedade. A porta de vidro ao lado se abre, e uma mulher alta aparece. Loira, postura impecável, salto fino e expressão séria. Ela parece medir cada detalhe do ambiente — e de nós. — Bom dia. Eu sou Helena, secretária do senhor William — ela anuncia, a voz firme. — Enquanto ele não chega, serei eu a conduzir a primeira parte da seleção. Espero que todas estejam preparadas. Ela olha diretamente para mim por alguns segundos. O olhar dela me atravessa, como se estivesse tentando descobrir se eu realmente pertenço àquele lugar. Engulo seco. — Cada uma será chamada individualmente. Quando ouvirem seus nomes, entrem na sala — ela finaliza e retorna para dentro. Meus dedos se apertam uns contra os outros. Minha mente insiste em voltar para aquela noite… aquela sensação… aquele homem desconhecido. Não. Concentra. Isso é importante. É sobre a mamãe. O tempo passa devagar, até que finalmente… — emma Santos — Helena chama. Meu estômago vira. Eu me levanto com as pernas bambas e caminho até a porta de vidro. — Entre — ela diz, abrindo espaço. A sala é elegante, cheira a café forte e madeira. Helena senta-se diante de mim com um tablet nas mãos. — Nome completo, idade e por que quer trabalhar aqui — ela começa sem rodeios, anotando algo em uma prancheta. — Eu tenho 19 anos e… — começo a responder, mas a porta se abre de repente, interrompendo minhas palavras. O som ecoa na sala silenciosa. A mulher ergue os olhos, visivelmente incomodada. — Senhor William, eu iniciei a entrevista sem o senhor, mas ela só fez a primeira fase. A segunda será com você — diz ela, olhando para alguém atrás de mim. Eu não me mexo. Não ouso virar o rosto. Sinto apenas uma presença forte atrás de mim, como se a temperatura da sala caísse alguns graus. Minha respiração prende por um instante, e permaneço ali, rígida, — Eu falei para você, Helena, que não seria necessário nada disso. Eu vou dar uma oportunidade para a filha da minha empregada. Eu prometi isso a ela. Só espero que a filha não seja um dragão — o senhor William comenta, me fazendo revirar os olhos. Que cara ridículo… e provavelmente está falando de mim. — Mas, senhor William, eu entrevistei candidatas excelentes para ocupar o meu lugar — Helena insiste, lançando um olhar rápido na minha direção. — Eu já falei, Helena. E você sabe que eu não gosto de ser contrariado — ele responde, firme. A voz dele ecoa pelo ambiente… familiar demais, mas eu não consigo lembrar de onde. — Ok, senhor. Pode se retirar, Emma — ela fala olhando para mim. Eu apenas aceno, pego minha bolsa, coloco-a no ombro e me levanto. Quando me viro para sair, fico completamente estática. Meu coração dispara, batendo tão forte que chega a doer no peito. Ele está ali. O patrão da minha mãe. O homem que eu passei semanas tentando esquecer… e falhando miseravelmente. Sinto meu rosto queimar no exato momento em que a lembrança me invade sem piedade: suas mãos, seu corpo colado ao meu, e — Deus — minha calcinha que ficou com ele aquela noite. O ar parece sumir dos meus pulmões. Eu preciso sair daqui, correr, desaparecer… mas minhas pernas simplesmente não obedecem. Estão pesadas, trêmulas, presas. E ele continua me olhando. Como se soubesse exatamente o efeito que causa em mim. Como se lembrasse de tudo o que aconteceu — Você — ele fala me encarando. O espanto está estampado no rosto dele, mas não mais do que no meu. — Por acaso você está me seguindo? — ele pergunta, com um tom que quase me faz rir de tão absurdo. Rio, sarcástica, cruzando os braços. — Era só o que me faltava… eu seguindo você — digo com ironia, balançando a cabeça. — Eu nem sequer sabia quem você era… e nem quero saber. Tomo coragem e caminho até a porta, determinada a sair dali o mais rápido possível. Mas quando estou prestes a alcançar a maçaneta, sinto uma mão firme agarrando meu braço. Paro na hora. O toque dele é quente. Forte demais. — Me fale o seu nome — ele ordena, me fazendo virar o rosto na direção dele. O olhar dele queima. O meu coração dispara. Nossos olhares se cruzam, e um arrepio percorre minha espinha. Meu estômago se revira. O toque dele provoca um choque quente que me arremessa de volta para aquela noite — a noite em que senti suas mãos grandes explorando cada curva do meu corpo, como se já fossem dele. Engulo seco. — Não é da sua conta — sussurro, puxando meu braço com força e escapando do toque dele. No lado de fora, finalmente consigo respirar. O ar parece voltar para meus pulmões aos poucos, como se tivesse ficado presa lá dentro. Eu não posso trabalhar para o chefe da minha mãe. Não depois de descobrir que o homem desconhecido… é ele. Agora sim minha mãe vai me matar. — Como é o nome dessa garota que acabou de sair? — ouço a voz dele perguntar atrás da porta. Congelo por um segundo. — O nome dela é Emma Santos, senhor — responde a recepcionista. Meu coração salta para a garganta. Assim que escuto, disparo corredor afora. Eu não posso trabalhar nesse lugar. Não depois de tudo. Chego em frente ao elevador e aperto o botão repetidas vezes, como se isso fosse fazê-lo chegar mais rápido. Mas ele ainda está no quinto andar. Droga. Droga. Meu celular toca dentro da bolsa. O som me assusta. Meus dedos tremem enquanto puxo o aparelho. Quando vejo o nome na tela — MÃE — meu estômago desce. Atendo, tentando desesperadamente disfarçar o caos dentro de mim. — Oi, mãe — digo, forçando a respiração a voltar ao normal, mas minha voz sai trêmula mesmo assim. — Onde você está, filha? O senhor William ligou pra mim perguntando seu nome — minha mãe diz, aflita. Assim que ela fala isso, ouço uma porta se abrir atrás de mim. Meu coração dispara. — Eu tô indo pra casa… quando eu chegar eu explico — respondo rápido, sentindo o sangue pulsar nos ouvidos quando escuto passos firmes se aproximando. Não espero ela responder. Encerro a ligação no mesmo segundo. O elevador finalmente chega ao décimo quinto andar — e as portas se abrem. Um homem sai de dentro. Ele me olha de cima a baixo, sobrancelha arqueada, como se estivesse avaliando alguma coisa. Eu o reconheço na hora. Ele estava com o senhor William naquela noite na boate. Ele viu tudo. Ele sabia quem eu era antes mesmo de eu entrar nessa empresa. Meu estômago vira. — Essa é aquela garota? — ele pergunta, olhando por cima do meu ombro para alguém que está atrás de mim. Sinto o ar ficar pesado. Meu rosto queima. A vergonha me engole inteira. Porque naquela noite — naquela maldita noite — eu me ofereci para ele. Eu beijei o William primeiro. Eu praticamente implorei para que ele me levasse para cama. E agora… ele é o chefe da minha mãe. E, pior ainda, o meu novo chefe. — Ela é filha da Raquel — William diz sem desviar os olhos dos meus — e minha nova secretária. Meu sangue gela. Eu me viro para ele tão rápido que quase perco o equilíbrio. — O quê?! — minha voz sai falhada, incrédula. William cruza os braços, o maxilar travado, o olhar queimando no meu. Ele parece estar me estudando. Lembrando da forma como minhas mãos puxaram seu cabelo… De como minhas pernas se abriram para ele sem hesitação… E agora me olha como se fosse impossível reconciliar aquelas duas versões de mim. — Você me ouviu — ele responde, firme. — — A partir de hoje, você trabalha para mim.






