O vestido preto que Isabella usava era simples demais para a grandiosidade da sala. O tecido leve roçava suas pernas trêmulas enquanto ela se encolhia em uma das poltronas luxuosas, sentindo o coração bater alto demais para seu pequeno peito suportar.
A mansão Castellani exalava opulência fria. Nada ali parecia acolhedor. Nem mesmo as flores brancas espalhadas em vasos de cristal conseguiam suavizar a atmosfera de poder e opulência. Era como estar dentro de uma catedral construída para adorar o sucesso e a ambição, duas coisas que, agora, não significavam nada para ela.
Isabella apertou os dedos em seu colo, sentindo suas cicatrizes recém-formadas. O cheiro de antisséptico parecia impregnar sua pele, apesar de já ter deixado o hospital. Ela era uma sombra do que fora, e sabia disso.
Aos dezoito anos, Isabella Bianchi havia perdido tudo. Seus pais, sua casa e seu futuro. Restava apenas um contrato assinado anos atrás, um acordo que lhe dava um novo sobrenome, mas não garantia nada além disso.
A porta dupla se abriu com um rangido seco. Ela ergueu o olhar a tempo de ver Romeu Castellani entrar, impecável em seu terno escuro, com a expressão de alguém que estava ali apenas por obrigação.
Romeu não pertencia oficialmente à máfia. Era um magnata, um CEO bilionário, respeitado no mundo dos negócios. Mas seu padrinho, um dos mais antigos e temidos líderes da família mafiosa, a quem Romeu chamava de "Vovô", era o elo invisível que o mantinha preso àquela teia de promessas e lealdade. E foi esse elo que agora o obrigava a cumprir o contrato.
Ele parou diante dela, mantendo uma distância calculada.
— Isabella — disse, a voz cortante como vidro.
Ela tentou sorrir, mas seus lábios trêmulos mal se moveram.
— Senhor Castellani — respondeu num sussurro.
Ele franziu levemente a testa.
— Somos marido e mulher agora. — As palavras pairaram no ar, vazias de significado.
O casamento havia acontecido dois meses antes, no quarto frio de um hospital. Apenas assinaturas apressadas e testemunhas indiferentes. Uma cerimônia feita para selar um dever, não um sentimento.
— Quero deixar algumas coisas claras — Romeu continuou, os olhos frios como aço. — Eu cuidei do seu tratamento. Pagarei sua reabilitação. Você terá tudo que precisar... financeiramente. Creio que imagine que a família e o vovô cuidarão dos bens de sua família até completar vinte e um anos.
Ela ouviu cada palavra como se fossem punhais. Tudo que precisar. Tudo, menos ele.
— Sim, eu imaginei, obrigada — murmurou.
Romeu desviou o olhar, como se a mera visão dela fosse desconfortável.
— Vovô exige que você esteja sob minha proteção — disse ele. — Mas não precisa esperar mais do que isso.
Isabella mordeu o lábio inferior, sentindo o gosto amargo da humilhação. Ela não esperava amor, não mais. Mas o desprezo silencioso era como ácido derramado sobre suas feridas ainda abertas.
— Entendo — respondeu, com uma dignidade que ela mesma não sabia de onde tirava.
Por um instante, um lampejo de algo, pena, talvez, atravessou o rosto de Romeu. Mas desapareceu rápido demais para que ela pudesse se agarrar a isso.
Ele deu meia-volta.
— Você vai ficar em um dos quartos de hóspedes. Terá enfermeiras e fisioterapeutas à disposição. Não interfira nos meus assuntos, Isabella. — Ele hesitou antes de acrescentar, numa voz mais baixa: — E tente não esperar o que eu não posso oferecer.
A porta se fechou atrás dele com um clique suave. Isabella ficou sozinha na imensa sala dourada, sentindo a solidão pesar como uma segunda pele.
Não havia mais volta, ela era a Sra. Castellani. Uma esposa de nome, uma obrigação. Um pedaço de uma promessa feita entre homens que escolheram seu futuro. Isabella respirou fundo, sentindo a dor nas costelas ainda frágeis, a perna latejando sob a calça larga. Mas a dor física era suportável. O que a consumia por dentro era a morte silenciosa dos sonhos de menina, aqueles que, um dia, ingenuamente, imaginaram que Romeu Castellani poderia olhar para ela com algo que se parecesse com amor.
Ela ergueu o queixo. Se era assim que seria, então aprenderia a sobreviver nesse novo mundo, sozinha.
Três anos depois...Isabella observava a própria imagem no espelho com uma mistura de dor e determinação. Três anos haviam se passado desde o acidente que a deixara marcada, não apenas na pele, mas na alma. A mulher que refletia para ela não era a mesma que se olhava anos atrás, cheia de sonhos e esperanças. Não. Ela era uma versão mais dura, forjada pela dor, pelas perdas e pelo abandono.As cicatrizes, embora mais curadas, ainda estavam lá. Aquelas marcas eram testemunhas do seu sofrimento, e a cada dia, ela as aceitava mais como parte de quem era. Não podia mais lutar contra elas. Mas, no fundo, o que mais doía não era a perda da sua perna ou as marcas visíveis. Era o fato de Romeu nunca tê-la olhado de verdade. Ele, que devia ser seu marido, seu parceiro, sempre se manteve distante. Durante todo o tempo em que esteve com ela, ele nunca a amou. Nunca a quis.Isabella respirou fundo, sentindo uma onda de coragem tomar conta dela. Hoje seria diferente. Ela não seria mais a mulher qu
Isabella deixou o escritório de forma intepestiva, tomada pela raiva, tropeçou na escada e caiu. Romeu que ja saia do escritório atras dela correu e chegou a tempo de segurá-la. Isabella recusou sua ajuda, e o afastou abruptamente. Chorou silenciosamente com amargura e subiu as escadas com dificuldade. Se arrastou de volta ao quarto, a bengala batendo no chão a cada passo irregular.A dor física era um incômodo constante, mas nada se comparava ao vazio que corroía seu peito.Ela não era tola, sabia como as pessoas a viam agora. Deformada, destruída, uma sombra da menina que fora um dia. Sua perna manca, a pele marcada... um lembrete vivo de que a vida lhe havia sido tirada de forma cruel e definitiva. E, de uma forma ainda mais dolorosa, sabia que Romeu jamais a desejara e jamais a desejaria. Ele a havia tolerado, sim, por obrigação, mas amor... aquele tipo de amor que ela sempre imaginara, não existia mais.Mal entrou no quarto e ouviu as batidas fortes na porta. Antes que pudesse
Isabella segurava o telefone com mãos trêmulas. Respirou fundo antes de discar o número do avô. Ele atendeu no segundo toque, como se já esperasse por ela.— Isabella? Está tudo bem, bambina?Ela fechou os olhos, sentindo o calor das lágrimas ameaçando subir. Não era hora para fraquezas.— Nonno... eu só liguei para avisar que tomei uma decisão. Vou me divorciar de Romeu.O silêncio do outro lado foi absoluto. Um silêncio que pesava como chumbo.— Pode me explicar o que está acontecendo? — perguntou o velho, em voz neutra, quase cortante.Isabella apertou o telefone com mais força.— Não deu certo, nonno. Nós... nunca nos aproximamos de verdade. Eu quero refazer minha vida, mereço ser feliz.Um som baixo, quase um grunhido, escapou do avô. Mas ele não discutiu. Não gritou.— Entendo — disse por fim, frio como o mármore. — Se é isso que deseja, Isabella, terá meu apoio.Ela soltou um suspiro tremido, agradecida. Mas a ligação não terminou aí.— Agora, me faça um favor — continuou ele,
O leve bater na porta fez Isabella se sobressaltar. Era Romeu que a chamava. Desde que se mudara para o quarto de hóspedes logo após o casamento, ele raramente a chamava. Ela franziu o cenho, largando o livro que mal lia. Era estranho ele procurar por ela agora. Só podia ser algo referente ao divorcio. — Pode entrar — disse, cautelosa.Romeu abriu a porta com cuidado. Estava de jeans escuro, camisa dobrada nos antebraços e aquele olhar que ela conhecia bem, mas que, estranhamente, parecia diferente naquela noite.— O que você quer? — ela perguntou de imediato, desconfiada.Ele hesitou por um segundo antes de avançar dois passos para dentro do quarto. Manteve uma distância respeitosa.— Vim conversar. Precisamos ponderar sobre algumas coisas, talvez tenhamos nos precipitado. — A voz dele soou estranhamente calma.Isabella ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços.— Está bêbado?Romeu soltou uma risada curta, como se tivesse esperado aquela pergunta.— Não. Só... pensando melhor nas
No escritório, Romeu bebia uma dose de uísque em silêncio. A bebida descia queimando, mas não era suficiente para apagar o gosto amargo da encrenca em que estava metido. Levar aquilo adiante... realmente valia a pena?Suspirou, jogando-se pesadamente na poltrona. Passou as mãos pelo rosto, cansado.Allegra. Allegra era maravilhosa! Cheia de vida, descomplicada, sensual. Com ela, tudo era simples: prazer, risadas, calor. Pensar em abrir mão da amante o incomodava mais do que queria admitir. Não apenas pelo sexo, mas porque Allegra fazia ele se sentir vivo. E agora, tinha que olhar para Isabella...Romeu esfregou a nuca, irritado consigo mesmo. Não era cego, sabia que Isabella era uma mulher bonita. Tinha aquela beleza natural, delicada, quase tímida. Mas faltava algo, faltava brilho.Estava acostumado com mulheres que sabiam o que queriam e sabiam como conseguir. Isabella parecia viver num mundo à parte. Jovem demais, ingênua demais e sem graça demais.Romeu virou mais um gole do uísq
Romeu nunca foi de hesitar, mas naquela tarde, ao fechar a porta do apartamento de solteiro no centro da cidade, sentiu-se vacilar. Como se estivesse prestes a fazer algo que deveria ter feito há muito tempo, mas ao mesmo tempo nunca se sentiu minimamente impelido a fazer. Não voltaria para ali tão cedo, pois para que o plano de conquistar Isabella desse certo, a mansão deveria ser novamente seu lar em tempo integral.Sem olhar para trás, Romeu atravessou a cidade até o prédio de Allegra. Aquela seria uma conversa difícil, ele não queria ter que terminar, mas se ia tentar para valer com Isabella, aquele era o único caminho possível. Ela o recebeu com um sorriso insinuante, trajando um vestido leve demais para o clima da estação. Bastou um olhar para saber que ela não entenderia suas palavras sem lutar.— O que houve, amore? — ela perguntou, jogando os braços ao redor do pescoço dele.Romeu afastou-a com delicadeza, mas com firmeza.— Allegra — disse, a voz fria como aço —, isso acabou.
— Isabella — chamou, a voz baixa e carregada de irritação mal contida. — Preciso falar com você. Agora.Ela se virou, surpresa pela abordagem brusca, sentindo o clima pesar de repente. Lorenzo, notando a mudança imediata no ar, sorriu de forma educada, mas desconfortável.— Foi um prazer conhecê-la, Isabella. Espero vê-la por aí — disse, lançando um olhar breve para Romeu antes de se afastar.Assim que ficaram a sós, Romeu cruzou os braços e a encarou com uma intensidade sufocante.— Quem é esse? — perguntou, sem rodeios, a voz cortante como navalha.Isabella piscou, atordoada com a agressividade.— Um vizinho — respondeu, tentando manter a calma. — Ele só estava se apresentando.— Se apresentando? — Romeu bufou, descrente. — E você já estava aí, rindo e trocando confidências?Ela estreitou os olhos.— Era só uma conversa. Nada além disso.— Conversa demais pro meu gosto — murmurou ele, olhando na direção onde Lorenzo desaparecera.— Desde quando você fiscaliza com quem eu falo? — retr
Ele não dormiu naquela noite, após rolar na cama, levantou-se e foi sentar na varanda da mansão, encarando o jardim vazio, onde a discussão com Isabella ainda parecia ecoar entre as flores. Cada palavra dela pesava como uma pedra em seu peito.Ela estava certa, ele nunca teve coragem de vê-la como uma opção aceitável, muito menos de amá-la do jeito que ela merecia. Primeiro porque ela era muito nova e depois porque se tornou um fardo, fardo esse que ele não queria. Mas agora... agora ele precisava fazer alguma coisa. Já tinha trinta e cinco anos, era hora de se estabelecer seriamente. No início da manhã, sem se permitir pensar demais, Romeu atravessou a casa e parou diante da porta do quarto dela. Bateu uma vez, o som seco ecoando no corredor silencioso.— Isabella, podemos conversar?Houve um momento de silêncio, um momento que pareceu durar uma eternidade antes da porta se abrir. Ela estava lá, com o rosto cansado e os olhos ainda inchados pelo sono e o choro da noite anterior. Isab