O som do motor ecoava abafado sob a chuva intensa. Dentro do carro blindado, Isabella Bianchi mantinha os olhos presos à janela, assistindo às gotas se misturarem como lágrimas contra o vidro. A viagem parecia interminável, mas ela sabia que logo chegariam à mansão. A festa de seus dezoito anos estava a apenas algumas horas de distância, uma celebração que ela mesma não havia pedido, organizada com pompa e rigidez por seu pai.
Tudo em sua vida tinha sido assim: planejado, decidido, selado com o peso da tradição e do poder. Desde pequena, Isabella ouvira sussurros sobre seu futuro, sobre o contrato. Sobre o homem que seria seu marido, Romeu Castellani. Um nome que ela aprendeu a respeitar antes mesmo de conhecer. Um CEO bilionário, apadrinhado pelo patriarca da família mafiosa, o mesmo homem a quem Isabella, inocente, chamava de nonno em sua infância.
Para Romeu, ela nunca foi mais que uma promessa feita por terceiros. Uma aliança selada por interesses maiores. E, embora não estivesse diretamente envolvido nos negócios sujos da família, ele era intocável, protegido pela rede invisível de poder que mantinha a todos sob controle.
Isabella suspirou, apertando os dedos finos contra o tecido do vestido. O carro virou uma esquina quando o inesperado aconteceu. Um clarão, depois o estrondo ensurdecedor de um impacto.
O mundo girou em desordem.
O carro capotou, aço retorcido misturando-se a gritos abafados. Isabella sentiu o corpo ser lançado contra o cinto de segurança, o vidro explodindo em estilhaços. A dor foi imediata, cortante, impossível de entender. Por um momento, ela pensou ter morrido. Mas então veio o silêncio. Um silêncio pesado, cruel.
Isabella piscou lentamente, o gosto metálico do sangue preenchendo sua boca. Sua visão turva buscou desesperadamente por seus pais, mas tudo o que encontrou foi o vulto imóvel de seu pai no banco da frente... e a certeza amarga:
Estava sozinha.
O hospital cheirava a éter e morte. Dias, semanas se passaram e Isabella perdeu a noção do tempo, presa a um leito frio, o corpo coberto por bandagens, a alma vazia. Ela sobreviveu. Era o que todos repetiam, como se aquilo fosse algum tipo de consolo. Mas sobreviver tinha um preço.
Cicatrizes profundas cruzavam sua barriga e perna esquerda, lembranças eternas do acidente. Ela mancaria pelo resto da vida, disseram. E não havia ninguém para segurá-la enquanto chorava. Nenhuma mãe e nenhum pai. Nenhum futuro.
Até que Romeu apareceu. Ele entrou em seu quarto como uma tempestade contida, trazendo consigo o cheiro da chuva e do poder. Isabella, frágil sob os lençóis, ergueu os olhos para o homem que, até então, era apenas um nome distante em sua vida. Ele era bonito, mas frio e indiferente. E não parecia nem um pouco feliz em vê-la.
— Isabella. — Sua voz cortou o ar, grave e sem emoção. — Viemos formalizar o casamento.
A jovem piscou, confusa. Sua cabeça latejava. Ainda era efeito da medicação ou aquilo era real?
— O quê? — sussurrou, a voz falhando.
Romeu cruzou os braços, o olhar sombrio e implacável.
— O avô... — ele usou o termo como se lhe pesasse na boca — insistiu. O contrato de noivado permanece. Seus pais estão mortos e você está sozinha. E eu... — Romeu hesitou por um breve instante, a mandíbula travando — ...não tenho escolha.
Cada palavra era uma lâmina rasgando Isabella de dentro para fora. Não havia amor, nem compaixão. Apenas a obrigação e a conveniência. O cumprimento de um pacto antigo que a transformava em mais uma moeda de troca.
Naquela mesma tarde, no próprio hospital, Isabella Bianchi casou-se com Romeu Castellani.
Sem flores, sem vestido branco e sem votos sinceros. Apenas assinaturas rabiscadas em um papel e um anel frio deslizando em seu dedo trêmulo.
Durante os meses seguintes, Romeu financiou seu tratamento com uma generosidade mecânica, como quem paga uma dívida desagradável. Cirurgias. Fisioterapia. Reabilitação. Cada progresso de Isabella era testemunhado por médicos e enfermeiros.
Nunca por ele.
Romeu raramente a visitava.
Quando o fazia, sua presença parecia apenas aumentar o frio que já a envolvia.
No dia em que teve alta, Isabella foi levada para a mansão dele, um lugar tão luxuoso quanto frio. Romeu a instalou em um quarto de hóspedes, longe da suíte principal.
Nenhuma promessa de felicidade foi feita. Nenhuma palavra de carinho foi dita.
A jovem que havia sonhado em amar e ser amada agora conhecia a realidade cruel de seu destino: ela era uma esposa em nome apenas, prisioneira de um acordo que a obrigava a viver ao lado de um homem que jamais a desejou.
E assim começava sua nova vida, não como uma princesa da máfia, mas como um espectro esquecido no palácio do seu próprio pesadelo.
O vestido preto que Isabella usava era simples demais para a grandiosidade da sala. O tecido leve roçava suas pernas trêmulas enquanto ela se encolhia em uma das poltronas luxuosas, sentindo o coração bater alto demais para seu pequeno peito suportar.A mansão Castellani exalava opulência fria. Nada ali parecia acolhedor. Nem mesmo as flores brancas espalhadas em vasos de cristal conseguiam suavizar a atmosfera de poder e opulência. Era como estar dentro de uma catedral construída para adorar o sucesso e a ambição, duas coisas que, agora, não significavam nada para ela.Isabella apertou os dedos em seu colo, sentindo suas cicatrizes recém-formadas. O cheiro de antisséptico parecia impregnar sua pele, apesar de já ter deixado o hospital. Ela era uma sombra do que fora, e sabia disso.Aos dezoito anos, Isabella Bianchi havia perdido tudo. Seus pais, sua casa e seu futuro. Restava apenas um contrato assinado anos atrás, um acordo que lhe dava um novo sobrenome, mas não garantia nada além
Três anos depois...Isabella observava a própria imagem no espelho com uma mistura de dor e determinação. Três anos haviam se passado desde o acidente que a deixara marcada, não apenas na pele, mas na alma. A mulher que refletia para ela não era a mesma que se olhava anos atrás, cheia de sonhos e esperanças. Não. Ela era uma versão mais dura, forjada pela dor, pelas perdas e pelo abandono.As cicatrizes, embora mais curadas, ainda estavam lá. Aquelas marcas eram testemunhas do seu sofrimento, e a cada dia, ela as aceitava mais como parte de quem era. Não podia mais lutar contra elas. Mas, no fundo, o que mais doía não era a perda da sua perna ou as marcas visíveis. Era o fato de Romeu nunca tê-la olhado de verdade. Ele, que devia ser seu marido, seu parceiro, sempre se manteve distante. Durante todo o tempo em que esteve com ela, ele nunca a amou. Nunca a quis.Isabella respirou fundo, sentindo uma onda de coragem tomar conta dela. Hoje seria diferente. Ela não seria mais a mulher qu
Isabella deixou o escritório de forma intepestiva, tomada pela raiva, tropeçou na escada e caiu. Romeu que ja saia do escritório atras dela correu e chegou a tempo de segurá-la. Isabella recusou sua ajuda, e o afastou abruptamente. Chorou silenciosamente com amargura e subiu as escadas com dificuldade. Se arrastou de volta ao quarto, a bengala batendo no chão a cada passo irregular.A dor física era um incômodo constante, mas nada se comparava ao vazio que corroía seu peito.Ela não era tola, sabia como as pessoas a viam agora. Deformada, destruída, uma sombra da menina que fora um dia. Sua perna manca, a pele marcada... um lembrete vivo de que a vida lhe havia sido tirada de forma cruel e definitiva. E, de uma forma ainda mais dolorosa, sabia que Romeu jamais a desejara e jamais a desejaria. Ele a havia tolerado, sim, por obrigação, mas amor... aquele tipo de amor que ela sempre imaginara, não existia mais.Mal entrou no quarto e ouviu as batidas fortes na porta. Antes que pudesse
Isabella segurava o telefone com mãos trêmulas. Respirou fundo antes de discar o número do avô. Ele atendeu no segundo toque, como se já esperasse por ela.— Isabella? Está tudo bem, bambina?Ela fechou os olhos, sentindo o calor das lágrimas ameaçando subir. Não era hora para fraquezas.— Nonno... eu só liguei para avisar que tomei uma decisão. Vou me divorciar de Romeu.O silêncio do outro lado foi absoluto. Um silêncio que pesava como chumbo.— Pode me explicar o que está acontecendo? — perguntou o velho, em voz neutra, quase cortante.Isabella apertou o telefone com mais força.— Não deu certo, nonno. Nós... nunca nos aproximamos de verdade. Eu quero refazer minha vida, mereço ser feliz.Um som baixo, quase um grunhido, escapou do avô. Mas ele não discutiu. Não gritou.— Entendo — disse por fim, frio como o mármore. — Se é isso que deseja, Isabella, terá meu apoio.Ela soltou um suspiro tremido, agradecida. Mas a ligação não terminou aí.— Agora, me faça um favor — continuou ele,
O leve bater na porta fez Isabella se sobressaltar. Era Romeu que a chamava. Desde que se mudara para o quarto de hóspedes logo após o casamento, ele raramente a chamava. Ela franziu o cenho, largando o livro que mal lia. Era estranho ele procurar por ela agora. Só podia ser algo referente ao divorcio. — Pode entrar — disse, cautelosa.Romeu abriu a porta com cuidado. Estava de jeans escuro, camisa dobrada nos antebraços e aquele olhar que ela conhecia bem, mas que, estranhamente, parecia diferente naquela noite.— O que você quer? — ela perguntou de imediato, desconfiada.Ele hesitou por um segundo antes de avançar dois passos para dentro do quarto. Manteve uma distância respeitosa.— Vim conversar. Precisamos ponderar sobre algumas coisas, talvez tenhamos nos precipitado. — A voz dele soou estranhamente calma.Isabella ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços.— Está bêbado?Romeu soltou uma risada curta, como se tivesse esperado aquela pergunta.— Não. Só... pensando melhor nas
No escritório, Romeu bebia uma dose de uísque em silêncio. A bebida descia queimando, mas não era suficiente para apagar o gosto amargo da encrenca em que estava metido. Levar aquilo adiante... realmente valia a pena?Suspirou, jogando-se pesadamente na poltrona. Passou as mãos pelo rosto, cansado.Allegra. Allegra era maravilhosa! Cheia de vida, descomplicada, sensual. Com ela, tudo era simples: prazer, risadas, calor. Pensar em abrir mão da amante o incomodava mais do que queria admitir. Não apenas pelo sexo, mas porque Allegra fazia ele se sentir vivo. E agora, tinha que olhar para Isabella...Romeu esfregou a nuca, irritado consigo mesmo. Não era cego, sabia que Isabella era uma mulher bonita. Tinha aquela beleza natural, delicada, quase tímida. Mas faltava algo, faltava brilho.Estava acostumado com mulheres que sabiam o que queriam e sabiam como conseguir. Isabella parecia viver num mundo à parte. Jovem demais, ingênua demais e sem graça demais.Romeu virou mais um gole do uísq
Romeu nunca foi de hesitar, mas naquela tarde, ao fechar a porta do apartamento de solteiro no centro da cidade, sentiu-se vacilar. Como se estivesse prestes a fazer algo que deveria ter feito há muito tempo, mas ao mesmo tempo nunca se sentiu minimamente impelido a fazer. Não voltaria para ali tão cedo, pois para que o plano de conquistar Isabella desse certo, a mansão deveria ser novamente seu lar em tempo integral.Sem olhar para trás, Romeu atravessou a cidade até o prédio de Allegra. Aquela seria uma conversa difícil, ele não queria ter que terminar, mas se ia tentar para valer com Isabella, aquele era o único caminho possível. Ela o recebeu com um sorriso insinuante, trajando um vestido leve demais para o clima da estação. Bastou um olhar para saber que ela não entenderia suas palavras sem lutar.— O que houve, amore? — ela perguntou, jogando os braços ao redor do pescoço dele.Romeu afastou-a com delicadeza, mas com firmeza.— Allegra — disse, a voz fria como aço —, isso acabou.
— Isabella — chamou, a voz baixa e carregada de irritação mal contida. — Preciso falar com você. Agora.Ela se virou, surpresa pela abordagem brusca, sentindo o clima pesar de repente. Lorenzo, notando a mudança imediata no ar, sorriu de forma educada, mas desconfortável.— Foi um prazer conhecê-la, Isabella. Espero vê-la por aí — disse, lançando um olhar breve para Romeu antes de se afastar.Assim que ficaram a sós, Romeu cruzou os braços e a encarou com uma intensidade sufocante.— Quem é esse? — perguntou, sem rodeios, a voz cortante como navalha.Isabella piscou, atordoada com a agressividade.— Um vizinho — respondeu, tentando manter a calma. — Ele só estava se apresentando.— Se apresentando? — Romeu bufou, descrente. — E você já estava aí, rindo e trocando confidências?Ela estreitou os olhos.— Era só uma conversa. Nada além disso.— Conversa demais pro meu gosto — murmurou ele, olhando na direção onde Lorenzo desaparecera.— Desde quando você fiscaliza com quem eu falo? — retr