MIA
A água quente escorria pelos meus ombros, carregando o sal das lágrimas que já não conseguiam mais cair. Era estranho como o corpo às vezes se cansava até de sofrer. Fechei os olhos, deixando o vapor embaçar tudo ao redor. E foi nesse embaço que vieram as lembranças — nítidas, como se a água abrisse janelas no tempo.
O chuveiro antigo da nossa casa rangia antes de funcionar. Às vezes, precisava de um tapinha com a toalha enrolada pra esquentar de verdade. A pressão era fraca, o azulejo descascado, e o espelho vivia com manchas do tempo. Mas era o nosso lar. A casa pequena no fim da rua poeirenta, com grama seca e uma cerca que sempre pendia de um lado. E era lá que meu pai — meu pai de verdade, não aquele homem que sumiu num mar de segredos — me ensinava a consertar coisas com fita isolante e teimosia.
— Se você esconder algo, Mia — ele dizia. — Escolha um lugar onde ninguém vá procurar. Mas nunca onde você mesma possa esquecer.
E foi aí que a pergunta latejou dentro de mim:
Onde