Capítulo 3 - Feridas que não saram

O sol espreitava no horizonte anunciando um novo dia em um bairro que distava ha quase 50 quilómetros da grande cidade. Mas há várias horas que naquele lugar  já se via uma grande movimentação de pessoas , indo e vindo, cuidando dos seus afazeres.

Em uma residência, próxima a rua em que circulavam os autocarros que transportavam os morados de e para a cidade, o dia havia começado de forma inesperada.

Uma chamada a meio da madrugada trouxe noticias mórbidas. E depois do choque e da dor acompanhada de lágrimas e angustia, já se notava alguma calma. Claro, que nem todos naquela residência partilhavam dos mesmos sentimentos.

Alexandre, o homem da casa, que estava a horas tentando acalmar sua esposa, começava a perder a paciência.

- Érica, fique calma. Desse jeito vais acordar as crianças.-  Ele reclama, não conseguido mais conter as palavras que lutavam para sair há mais de meia hora.

A mulher, ainda aos soluços levanta o rosto e o encara.

- Como queres que fique calma depois de receber tal noticia? Como vou dizer ao Júnior que o pai morreu? - Ela falou em meio a soluços.

- Por isso deves ficar calma. Não podes ir falar com o miúdo nesse estado. Tens de ser forte por ele.-  Alexandre fala novamente fingindo conter os demónios em sua mente que o atormentam.

Ela limpa as lágrimas do rosto e funga, engolindo o choro.

Alexandre levanta-se e vai até a janela e com os dois braços ,  afasta as cortinas pesadas de cor verde azeitona da sua frente. Olha para o sol ainda baixo e solta um longo suspiro.

- Eu preciso preparar-me para ir trabalhar. Mas queria sair daqui tendo certeza que estás em condições de fazer o que deve ser feito. 

- Estou melhor. Podes ir descansado.-  Érica sussurra.

Alexandre virou-se lentamente e viu a mulher que amava com o rosto inchado, os olhos fundos e marcados por olheiras profundas — sinais claros de uma hora interminável de lágrimas derramadas por outro homem. Já se passaram mais de dez anos desde que Érica e ele decidiram ficar juntos. Ele sabia que ela saía de uma relação que a havia destruído, mas estava disposto a recolher cada fragmento daquele coração partido e reconstruí-lo com paciência e amor. Seu sentimento por ela o fazia acreditar que isso seria possível.

No entanto, a presença constante do ex-marido de Érica, André, com quem compartilhava um filho, sempre foi uma sombra difícil de dissipar. Mesmo após uma década, o ciúme que Alexandre sentia nunca o abandonou completamente. Se deixasse seu coração falar, Érica certamente o odiaria. A verdade, porém, era outra: ao receber a notícia da morte de André, tudo o que sentiu foi um alívio profundo. Mas esse alívio logo deu lugar ao ciúme habitual, quando viu Érica desmoronar diante de seus olhos, seu rosto inundado por lágrimas.

Naquele instante, uma certeza que sempre o assombrou finalmente se revelou — Érica ainda amava André. A dor dessa verdade o torturava, transformando-o em um monstro interior, despertando um lado sombrio que ele sempre escondeu do mundo e, principalmente, do amor da sua vida.

- Tens certeza?- Ele questionou, afastando da sua mente os pensamentos sombrios que cada vez mais ocupavam espaço.

- Sim. Preciso me arrumar e estar pronta para acompanhar o júnior para casa do pai.

- Como assim?-  Alexandre não compreendia porquê ela precisava ir lá. 

Júnior já tinha dezoito anos e Alexandre entendia que ele podia muito bem estar com o resto da família de seu pai sem precisar da mãe a segura-lo ao colo. 

- É meu filho. Como esperas que eu o deixe sozinho num momento como este? 

- Eu acho que estás a ir um pouco longe demais com este assunto, Érica.- Alexandre protesta, sua paciência por um fio.

- Longe demais??-  Ela fala em um tom desafiador o que só irrita mais Alexandre.

- Eu só acho que podias fingir melhor que eu sou seu marido e o outro é apenas o pai do seu filho.-  Ele deixa seu ciúme falar sem medir as consequências.

Érica arregala seus olhos, em choque.

- Não é o momento para os teus ataques de ciúmes sem sentido, Alex.

- Sem sentido?-  Ele solta um riso nervoso e encurta a distancia que havia entre eles.

Érica levanta da cama para ficar ao mesmo nível e por alguns instantes nenhuma palavra é proferida. Alexandre afasta-se depois e caminha até a porta. Segura na maçaneta e quando ia abrir a voz de Érica, chamando-o, o faz parar. Ele não vira, com medo de olhar nos olhos dela e perceber a verdade estampada neles.

- Eu preciso acompanhar o Júnior. Por favor, não o quero fazer sem que concordes. Não torne isto mais difícil do que já é.- Érica fala com mais calma e quase em tom de súplica.

- Se quiseres ir, vá. Mas não esperes que eu compactue com algo que meu coração sente que é errado.

- Alex...tens que tirar essas ideias da cabeça...André está morto, pelo amor de Deus.

 Ele apenas vira seu rosto e a olha de lado. 

- E espero não continuar a competir pelo teu amor com um fantasma. Pois contra o homem eu perdi essa guerra. 

Ele não deu tempo a Érica de continuar a tentar dissuadi-lo do que já havia decidido. Abriu a porta e saiu, fechando-a em seguida, atrás dele. Agora só lhe restava esperar qual seria o posicionamento dela. Se ela decidir acompanhar o filho, contra sua vontade,  seria uma facada profunda em seu orgulho e em seu coração. Ele torcia para que ela não o fizesse. Mas uma voz sussurrava o que ele não queria ouvir, a verdade.

Érica ficou ali, olhando para a porta fechar-se e Alexandre desaparecer atrás dela. Ele a havia colocado entre a espada e a parede. Suas inseguranças o estavam a transformar em um homem amargo e sem empatia. E Érica lamentava, pois quando o conheceu admirava seu bom coração e a forma humilde e positiva com que levava a vida.

Depois de terminar sua relação com André, Alexandre foi como uma lufada de ar fresco em sua vida. Ele foi paciente, determinado e amoroso em todos os momentos. Curou seus traumas, trouxe esperança e segurança para  a sua vida quando ela achava que não conseguiria sair do buraco negro em que tinha caído depois de anos amando um homem cujo o coração já tinha dona.

Mas apesar do fim amargo e cheio de mágoa, o tempo e a distancia fez com que ela e André pudessem ter uma relação de amizade para que o filho crescesse em um ambiente saudável. Mas Alexandre não recebeu essa mudança com bons olhos. Tornou-se possessivo, seus ciúmes agravaram-se e começaram a ter problemas que antes não tinham.

Érica o entendeu e por isso tudo fez para minimizar o impacto. Mas parecia que lutava em vão. Nada servia para acalmar o coração de Alexandre. Nem mesmo a morte.

E agora ela via-se em um dilema. Como ultrapassa-lo sem magoar os dois homens que ama?

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