André era, sem dúvida, um homem de postura marcante. Desde cedo, seus traços já chamavam atenção. Nas reuniões de família, era comum ouvir as tias fazerem comentários e gracinhas sobre o quanto ele daria trabalho aos pais quando começasse a se aproximar da idade adulta. Mas não foi preciso esperar tanto: ainda na adolescência, ele já atraía o olhar das garotas da sua faixa etária. No entanto, seu coração já havia encontrado quem o preenchia.
Por trás da reputação e da popularidade entre o sexo oposto, André escondia uma vulnerabilidade que poucos conheciam. Ele se sentia inseguro em muitos momentos, e só sua melhor amiga, Luana, o conhecia verdadeiramente. Era exatamente por ela que ele era perdidamente apaixonado — um sentimento que nunca teve coragem de revelar. Encontrou maneiras de camuflar esse amor para o mundo, e mesmo com o passar dos anos, nunca conseguiu confessá-lo até o último instante, quando a vida o abandonava e ele usou seu último fôlego para aliviar aquele pesado fardo do coração.
André não está mais entre os vivos, mas sua partida reflete a forma intensa como viveu, deixando marcas profundas nas pessoas ao seu redor.
Érica foi uma dessas pessoas. Apaixonou-se por André e casou-se acreditando que ele sentia o mesmo por ela. Só conheceu Luana dois anos após o casamento. Já ouvira o nome ser mencionado por membros da família e alguns amigos, mas nunca deu muita atenção, ou talvez achasse que exageravam nos comentários.
A realidade bateu à porta quando Luana voltou, após mais de cinco anos fora do país. Érica nunca tinha visto os olhos de André brilharem tanto. A forma efusiva com que ele a abraçou, o sorriso que iluminou seu rosto e que foi retribuído com igual intensidade, parecia apagar o mundo ao redor — eles só conseguiam enxergar um ao outro. Assistir àquela cena foi doloroso para Érica, que, quando André finalmente a procurou, teve que fingir estar entretida numa conversa com outras pessoas presentes.
— Deixa eu te apresentar a minha esposa — ouviu André dizer, e logo ele estava ao seu lado, trazendo Luana pela mão.
— Érica, ela é a Luana, uma grande amiga minha de infância.
Luana esboçou um sorriso meigo, e Érica fez um esforço para retribuir, estendendo a mão para cumprimentá-la.
— Prazer, Érica. Confesso que ouvi muito pouco a seu respeito. Estar longe de casa tem desses inconvenientes. Só soube há poucos dias que o André havia se casado — disse Luana, entre risos.
— Eu ouvi algumas coisas sobre você. É um prazer poder dar um rosto ao nome. Muito prazer — respondeu Érica, educada.
Conversaram por alguns minutos, e então Luana se afastou para cumprimentar outras pessoas. Mas, repetidas vezes, Érica testemunhou trocas de olhares e sorrisos discretos entre os dois.
Ela tentou convencer-se de que via fantasmas, que tudo era fruto da imaginação, uma reação às histórias que ouvira sobre aquela mulher. Depois de anos remando contra a maré, a única coisa que conseguiu foi alimentar um ódio por Luana e um ressentimento profundo por André.
Quando finalmente decidiu que não podia mais fingir ignorar o que se passava, Érica pediu o divórcio. André não ofereceu resistência e saiu de casa, deixando-a com o filho na residência do casal.
Todos esperavam que André ficasse com Luana, inclusive Érica. Mas, para surpresa de todos, um ano depois ele anunciou o noivado com Sheila.
Érica seguiu em frente, e apesar do gosto amargo do amor não correspondido, viu-se disposta a arriscar em uma nova relação. Alexandre era totalmente diferente de André. Ele curou sua alma, devolveu seu sorriso e fez com que ela voltasse a acreditar no amor. Mas, até na morte, André conseguiu abalar as estruturas da sua nova vida. E Érica, ao acompanhar o filho ao funeral, acabou sem querer semeando discórdia e guerra em seu casamento.
Desde o dia do funeral, Alexandre não lhe dirigia a palavra. Sentia-se traído e desvalorizado, e Érica compreendia suas razões. Mas esperava que ele também a entendesse. Queria que Alexandre tirasse da cabeça a ideia errada de que ela ainda nutria sentimentos por André. O que tinham era uma amizade construída ao longo de anos, sustentada pelo amor imenso que ambos sentiam pelo filho.
Nos primeiros dias, Érica respeitou o espaço que Alexandre pediu, esperando que o tempo arrefecesse os ânimos e lhes trouxesse clareza. Mas o momento parecia nunca chegar. Naquela noite, decidiu que precisava romper o silêncio e ter uma conversa séria para acabar de vez com o mal-estar entre eles.
Estavam deitados na cama, o quarto iluminado por uma luz tênue que filtrava as cortinas. Alexandre estava de lado, as costas firmes e musculosas voltadas para Érica, que o observava em silêncio, sentindo a distância entre eles pesar no ar.
— Alex... — chamou ela, quebrando o silêncio que parecia se arrastar por uma eternidade.
Ele não respondeu, permanecendo imóvel, como se dormisse.
— Alex, por favor, vamos conversar... — virou-se para o lado, tocou levemente o ombro dele e esperou uma reação.
Nada aconteceu. Então, com um suspiro, aproximou-se mais, envolvendo o corpo dele com o seu, encostando a testa na parte traseira do pescoço de Alexandre. O calor do corpo dele a tranquilizou por um instante.
— Eu não aguento mais ficar sem ouvir a tua voz. Diz alguma coisa — sussurrou, sentindo a respiração dele acelerar contra sua pele.
Érica passou o braço sobre o corpo dele, tentando um abraço que fosse mais que físico, um abraço que curasse as feridas invisíveis. Alexandre se moveu um pouco, mas permaneceu em silêncio.
— Já tinha esquecido como és cabeça dura — disse ela, com um sorriso triste. — É uma das coisas que mais gosto e que mais detesto em ti. Se não fosse essa tua teimosia, não estaríamos aqui hoje. Foi essa persistência que ganhou meu coração, que me fez baixar a guarda e te deixar entrar na minha vida.
Ela fez uma pausa, respirou fundo, sentindo o peso das palavras.
— Eu amo-te, Alex. E, acredite, eu não sabia o que era amor antes de você aparecer na minha vida. Talvez eu nunca tenha te agradecido como deveria por todas as coisas maravilhosas que vivi ao teu lado, pela mulher que me tornei por estares comigo, por esta família linda, por esta vida cheia de bênçãos que tenho o prazer de desfrutar caminhando ao teu lado.
Finalmente, Alexandre se virou, encarando-a nos olhos. O sorriso que iluminou o rosto de Érica foi a confirmação de que suas palavras atingiram o coração dele.
— Também te amo — respondeu ele, quase num sussurro.
— Como ultrapassamos isto? Diz-me, eu faço qualquer coisa para que fiquemos bem — falou ela, colocando a mão sobre o rosto dele, acariciando-o com delicadeza.
Ele pegou a mão dela, levou-a aos lábios e a beijou com ternura. Depois aproximou seu rosto do dela, tocando levemente seus lábios, permanecendo assim por alguns segundos, como se guardasse o mundo naquele instante.
— Ama-me — murmurou antes de beijá-la profundamente, arrancando gemidos roucos dela, no que era apenas o início de uma noite de paixão, depois de dias afastados um do outro.
té os mais profundos ressentimentos.